“A partir do momento em que me adaptei ao ritmo de uma multinacional, tornou-se um processo muito fluído e muito positivo. Tive receio de sentir muito a falta do jornalismo e houve momentos marcantes do ponto de vista histórico em que pensei que gostaria de estar a reportar um ou outro tema.”
1. Foi jornalista durante uma década. Porque decidiu mudar de área?
Desde criança sempre soube que me queria formar em Comunicação e queria exercer jornalismo, mas também percebi rapidamente – já durante o processo de formação superior -, que dificilmente seria jornalista toda a vida. Sendo uma área extraordinariamente completa, existe uma grande limitação em termos de dimensão de mercado, o ritmo de progressão é muito lento e – não querendo generalizar, mas falando das minhas experiências -, não existem planos de carreira ou programas de avaliação transparentes. Para se ser jornalista, nos dias de hoje, é preciso ter um sentido de missão, uma abnegação e um espírito de sacrifício possíveis apenas se alinhados com uma paixão imensa pela profissão, e eu estive sempre convicta de que, eventualmente, perderia isso. Por outro lado, logo na minha primeira experiência profissional, no Diário Económico, ao ter contacto com a área empresarial, percebi que era possível continuar a trabalhar na área pela qual sou apaixonada (Comunicação), ainda que representando organizações, em vez de representar as pessoas ou o público. Isto abre muito mais o leque de possibilidades, de experiências e de aprendizagens. No fundo, não é muito diferente: conto histórias, tal como fazia antes. Aplico diariamente tudo o que aprendi como jornalista e nunca me esqueço dos princípios orientadores da profissão. Para mim, a comunicação corporativa não é o arqui-inimigo do jornalismo, não existe um “dark side”. Devem ambos trabalhar com a verdade e com a informação.
2. Como foi o processo de transição para a área de comunicação e relações públicas?
Foi intenso porque são realidades diferentes, apesar de tudo. Entrei para uma organização madura, uma das maiores empresas do mundo, numa área complexa, para um sector no qual não era especialista. Receei muito não me adaptar e confesso que no embate das primeiras semanas pensei muitas vezes que tinha dado um passo maior do que a perna ou que me tinha lançado para fora de pé – que não ia ser capaz. Mas resisti e persisti e percebi que era o meu sabotador interno. A partir do momento em que me adaptei ao ritmo de uma multinacional, tornou-se um processo muito fluído e muito positivo. Tive receio de sentir muito a falta do jornalismo e houve momentos marcantes do ponto de vista histórico em que pensei que gostaria de estar a reportar um ou outro tema, mas o trabalho na Microsoft foi tão recompensador desde logo o que esse receio rapidamente foi apaziguado.
3. O que aprendeu no jornalismo que ainda coloca em prática até aos dias de hoje?
Tudo. É impensável para mim propor um tema a uma redação ou trabalhar determinada temática que não considerasse, enquanto jornalista, relevante o suficiente. Sou muito crítica dentro das organizações. Quem não tem um background jornalístico incorre, naturalmente, no erro de pensar que tudo o que criamos é relevante, ou tudo é notícia. Mas não é. A formação na área permite-me ser mais criteriosa e olhar pela lente de quem está nas redações, de quem está fora das organizações. Procuro sempre a notícia e tento que só se divulguem conteúdos que tenham um marcado interesse jornalístico ou do público. Nunca me demito da função de informar ou educar.
4. Trabalhou na Revolut e na Microsoft, duas empresas tecnológicas. Esta é uma área que lhe desperta interesse?
Nunca foi a área que mais me apaixonou, não era especialmente techie, nem estava particularmente conetada a áreas de inovação ou disrupção. Sou até, pessoalmente, algo saudosista e analógica, mas é uma área que claramente acabou por ditar o meu percurso e ainda bem. Não sinto que me feche ou circunscreva, pelo contrário. Todos os negócios, todas as organizações são – ou deveriam ser -, hoje em dia, tecnológicos. É o resultado do tempo que vivemos. O meu percurso reflete apenas isso. Poderia trabalhar na área do Retalho, da Saúde, da Energia ou Telecomunicações e, invariavelmente, tocaria temas de tecnologia. Trabalhar na área da tecnologia oferece-nos ferramentas inestimáveis para o futuro.
5. Voltou à Microsoft passado 3 anos. Neste regresso, o que é que tinha mudado na Rebeca?
Mudou muita coisa. A primeira passagem pela Microsoft foi muito importante porque foi um primeiro contacto com o mundo corporativo, um período de uma grande aprendizagem, evolução e adaptação rápida. Foi um período muito criativo da minha vida, mas também por vezes pouco estratégico ou pouco estruturado – pura e simplesmente porque havia muito para fazer, em pouco tempo, com poucos recursos. Os dois anos na Revolut e outras experiências que vivi neste período, assim como este tempo estranho de pandemia global, permitiram-nos a todos algum tempo para prioritizar o que é realmente importante, sermos mais intencionais nos projetos e iniciativas que abraçamos, e permitiram-me ganhar outra maturidade e adquirir novas ferramentas. Sou hoje uma profissional muito diferente da que saiu em julho de 2019, mas ainda mais distinta daquela que tinha entrado em Novembro de 2016.
6. Ser Head of Communications and PR de uma empresa tão relevante no mercado deve exigir uma grande responsabilidade. Como é um dia-a-dia normal no seu cargo?
