FORTALECER AS CAPACIDADES MENTAIS PARA ENFRENTAR O FUTURO

Tânia Gaspar, Psicóloga, Mestre em Saúde Pública, Professora com Agregação em Psicologia
Diretora do Instituto de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Lusíada, docente e investigadora, Tânia Gaspar é uma profissional multifacetada que se desdobra em vários projetos. Conta-nos sobre o seu percurso, o impacto do COVID-19 na saúde mental e como a psicologia pode ajudar na vida pós-pandemia.

 

Curiosa e interessada no ser humano, as suas relações e emoções, os pensamentos e comportamentos, Tânia Gaspar decidiu licenciar-se em Psicologia. Após fazer um estágio na área da saúde mental, percebeu que a intervenção precisava de ter em conta não só a pessoa mas também as suas relações mais próximas e o seu contexto socioeconómico e cultural. Por isso, decidiu tirar o mestrado em Saúde Pública. “Foi muito importante para ter uma visão mais macro da saúde e da doença, numa perspetiva de promoção de saúde, prevenção da doença e reabilitação psicossocial”, conta a psicóloga. Ainda focada na saúde e nas oportunidades, fez o seu doutoramento em Psicologia na área da Saúde e Qualidade de Vida.
De momento, está a tirar um segundo doutoramento em Gestão, com o tema da Gestão e Qualidade das Organizações de Saúde. Desde 2002 que é docente da Universidade Lusíada de Lisboa e já foi docente convidada em universidades da Alemanha, EUA e Espanha. Considera “uma honra e um gosto contribuir para o desenvolvimento de futuros Psicólogos”. Em 2009 aceitou o “desafio” de ser Diretora do Instituto de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade Lusíada de Lisboa.

É ainda presidente da Aventura Social Associação, uma IPSS constituída maioritariamente por psicólogos que tem como objetivo a intervenção psicológica e social e promoção de saúde da população em geral, com especial dedicação à intervenção junto de grupos de risco e populações desfavorecidas. O segredo para conciliar todas as responsabilidades e atividades é “a paixão, a autorregulação no estabelecimento de objetivos, prioridades e perseguição desses objetivos, bem como salvaguardar o equilíbrio com a vida familiar e atividades de lazer” conta. “ Acima de tudo contar com pessoas que partilham a mesma paixão e dedicação.”
Tânia sempre se envolveu em vários projetos. Mesmo antes de terminar a licenciatura, já estava investida no mundo da investigação. Começou por colaborar com a equipa Aventura Social da Motricidade Humana da Universidade de Lisboa. Atualmente, coordena o grupo de investigação “Qualidade de Vida, Intervenção Psicossocial e Cidadania” do Centro Lusíada de Investigação Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS).

Para a Diretora, a investigação é fundamental “para colocar o conhecimento científico da psicologia ao serviço da intervenção psicológica e multidisciplinar, promove o trabalho em rede e permite que as políticas públicas sejam baseadas na evidência.”

A psicóloga é ainda diretora do jornal Psicologia da Criança e do Adolescente e muitos dos seus projetos de investigação focam-se nesta população. A primeira investigação em que colaborou estava relacionada com o impacto da publicidade nos comportamentos das crianças. Tânia passou horas a ver publicidade dirigida a crianças e a registrar informação potencialmente de risco para a saúde e comportamento das mesmas.

Este ano, coordenou o XI Congresso Internacional de Psicologia da Criança e do Adolescente que se focou nas emoções, um tema “especialmente pertinente agora neste momento da pandemia, onde a literacia emocional, a autorregulação e a gestão emocional são fundamentais para uma melhor adaptação aos desafios recentes, presentes e futuros”, afirma.

Desde 1999 que faz parte da rede de estudo Health Behaviour School-aged Children colaborativo da OMS e recentemente assumiu a coordenação nacional e a cocoordenação dos países mediterrâneos do estudo. Esta rede conta com mais de 50 países e estuda e monitoriza os comportamentos de saúde de crianças e adolescentes de 4 em 4 anos através de amostras nacionais. A próxima recolha será em 2021/2022 e avaliará o impacto da pandemia na saúde das crianças e adolescentes portugueses. Apesar de todos terem sentido os efeitos da pandemia, Tânia Gaspar realça que o impacto ao nível da saúde mental foi diferente de pessoa para pessoa. É necessário considerar a situação prévia à pandemia – “se a pessoa antes da pandemia já tinha dificuldades ao nível da saúde bio-psico-social como por exemplo níveis de stress e ansiedade muito elevados, sintomas depressivos, doença mental”, entre outros, estes elementos podem ter sido agravados afetando negativamente a pessoa ao nível da saúde mental. Por outro lado, é também importante ter em conta pessoas que, devido à pandemia, “perderam rendimentos ou o trabalho, que tiveram infetados, que tiveram alguém próximo infetado ou que perderam alguém significativo, ou que pertencem a um grupo de maior risco, que viveram a situação pandémica mais isolados, que tiveram mais dificuldade de acesso à escola e aos amigos à distância (no caso das crianças e adolescentes) e ainda que ficaram em teletrabalho com crianças pequenas ou com necessidades educativas/saúde especiais” enumera a psicóloga. “Estas pessoas tendem a ter uma experiência pessoal mais negativa e consequentemente um maior impacto na sua saúde mental.”
Contrariamente, as pessoas que tinham previamente uma situação mais favorável conseguiram enfrentar a pandemia com maiores níveis de saúde mental, estilos de vida mais saudáveis, melhor gestão do stress e incerteza e manutenção do equilíbrio e bem estar pessoal, familiar e laboral. Em Portugal, faltam muitos psicólogos no SNS para responder à procura real e os cuidados de saúde mental acessíveis monetariamente são escassos.
As consequências da pandemia a nível psicológico aumentaram a consciencialização da população em geral para o tema e salientaram a importância da saúde mental na opinião pública. “A saúde mental era frequentemente vista como “doença mental”, agora muitos mais valorizam o bem-estar, a sensação de nos sentirmos felizes, a sensação de realizarmos atividades que nos dão prazer, a sensação de estarmos com os que mais gostamos”, explica. A psicóloga espera que a saúde mental seja uma prioridade acompanhada com verbas dos apoios financeiros europeus para “ dar melhores condições aos psicólogos em atividade, contratar mais psicólogos e alocá-los a diversos setores nomeadamente na saúde, educação, justiça, área social e laboral. “
“A pandemia Covid-19 remeteu-nos para uma nova realidade, mas que pode repetir-se e por isso é fundamental desenvolver um trabalho preventivo de robustecimento da saúde mental das pessoas e da sua capacidade de adaptação a situações de crise”, conclui. É necessário avaliar as consequências da pandemia na saúde mental da população e delinear, implementar e avaliar planos de intervenção psicossocial junto das pessoas mais afetadas.