Futuros líderes: imperioso navegar com jovens competentes, orgulhosos e com autoestima

Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)

Queremos ter bons líderes? Provavelmente sim. Por onde começamos? Pelos mais jovens, preparando-os adequadamente nesta caminhada de muitas decisões, a começar pela sua saúde individual e coletiva, pelo seu orgulho e autoestima.

Uma educação em saúde e bem- estar de qualidade permite que os jovens possam saber navegar no complexo mundo da adolescência e a formar-se no futuro como líderes sensatos, humanistas e transformadores positivos do mundo.

Perceber a adolescência e investir adequadamente permitirá gerações futuras de jovens adultos e adultos mais robustos e responsáveis.

Naturalmente sabemos o carrossel de mudanças e de emoções que gira dentro da cabeça de um adolescente. Faz parte da estrutura fisiológica humana a explosão de sensações, emoções, reações, sentimentos e crescimento. Mas entre a adolescência, que ocorre entre os 13 e os 20/24 anos dependendo das organizações internacionais, um passo imediato chega ao jovem adulto e ao adulto. E, no campo das decisões, são as que são tomadas mais cedo que têm efeitos exponenciais e com reflexos de grande permanência nas idades mais adultas; alimentação que conduz ao excesso de peso e obesidade; consumo de álcool; consumo de tabaco; entrada e permanência no consumo de drogas; atividade física ou a sua ausência; atenção à saúde mental; saúde social, entre outras.

Digo-te com quem ando e decido quem quero ser

Um velho ditado referia “Diz com quem andas e dir-te-ei quem és”. Lamento discordar do autor, mas nem sempre é assim. Os jovens e as suas tribos podem ter múltiplas solicitações que os põem em risco e no momento da tomada de decisão não seguirem essas decisões que podem inverter a sua vida. Cada jovem mais capacitado e apoiado consegue tomar decisões dia a dia. Embora as “tribos” sejam uma das referências de influência emocional, cognitiva e comportamental de muitos jovens, no momento da decisão arriscada muitos não seguem o caminho do perigo e não põem em causa a sua saúde.

E porquê? Talvez pela genética (que tem um peso de cerca de 20 %), a educação e comportamentos modelados e aprendidos na escola e em casa (40 %) e as suas tribos e grupos (40 %). Na realidade, para além do fator genético, o contexto e a modelação contam muito mesmo.

Estarmos perto dos jovens prepara-os para as melhores decisões quando eles não estão com os adultos

O papel das escolas e dos cuidadores informais, como pais e avós, é quase selo de garantia de resultados mais positivos.

O Centro de Controlo de Doenças do Estados Unidos (CDC, 2023) refere que uma educação em saúde de qualidade garante que os jovens tenham o conhecimento e as capacidades que precisam para navegar na adolescência e preparar o seu terreno para uma saúde positiva e bem-estar na vida adulta.

Segundo esta organização (CDC, 2023), que tem feito múltiplos estudos nesta área, uma educação em saúde de qualidade deve ter em conta os seguintes fatores: 1) ser feita numa idade adequada; 2) ser culturalmente relevante; 3) ser ministrada por educadores qualificados e treinados; e 4) ser baseada num forte currículo de saúde. Eu acrescentaria, num forte currículo promotor do bem- estar, de maior consciência e autorregulação, de motivação para a responsabilidade individual e social e humanista.

Da gratificação instantânea às decisões acertadas em saúde

Quando há maior literacia em saúde os resultados, que são gerados momento a momento, levam a melhores escolhas de saúde. Se essas escolhas acertadas vierem nos momentos mais críticos, no que toca a um conjunto de decisões próprias da juventude e que podem “descarrilar” para caminhos muito funestos, árduos e incapacitantes (e não só os jovens, mas agora estamos a escrever sobre eles…), tais como: “fumo ou não fumo”; “bebo ou não bebo”; “ando sem capacete ou não”; “arrisco e dou um mergulho no mar sem saber se existem condições”; “roubo aquela peça de roupa com a minha amiga ou prefiro não o fazer?”; “bebo mais do que uma cerveja esta noite?” podem mudar radicalmente caminhos e vida. As decisões dos jovens estão constantemente a ser postas à prova e a ser inundadas pelos estímulos da gratificação instantânea.

Estes jovens, na sua incompletude natural fisiológica (o seu cérebro e mente só estarão completos por volta dos 25 anos) exige robustez dos apoios que os circundam nos seus vários contextos.

Escolas e educadores: saber o seu importante papel “seguro”

As escolas e os educadores informais têm de reconhecer esse papel sério educativo. Os jovens devem ser os futuros líderes do amanhã mais saudável e mais feliz. Mas se não estiverem capacitados, autorregulados, conscientes do que podem fazer, e o que eles devem reconhecer nas decisões, mais difícil será essa navegabilidade que queremos que conduza a uma saúde e a um bem-estar mais permanentes.

