QUANDO TUDO PARECE FALHAR, COMPREENDER É O PASSO CHAVE DA LITERACIA EM SAÚDE

Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
Cristina Vaz de Almeida, PhD . Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS)
Costumo dizer que a dimensão mais importante do conceito de literacia em saúde é a compreensão. Quando compreendemos melhor o mundo e os outros, compreendemo-nos melhor a nós próprios e tornamo-nos seres humanos melhores.

Ena visão empática do outros que chegamos ao fundo do outro e da dimensão humana de poder ajudar a transformar o mundo num espaço humano mais saudável para todos. Não há processo eficaz sem estratégia adaptada aos seus vários públicos. Na literacia em saúde é preciso adaptar as linguagens e as intervenções às necessidades das pessoas. Por isso o Modelo ACP – Assertividade, Clareza de linguagem e Positividade resulta tão bem, tanto para as questões profissionais como pessoais. Porque, de facto quando respeitamos o outro e o outro nos respeita num equilíbrio que evita a agressividade ou a subserviência (assertividade), a linguagem é clara e acessível (clareza) e construímos positivamente o comportamento do outro (positividade), o caminho torna-se mais fácil e a literacia em saúde cresce entre as pessoas.

Então, quem é a SPLS – Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde ?

Podemos afirmar que antes de o ser já o eramos. O caminho da literacia em saúde que deu origem a esta sociedade cientifica começou em 2011 quando se iniciou o processo formativo de formação avançada para profissionais das áreas da saúde no ISPA.
Em nome próprio posso relatar que fui ter com o Professor Carvalho Teixeira, diretor da formação avançada do ISPA em 2011 e numa conversa muito animada e profunda, ele autorizou e apoiou desde o inicio a criação de um programa de formação avançada especifico de literacia em saúde.

Na altura, e já há mais de uma década, o objetivo era envolver os profissionais das áreas da saúde nas maiores competências de comunicação para poderem comunicar melhor com os seus utentes e permitirem um melhor acesso, compreensão, avaliação e uso dos recursos de saúde para a tomada de decisões mais acertadas em saúde.
Esta formação avançada esteve a funcionar de forma ininterrupta com dois cursos por ano ate 2017, altura em que foi transformada em Pós Graduação que hoje esta muito estável e reconhecida a nível nacional e europeu entre os pares da literacia em saúde. Esta foi uma das origens da SPLS, pois com o reforço de especialistas em literacia em saúde , através da formação avançada do ISPA e da formação dentro das organizações hospitalares, constituiu-se “massa crítica” para se poder fazer a sociedade portuguesa de literacia em saúde.

Esta foi a origem da SPLS, motivada pelo desejo de muitos em fundamentar, estruturar e reforçar a literacia em saúde em Portugal, coadjuvada pelo papel da Direção Geral da Saúde, com o Professor Miguel Arriaga, que reforçava nos Planos de Saúde a Literacia em Saúde e que culminou neste Plano Nacional de Literacia em Saúde e Ciencias do Comportamento 2023-2030 que nos orgulha a todos.

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS), constituída por escritura no dia 19 de janeiro de 2022, é uma associação dotada de personalidade Jurídica sem fins lucrativos, de caráter científico e formativo. Ao longo destes quase três anos prosseguimos fins científicos, formativos, técnicos, organizativos, éticos e humanos na promoção, desenvolvimento e aperfeiçoamento da prática da Literacia em Saúde.
Entre as nossas tarefas, caminhos, ambições desdobram-se estes alinhamentos na SPLS:
• Acompanhamento longitudinal do estado de saúde e dos serviços de um utilizador dos serviços de saúde
• Comunicação e feedback de desempenho dos profissionais de saúde, dos utentes ao longo do seu ciclo de vida e condições
• Recolha e gestão de dados de indicadores de saúde de pessoas e grupos mais vulneráveis para posterior intervenção
• Estudos e aplicação no terreno de soluções adaptadas às várias realidades e contextos
• Desenvolver uma rede de parcerias, de acordos e protocolos com as varias organizações de saúde, associações de doentes, de estudantes, de jovens profissionais, de ordens, de sociedades cientificas entre outras
• Apoiar o processo de rastrear pessoas por risco ou outro estado de saúde
• Identificar pessoas que necessitam de serviços e saber quais as necessidades-chave
• Promover a recolha, agregação e partilha de dados
• Participar em todas as politicas publicas para a saúde e bem-estar
• Defender a introdução da literacia em saúde em cada uma das disciplinas nas escolas
• Promover soluções experienciais que trabalhem os vasos comunicantes da saúde: alimentação, atividade física e saúde mental.

