Comecemos então pelo início da história…
Todos sabemos que a ingestão de peixe – idealmente diária – é recomendável para uma boa saúde. Também sabemos que os peixes não são todos iguais: há os “selvagens” e os de “aquacultura”, há os gordos, vindos sobretudo do mar e os magros, que são maioritariamente de rio.
Quanto às recomendações de uns e outros, o que dizem as Sociedades Científicas nacionais e internacionais é que se deve ingerir 1-2 porções de peixe gordo (130g) e 3-4 porções de peixe magro (160g), por semana.
Como exemplos de peixe gordo temos o atum, espadarte, salmão, arenque, cavala, sardinha, carapau, entre outros. A vantagem de ingestão destes peixes prende-se com o facto da sua composição nutricional ser particularmente interessante em termos de gorduras (maioritariamente insaturadas, com predomínio das gorduras ómega-3), também das vitaminas A, D, K, B e de minerais como o cálcio, fósforo, potássio, iodo, zinco, ferro e selénio. Perante estes factos, não restam dúvidas quanto à pertinência do seu consumo.
A polémica em torno destes peixes advém da sua proveniência: se são capturados no seu estado selvagem ou criados em cativeiro (aquacultura). A proveniência do salmão, truta arco-íris e carpa é maioritariamente de aquacultura, enquanto a sardinha, atum, cavala, carapau e arenque são maioritariamente capturados no meio selvagem. Que diferenças tal facto traduz? Duas possíveis: presença de contaminantes (mercúrio e dioxinas) e de composição nutricional.
Relativamente à presença de contaminantes, a questão é que nem todos os peixes têm os mesmos níveis. A presença de metilmercúrio depende do nível da cadeia alimentar, porque é um produto que se acumula para o predador seguinte, enquanto as dioxinas são substâncias lipossolúveis (presentes onde há gordura), pelo que são mais prevalentes nos peixes e carnes gordas. Os peixes que estão no topo da hierarquia alimentar, como o tubarão, peixe-espada, raia, espadarte e atum, são os que mais metilmercúrio podem
Quanto à composição nutricional, a situação complica um pouco mais. As recomendações para o ser humano são de uma ingestão de gorduras ómega-3 numa proporção de 1:2 a 1:5 com as gorduras ómega-6, ou seja, 2 a 5 vezes mais ómega-6 do que ómega-3. O que se passa com a alimentação ocidental, cada vez mais, é que, através da utilização crescente de alimentos de origem vegetal e alimentos processados, a proporção entre n-3 (ómega-3) e n-6 (ómega-6) está nos 1:10 ou até 1:25…
Torna-se então importante explicar as diferenças entre o salmão de aquacultura e o selvagem, já que em termos de contaminantes não chegamos a uma conclusão satisfatória. O salmão de aquacultura tem: (1) mais calorias, (2) quase o dobro da gordura total, (3) o triplo de gordura saturada, (4) quase o dobro da gordura monoinsaturada, (5) mais 1,5x a gordura polinsaturada e ainda (6) a proporção entre n-3 e n-6 muito alterada: em vez de ter 10:1 (como no salmão selvagem), tem “apenas” cerca de 3:1. Ora, continua a ter mais gorduras n-3 do que n-6, que é exactamente o objetivo do consumo de peixe gordo, mas como tem bastante mais gordura n-6, tal não é suficiente para compensar este tipo de gordura que já conseguimos através de tantos outros alimentos.
Não se pretende que as pessoas comam mais gordura n-6 do que n-3, mas sim que haja mais equilíbrio entre estas gorduras, porque as n-6 são pró-inflamatórias, enquanto as n-3 são anti-inflamatórias. O peixe gordo e o salmão em particular, por ser 99% proveniente de aquacultura (alimentado com rações de origem vegetal, que contêm muita gordura n-6) acaba por ajudar pouco na melhoria desta proporção, a não ser que se opte pela sua “versão selvagem”. Seria muito mais interessante o consumo de sardinha, cavala, carapau, quase exclusivamente capturados neste estado selvagem, e muito maiores contribuidores de uma óptima proporção entre n-3 e n-6
Ana Bravo
http://nutricaocomcoracao.pt/