Os ambientes escolares seguros e que apoiam os jovens permitem de uma forma positiva que estes se ajudem mais mutuamente, a sentirem-se ligados aos seus pares e aos adultos. Criar e conseguir esta vontade, intenção e efetivo comportamento de ligação, demonstrou ter um verdadeiro impacto duradouro na saúde e no bem-estar.

Não somos todos iguais, e ainda bem

Os ambientes seguros e de apoio impactam positivamente comportamentos e experiências de adolescentes mais positivos. Está comprovado que as políticas e práticas inclusivas beneficiam todos os estudantes, incluindo os estudantes LGBTQ+. Para o CDC (2023), quando as escolas implementam políticas e práticas de apoio LGBTQ, todos os alunos experimentam: 1) menos sofrimento emocional; 2) menos violência e assédio; 3) menos pensamentos e comportamentos suicidas.

Acesso aos serviços de saúde a partir da ativação da escola

O papel dos cuidadores e das escolas tem sido um pouco relegado, talvez pela repetição até à exaustão do papel do professor numa edução ampla e cinzenta. Ora, o professor também é, na maioria das vezes, pai e mãe. Sofre das mesmas angústias, desejos e reflexões no dia-a-dia. Mas, na verdade, estudos mostram que as escolas, como organizações estruturantes e coesas, assim como os seus professores e professoras, podem ajudar a aumentar o acesso dos alunos à navegabilidade correta nas decisões em saúde, incluindo os serviços de saúde mental e comportamental, fazendo pontes não apenas com os serviços escolares no local ou encaminhando os alunos para fontes de cuidados favoráveis aos jovens na comunidade.

As escolas são promotoras da mudança individual e podem apoiar o acesso dos alunos aos serviços, avaliando as suas necessidades, bem como a disponibilidade de serviços no local e estabelecendo relações e sistemas de referência para fontes comunitárias de cuidados.

A escola cura as feridas da mente e do corpo

É esta rede positiva criativa e organizada que é a escola e as suas pontes para a vida privada dos adolescentes que consegue proporcionar efeitos de qualidade de saúde e de bem-estar reconhecidos em todo o mundo.

As escolas são na verdade promotoras de futuros líderes. Cada jovem que toma uma boa decisão na área da sua saúde impacta um conjunto de outros jovens à sua volta.

Um jovem que se sinta apoiado e orientado, com exemplos que compreende e que saiba replicar, torna-se num cidadão de grande valor social: um líder social; um líder politico; um líder económico; um líder do desporto.

E afinal o que é isto da liderança?

Ser líder é ser motivador e transformador da mudança de quem o/a rodeia. Liderar é promover a diferença e levar a decisões que melhoram a vida própria e dos que estão à volta, e por isso envolve carisma, paciência, respeito, disciplina e a capacidade de influenciar os que dele/a dependem. O líder tem a função de unir os elementos do grupo,  para que juntos possam alcançar os objetivos do grupo.

Para os dicionários mais comuns, um líder é uma pessoa que dirige ou aglutina um grupo. Os vários tipos de líder mudam em função das características do grupo (unidade de combate, equipa de trabalho ou um grupo de adolescentes). A liderança está relacionada com a motivação, porque um líder eficaz sabe como motivar os elementos do seu grupo. Não podemos desagregar o bem-estar do valor que é criado à volta de um ser humano que consegue decidir pela sua vida, e, quando chegar a altura, decidir pela sua geração, pela sua família, pela sua comunidade.

Quando investimos num jovem, o potencial de melhoria do mundo e de liderança desse mesmo mundo tem um efeito enorme à volta. Um jovem feliz, realizado, seguro, consciente das dificuldades, consciente das emoções, da sua saúde da sua fisiologia e da promoção da sua saúde, tem um caminho com várias repercussões positivas na sua vida, por onde passa, por onde toca, em cada um que pode influenciar.

E assim a liderança faz uma ponte com a literacia em saúde, que pressupõe a competência, isto é, os conhecimentos, a capacidade e o perfil para agir por uma melhor saúde, espoletando a motivação para continuar e progredir com vista a melhores resultados de saúde para todos.

A importância da conexão e da formação consciente

Estar ligado é importante. Estar com “rede” é importante. Qual a pessoa que se sente sem rede que pode tomar uma decisão confortável? Deixamos os nossos jovens muitas vezes “sem rede”. A voz amiga, o abraço amigo, a compreensão, o debate, o conhecimento, a capacidade de fazer e de ser, a liberdade de expressão, a diversão na aprendizagem. A vida é uma descoberta constante que a educação ajuda a sedimentar de forma robusta e permanente.

Esquecemos muito das palavras que aprendemos, não esquecemos o que nos fez sentir bem e os efeitos permanentes das boas memórias significativas. Para que o processo decorra favorável é importante a conexão permanente, isto é, “estar em rede com os jovens” e adotar posturas formativas conscientes permanentes. Todos aprendem: desde o mais jovem estudante até ao professor, passando pelo auxiliar.