Embora a SPLS tenha uma longa intervenção em diversas áreas, formativas, de debates, de construção e disseminação do conhecimento com diversas publicações, das quais destaco o Manual de Literacia em Saúde (PACTOR), vou destacar nesta reflexão, permitida e apoiada pela Revista Liderança a quem parabenizo o apoio a estas organizações que tentam fazer a diferença, as nossas MiniAssembleias da saúde, o RITMO e o projeto ATIVAR.

Miniassembleias da saúde: a voz ativada do cidadão

Ouvir e registar a voz do cidadão ao longo do ciclo de vida e criar sinergias para as políticas públicas locais de saúde na promoção de comunidades mais saudáveis. É essencial fazer e implementar politicas públicas que vão ao encontro das pessoas. Para isso é preciso ausculta-las. As Miniassembleias da saúde têm feito isso ao longo da nossa vivência.

Auscultar, perceber o que realmente as pessoas querem para a sua saúde, dos seus familiares, grupos e comunidades. A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde (SPLS), em parceria com os Municípios Portugueses, organizou em 2022, 2023, 2024 com o Município de Oeiras, de Coimbra, na Madeira, Açores um conjunto de “Mini- Assembleias da Saúde” com o objetivo de replicar o direito e o dever de cidadania dos cidadãos a pronunciarem-se (Constituição da Republica Portuguesa, art.º 2 e art.º 9).
Nestas “Miniassembleias da Saúde” foram debatidas questões de saúde e de bem-estar com a matriz da literacia em saúde, isto é, incidindo nas dimensões do acesso, compreensão e uso dos recursos de saúde, navegabilidade no sistema, tomada de decisões em saúde no continuum da vida e bem-estar destas populações aqui representadas. O incremento das dimensões da literacia em saúde, e a ação subsequente de decisões tomadas de uma forma mais responsável, consciente e participativa, são as propostas de base destas “Mini- Assembleias da Saúde”. Com a sua realização, os seus promotores – SPLS e Municípios, pretende-se que estas “Miniassembleias da Saúde” que replicam o espaço público de debate, sejam ativadoras de um maior civismo participativo, envolvendo as dimensões humanas da conexão social, fomentando a multiculturalidade, a visão inter e multidisciplinar e a promoção de comunidades mais saudáveis.

Estas práticas ativas de literacia em saúde, ajudam na reflexão mais aprofundada, criteriosa da “voz do cidadão”, que dão um verdadeiro suporte na construção, ou na expetativa de reforço dos seus destinos, articulando as vozes individuais com as vozes da comunidade onde se integram. Estas “vozes” servem de co efetivo para que os decisores possam ir ao encontro do que é significativo e valorizado pelas pessoas dentro das comunidade

Este projeto da SPLS – MINIASSEMBLEIAS DA SAÚDE – está estruturado para funcionar em rede, combinando as parcerias locais com o capital intelectual desta sociedade científica que estatutariamente prevê o investimento no aumento da literacia em saúde dos cidadãos. Os resultados têm sido muito positivos, tendo resultado num relatório disponível ao publico e que pode ser encontrado no site da SPLS ( www.splsportugal.pt ).
Neste caminho que temos organizado , com tantas formas de dar palavra as pessoas e ao seu melhor acesso, compreensão e uso de recursos destacamos os estudos da WHO (2024) que nos apresenta a “via de cuidado”. Esta Via ou caminho de cuidados são na verdade um conjunto de intervenções complexas para a tomada de decisão mútua e organização dos processos de cuidado direcionados a um grupo bem definido de utilizadores de serviços de saúde durante um período bem definido. A European Pathway
Association define as características destas “vias de cuidados”, que devem incluir: 1. uma declaração explícita dos objetivos e elementos-chave dos cuidados com base em evidências, melhores práticas e expectativas dos utilizadores dos serviços de saúde e suas características;
2. a facilitação da comunicação entre os membros da equipe e com os utilizadores dos serviços de saúde e familiares;
3. a coordenação do processo assistencial, coordenando os papéis e o sequenciamento
das atividades da equipe multidisciplinar de cuidados, dos utilizadores dos serviços de saúde e de seus familiares;
4. a documentação, monitorização e avaliação de variações e resultados;
5. a identificação dos recursos adequados.

Na realidade este papel da SPLS tem sido estruturado para alcançar melhores níveis de literacia em saúde em Portugal, fazendo a translação do conhecimento e da ciência para as intervenções reais e adaptadas aos vários segmentos da população e às suas várias condições.

