Rita Veloso é vogal executiva do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Porto e, em todos os cargos que ocupou, procurou implementar uma cultura digital, que considera a peça-chave para uma sociedade evoluída e eficaz na área da saúde.
Rita Veloso sempre foi uma alma inquieta. Entre as atividades extracurriculares e os trabalhos de verão, nunca deixou de se envolver em novos projetos. Quando chegou à universidade, decidiu licenciar-se em psicologia, porque sempre foi fascinada pelas pessoas, pelas organizações e pela imprevisibilidade desta área.
Conta no currículo com anos de gestão de unidades de saúde. Com apenas 27 anos assumiu a direção do Serviço de Gestão de Doentes do IPO do Porto, um dos maiores serviços da instituição. Foi um desafio que ultrapassou “com paixão e dedicação”, recorda. Trocou o IPO pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar de Póvoa de Varzim e Vila do Conde, onde se tornou vogal executiva. Acabaria por regressar ao Porto no início de 2021 para aceitar o cargo de vogal executiva do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUPorto), que até hoje classifica como o seu “maior e mais exigente desafio profissional”.
Trabalhar numa instituição com mais de 250 anos acarreta uma responsabilidade acrescida e começar as funções a meio de uma pandemia não facilitou a transição. Nos primeiros dois meses, Rita deslocou-se a todas as unidades do CHUP para conhecer a realidade de cada uma e leu todas as obras relacionados com a história do hospital. “Chegar na primeira hora do dia é também rotina de que não abdico”, revela.
O CHUPorto foi, durante a vaga de janeiro a março, o hospital que mais doentes com COVID-19 recebeu. Mesmo assim, continuou com a atividade normal, alcançando a maior produção cirúrgica de sempre no primeiro semestre. “Conseguimo-lo com gestão diária, uma implementação de boas práticas e ferramentas, mas essencialmente, alcançámo-lo com a motivação e a dedicação dos nossos colaboradores”, afirma a vogal executiva. Durante este primeiro semestre, o hospital implementou também uma app, com o objetivo de proporcionar soluções inovadoras na área da experiência do doente. Por todas as metas alcançadas e pela dedicação de todos os colaboradores, Rita faz um balanço positivo do desempenho do hospital nestes tempos particularmente desafiantes.
Sistemas de informação em tempos de crise
Ao longo do seu percurso, Rita Veloso tem assumido como missão construir uma cultura digital nas instituições onde trabalha, porque acredita que assim se alcançará uma sociedade mais evoluída, justa e equitativa. Esteve envolvida em inúmeros projetos de transformação digital e de implementação de sistemas de informação. Por isso, decidiu investir em formação na área, sendo atualmente doutorada em Tecnologias da Informação e Comunicação.
Com o aparecimento da COVID-19 e as medidas de distanciamento social, o setor da saúde viu-se obrigado a recorrer ainda mais às tecnologias e aos processos digitais. Rita reconhece que as instituições não começaram todas no mesmo patamar e que ainda há muito para fazer de forma a acelerar esta transição digital. Para a administradora, o foco deve ser menos ambicioso, porque na base ainda existe muito para melhorar. “Se perguntar aos nossos médicos e enfermeiros em matéria de sistemas de informação o que melhorou verdadeiramente com a COVID-19, receio que a resposta seria muito próxima do nada”, lamenta.
O processo moroso da digitalização da saúde não se trata de uma questão de tecnologia nem, na maioria dos casos, de falta de fundos. É sim uma questão de liderança e de gestão. “Todos sabemos que existem inúmeros programas de financiamento, mas que, ou somos pouco ambiciosos a recorrer aos mesmos, ou falhamos na sua execução”, explica.
Mas não está de todo pessimista, como exemplo de sucesso refere o Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim e de Vila de Conde, onde as receitas em papel passaram a representar 70/75% das receitas diárias, quando a média nacional era inferior a 10%. Enquanto serviu no hospital, esteve envolvida em várias iniciativas ligadas à literacia digital – chegou até a levar o hospital à praia, com o objetivo de aumentar o envolvimento da comunidade. Atualmente, a média do hospital mantém-se nos 80% de receitas sem papel enquanto a média nacional ainda não ultrapassa os 25%. Os resultados contínuos são, segundo Rita, uma prova de liderança sustentada.
O Plano de Recuperação e Resiliência prevê uma verba de 300 milhões para a melhoria das infraestruturas digitais e sistemas de informação. A administradora realça que é necessário investir este financiamento na implementação de ferramentas que mitiguem o risco de ciberataques – que acredita serem muitos – , ou na criação de um repositório único de informação de saúde dos cidadãos. As possibilidades são quase infinitas.
Este investimento deve ter também em conta a integração de projetos de investigação internacionais. No caso do CHUPorto, já existe um departamento dedicado e organizado que lidera este tipo de projetos. “É responsabilidade das administrações e lideranças promover tempo protegido aos seus profissionais para os prepararem e se dedicarem a estas áreas. Os projetos não podem continuar a ser implementados com “um façam lá mais um esforço”, ilustra.
A inquietude de Rita mantém-se até hoje, com a procura incessante de novos projetos e oportunidades. Para além do seu cargo no hospital acumula ainda responsabilidades em outras organizações, como a Assembleia Geral da Associação Portuguesa Desenvolvimento Hospital ou O Grupo de Trabalho para a Gestão da Informação em Saúde da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. É professora convidada no ensino pós-graduado em algumas áreas, experiência da qual não abdica por acreditar que pode fazer a diferença nas gerações futuras.
Ao longo dos anos participou em vários programas e iniciativas, como a Young Executive Leaders da International Hospital Federation em 2020. Foi também deputada na Comissão de Tecnologias de Informação da Saúde do Health Parliament Portugal em 2016.
Apesar de gratificantes, estas experiências exigem muito do seu tempo. Para gerir tudo, Rita trabalha por turnos: “Das 07:00 às 08:00 sou mãe, das 08:00 até ao final da tarde sou administradora de um hospital e entre as 20:00 e as 22:00 entro no meu terceiro turno de mãe, mulher, dona de casa.”
Há ainda dias em que tem mais turnos, como professora ou aluna. O equilíbrio entre a família e o trabalho é a sua maior aspiração e sempre tomou decisões nesse sentido. No início da carreira, uma empresa que pretendia recrutá-la, colocou como condição não ser mãe antes dos 35 – proposta que recusou sem pensar duas vezes. Ser mulher traz obstáculos acrescidos no mercado de trabalho, mas Rita nunca se deixou afetar, não deixando transparecer qualquer insegurança. Desde jovem que assumiu cargos de liderança e está habituada à excelência. “Trabalha-se muito e espera-se de nós muito carácter, resiliência, transparência, ética e lealdade”, admite. Essas são também as chaves para se ser um líder que o faz pelo exemplo e não por decreto.