Para isso é preciso que a escola se consciencialize e pratique ações evidentes, que passam por: 1) garantir que os professores tenham a formação necessária, útil, para gerir as questões de saúde mental e comportamental dos alunos nas suas salas de aula; 2) oferecer oportunidades para o desenvolvimento positivo de jovens, incluindo programas de serviços escolares e comunitários e mentorias; 3) garantir que as escolas sejam seguras para os jovens mais vulneráveis através de políticas robustas e efetivas de antiassédio, fornecendo espaços seguros, clubes inclusivos e desenvolvimento profissional para todos os que habitam a escola.

Lideranças jovens: um exemplo prático e real

Em 2003, Hunter e outros autores chegaram à conclusão, no seus estudos, de que baixos níveis de autonomia e de autoestima provavelmente estão relacionados com problemas de saúde. Uma maneira de operar isso é através do comportamento das pessoas. Uma das conclusões foi que o orgulho crescente da identidade das pessoas tem um impacto mais favorável nos comportamentos de saúde e de risco do que focar apenas sobre como mudar a dieta e os exercícios.

O orgulho de ser aciona uma consciência de responsabilidade maior e tem um efeito no aumento da autoestima. Conseguir que os jovens se orgulhem de si permite avançar em campos de desenvolvimento psicológicos e sociais.

A liderança passa pelos campos da influência social, económica, cultural e politica também.

Compreendemos assim que desenvolver a autonomia e a autoestima dos jovens pode ser um bom caminho para que depois estes controlem a sua saúde adequadamente, e sejam vozes de alerta e de orientação para todos os outros. Neste campo da autonomia, da liderança jovem, existe um grande contributo das associações de jovens ligadas ao panorama da saúde.

Tem a Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde procurado averiguar, avaliar, ouvir e disseminar as vozes dos jovens líderes na área da saúde em Portugal. E foi no dia 4 de maio de 2023, na Assembleia da República, que tivemos o privilégio de escutar atentamente o que pensam os jovens líderes no evento de grande relevância “Opções dos Jovens sobre a Saúde: a visão dos jovens dirigentes”.

Das suas reflexões nasceram grande linhas orientadoras. Vozes estas que incluíram as de Vasco Cremon de Lemos, Presidente da ANEM , Associação Nacional de Estudantes de Medicina; António Marques Pinto, Presidente da Associação de Jovens Médicos; da terapeuta Beatriz Oliveira, presidente da Associação Nacional de Jovens na Fisioterapia; de Leonor Quelhas Pinto, presidente da Associação Nacional de Estudantes de Nutrição; de Lucas Chambel, vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Farmacêuticos, de Mariana Elói, vice-presidente da Associação Nacional de Estudantes de Enfermagem; de Sérgio Alves, presidente da Associação de Estudantes de Psicologia; e de Vasco Mendes, jovem médico no Parlamento Europeu.

A competência desenvolvida por estes jovens estudante e outros em início de profissão mostrou os seus perfis de liderança inquestionáveis. E podemos enunciar algumas das qualidades de liderança e de gestão destes jovens: 1) a sua robustez de conhecimentos; 2) a sua capacidade para agir (fazer) sobre as suas áreas de influência; 3) o seu sentido de comunidade; 4) as suas práticas de autonomia; 5) o seu nível visível de autoestima; 6) o seu olhar e visão global para o contexto e para o mundo; 7) a sua necessidade de reconhecimento das práticas de humanização, de justiça e de equidade; 8) a sua convicção forte ideológica; 9) o respeito pelos seus pares; 10) o seu investimento educacional.

Estes 10 fatores agora enumerados, entre outros que possam existir e que não
foram aqui referenciados, posicionam cada um deles como futuros líderes destes país.

Este evento contou ainda com as intervenções da presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS), Cristina Vaz de Almeida, do professor Adalberto Campos Fernandes, do Dr. António Maló de Abreu, presidente da Comissão de Saúde da Assembleia da República, do professor Miguel Arriaga e do Dr. Rui Portugal, da DGS – Direção Geral da Saúde, dos deputados Pedro Melo Lopes e Ricardo Batista Leite, do médico Rui Nogueira e da enfermeira Sandra Laia Esteves, ambos da SPLS. Estes exemplos práticos, reais, servem de espelho para os restantes. São todos eles grandes influenciadores dos seus pares. Devem ser ouvidos e a sua voz partilhada. Os líderes começam nos bancos das escolas. Preparar as escolas para estas dinâmicas é essencial para dar mais valor ao país que queremos.

REFERÊNCIAS:

CDC. (2023). Divisão de Saúde do Adolescente e da Escola, Centro Nacional de Prevenção de HIV/AIDS, Hepatites Virais, DST e TB. Disponivel em: Adolescent and School Health (DASH) | CDC

Hunter, D.J. (2003). Self-esteem and health Autonomy, self-esteem, and health are linked together. BMJ. 327, 574-575.