Ritmo – as experiências sensoriais

Porquê trabalhar as experiências sensoriais? Porque apenas através da razão não se mudam comportamentos. Temos de combinar a razão e a emoção para ajudar as pessoas a sentir o processo transformador dos estilos de vida saudáveis. É através da experiência que podemos levar alguém a sentir que é preferível mudar ou adotar uma vida mais saudável do que não a fazer. Nesta vivência as pessoas conseguem sentir. Sentir permite ativar as memórias, o corpo, a mente, as sensações.

Mudar é difícil e por isso deve haver formas de dar oportunidade às pessoas para que possam fazer esse caminho mais facilmente. O evento RITMO insere-se no programa mais abrangente “Literacia faz bem à Saúde”, da responsabilidade da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde e visa dar continuidade a um conjunto de ações desenvolvidas pela SPLS e parceiros muito interventivos na área do coração e cardio respiratório, que pretende tocar no “coração” de cada cidadão participante, de uma forma biopsicossocial. Queremos um cidadão saudável, desde as idades mais jovens, numa junção positiva entre a saúde e o bem-estar, através do “movimento”, do ritmo, atividade física, alimentação, conexão social. RITMO é um evento com “EXPERIMENTAÇÃO”, que estimula a memória e a intenção de comportamento, a atividade física, os valores e o respeito pela vida da outra pessoa, as aprendizagens para salvar vidas (suporte básico de vida), apelando participação dos vários públicos para a prevenção da doença e a promoção da saúde juntando os fatores de mudança de comportamento EMOÇÃO + RAZÃO.

Ativar – ativar as pessoas mais velhas

A Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde está a desenvolver o Projeto ATIVAR nas Universidades Séniores e Farmácias Comunitárias. O projeto promove o uso seguro do medicamento e vacinação no adulto, com o apoio da GSK e Ordem dos Farmacêuticos. Tem como objetivo a sensibilização e a motivação através do diálogo e da arte, baseado em conhecimentos aprendidos sobre vacinação e medicação e na co-criação de materiais de comunicação.
A RUTIS — Rede de Universidades Séniores fez protocolo com a SPLS em dezembro 2023 e é parceira do projeto ATIVAR. Os objetivos do Projeto ATIVAR visam: – Sensibilizar o público-alvo acerca da importância de manter uma vigilância de saúde regular, nomeadamente rastreios e vacinação preconizados nestas faixas etárias; – Aplicar linguagem clara e acessível que fomente a compreensão e interpretação dos conteúdos informativos apresentados;
– Informar os recursos disponíveis como o acesso aos serviços de saúde e farmácias comunitárias, de forma a escolherem decisões acertadas e responsáveis no seu processo de saúde;
– Maior ativação dos públicos séniores.

Realizamos sem uma dinâmica de grupo que promove debate, reflexão e cocriação de cartazes educativos acerca da temática que ficaram expostos no espaço da Universidade Sénior e em farmácias aderentes.

Conclusão

Reforço o que referi no titulo deste artigo: Quando tudo parece falhar, compreender é o passo chave da literacia em saúde. Obrigada a Revista Liderança no Feminino
e Sandra Arouca por este apoio à SPLS.

Referências

Almeida, C. V. (2019). Modelo de comunicação em saúde ACP: As competências de comunicação no cerne de uma literacia em saúde transversal, holística e prática. In C. Lopes & C. V. Almeida (Coords.), Literacia em saúde na prática (pp. 43-52). Lisboa: Edições ISPA [ebook] Disponível em: http://loja.ispa.pt/produto/literaciaem-saude-na-pratica

WHO. (2024). Digital transformation handbook for primary health care: optimizing person-centred point of service systems. Geneva; WHO. Licence: CC BYNC-SA 3.0 IGO.

Vaz de Almeida, C. (2021). Eureka: A Proposal of a Health Communication Model
Based on Communication Competences of the Health Professional! The Assertiveness, Clarity, and Positivity Model. In C. Belim & C Vaz de Almeida, Health Communication Models and Practices in Interpersonal and Media Contexts: Emerging Research and Opportunities.IGI.

Vaz de Almeida, C., & Belim, C. (2021b). Health professionals’ communication competences decide patients’ well-being: Proposal of a communication model. In A. Tkalac Verčič, R. Tench & S. Einwiller, Joy. Using strategic communication to improve well-being and organizational success. 12, (5), Bingley, UK: Emerald Publishing. https://books. emeraldinsight.com/page/detail/Joy/ ?k=9781800432413