É muito exigente, desafiante mas é muito entusiasmante também. Nunca há um dia igual ao anterior e nunca é aborrecido. Gosto muito do desafio que tenho em mãos. Hoje em dia, trabalhando maioritariamente a partir de casa, é um cenário um pouco diferente do que era em períodos pré-pandemia, mas implica muitas reuniões remotas diárias com diferentes equipas, com diferentes stakeholders dentro da organização. Implica muito planeamento sobre atividades internas e externas – garantir que estamos a chegar às pessoas, que os nossos colaboradores se sentem ouvidos e representados, que a Cultura da organização não se ressente da distância. Implica ler muitas notícias, saber um pouco de tudo o que se passa no mundo e estar em permanente contacto com pontos nevrálgicos da organização.
7. Enquanto mulher num cargo de liderança, alguma vez sentiu algum tipo de discriminação?
Pessoalmente, acho que nunca foi óbvio para mim que tenha sido prejudicada por ser mulher, mas admito que já possa ter acontecido e eu desvalorizei ou não deixei que me marcasse. Já testemunhei muito mansplaining na minha vida profissional e percebo que haja um desconforto generalizado com este tipo de temas: as mulheres não querem ser encaradas como ativistas e os homens muitas vezes não querem reconhecer que são beneficiados. Mas, infelizmente, ainda é necessário abordar o tema e ainda é necessário garantir que trabalhamos para que a diferença de género no mundo profissional não seja um tema. Enquanto as mulheres receberem menos que os homens pelas mesmas funções, enquanto forem sobrecarregadas pelo trabalho de casa e familiar, enquanto não existir representatividade, é preciso continuar a colocar o tema na agenda mediática.
8. Que balanço faz do mercado português em termos de igualdade de género em cargos de liderança?
Ainda há claramente muito espaço para melhoria. Podemos usar o PSI-20 como exemplo. Em 2020, nas 18 empresas cotadas em Portugal, só existiam 8 mulheres como administradores executivos – o que representa 10,5%, num universo de 76 administradores executivos. Não é representativo. No terceiro trimestre de 2020, Portugal tinha 36% de mulheres em cargos de gestão, ligeiramente acima dos 34% da média da União Europeia (UE). Seja qual for a fonte dos estudos ou dos indicadores, todos mostram que estamos longe de atingir a paridade. Pior, o Fórum Económico Mundial reconhece que a pandemia agravou as desigualdades entre homens e mulheres e podemos demorar mais de um século a atingir um equilíbrio nesta área.
9. O que pode ser feito para alcançar o equilíbrio e a igualdade?
É preciso educar a sociedade, de uma forma geral, para a igualdade de género, para que as novas gerações não adensem este problema. É preciso capacitar as mulheres, por um lado, arranjar-lhes modelos, dar-lhes representatividade, mas também formá-las para a liderança – queiramos ou não, o legado histórico de anos e anos de desigualdade fica gravado e é preciso quebrar esse padrão. Embora não seja a minha preferência, medidas de discriminação positiva podem ser necessárias se continuarmos sem conseguir resolver este problema de forma orgânica.
10. Já participou em várias conversas, podcasts e entrevistas sobre diversidade e inclusão. Estes são valores praticados na Microsoft, desde o processo de recrutamento à gestão interna?
Absolutamente, é um dos pilares da organização. Temos várias Guilds Internas (grupos organizados informais de colaboradores) que levam esta agenda dentro da empresa – Wo- men, GLEAM, Disability, entre outros) e o tema é encarado como prioritário também por parte da equipa executiva. Há também um compromisso assumido com a contratação de pessoas com deficiência e, globalmente, a publicação de um Diversity & Inclusion Report, no qual não só refletimos sobre o nosso progresso, como demonstramos o nosso compromisso focados na melhoria destes indicadores ano após ano.
11. A Microsoft é uma empresa que marca pela constante busca pela inovação. Quais são as suas principais prioridades atualmente?
Continuar a capacitar pessoas e organizações, em todo o mundo, para atingir mais através da tecnologia. Assumimos compromissos claros para a transformação digital de pessoas e organizações, mas também da Educação e do Estado. Queremos fazê-lo de forma sustentável e intencional, diversa e inclusiva. Queremos ajudar as empresas portuguesas a preparar-se para este futuro iminentemente tecnológico e disruptivo e garantir que crescem, que exportam, que se internacionalizam e que a economia portuguesa permanece relevante e marcadamente inovadora.
12. É ainda voluntária no Amigos Improváveis. Como gere o seu tempo para conseguir equilibrar a vida pessoal com a profissional?
Fui voluntária dos Amigos Improváveis durante cerca de um ano e foi uma aprendizagem e um desafio tremendo. Estava mais habituada a fazer ações de voluntariado com crianças e jovens com deficiência, uma vez que a minha mãe é professora de Ensino Especial e sempre tive proximidade com esta população, mas propus-me a tentar algo diferente. Foi um difícil exercício de auto-disciplina para garantir que priorizava e que não falhava e, sendo totalmente honesta, não foi sempre possível. A pandemia também alterou o modelo durante algum tempo e dificultou o trabalho porque há muito receio de ser foco de perigo para estas pessoas. Com qualquer programa de voluntariado ou qualquer outra atividade pós-laboral, é um equilíbrio difícil mas é preciso ser consequente. Ou nos propomos a isso e temos de ir, ou assumimos que não vamos conseguir cumprir e recuamos. Durante a pandemia fui voluntária na iniciativa tech4covid e foi muito duro, eram mais algumas horas de trabalho diário além do horário laboral normal, mas senti que estava a fazer algo em prol da comunidade, a ajudar – da pequena forma como me era possível – os profissionais que estavam na linha da frente de luta à pandemia e isso também foi muito compensador.