Motivada, desde cedo, pela coragem e empreendedorismo dos pais, Joana abandonou os Açores para construir grande parte da sua carreira de 23 anos na área da hotelaria. Nos vários cargos que ocupou, da área financeira à comercial, entre Espanha e Portugal, teve oportunidade de absorver a experiência que, agora, aplica no seu Hotel Senhora da Rosa, Tradition e Nature Hotel, em Ponta Delgada.
Aos 14 anos, Joana viu nascer o seu primeiro hotel. A estalagem Senhora da Rosa – mais do que qualquer outro empreendimento em que se envolveu – ocupa um espaço especial na sua história, não fosse este o hotel dos seus pais, do qual hoje é proprietária. Mais do que essa memória afetiva, a coragem dos pais para construir um hotel boutique numa região que não conhecia o turismo, em 1994, foi o impulso que lhe bastou para sair dos Açores, estudar e construir carreira na hotelaria.
Terminado o ensino secundário, a decisão instintiva de estudar direção e gestão hoteleira foi a oportunidade de abandonar os Açores em direção ao Estoril. Na bagagem, para além do gosto pela hospitalidade, já levava a experiência da abertura, arranque e alguns anos de estabilidade do hotel dos pais.
Passou pelo Hotel Regency Chiado que lhe ofereceu o seu primeiro emprego, como income audit, na área financeira.
Depois passou pela área de alojamento, pela receção e posteriormente guest relations, mas a área comercial do grupo Starwood “foi uma grande porta” para a progresso da sua carreira, refere.
Apesar de uma entrada “tímida”, como a própria diz, teve oportunidade de abrir e reabrir alguns hotéis tanto independentes, como de cadeias nacionais e internacionais, e até de experimentar algo fora da hotelaria, com uma empresa de organização de eventos do Grupo ES, e, mais tarde, estabelecer-se como diretora de vendas e marketing do Ritz Carlton Penha Longa, em Sintra, antes de rumar de volta aos Açores em 2015.
As “boas práticas”, que filtrou dos vários cargos que ocupou em cadeias nacionais e internacionais, construíram a “enorme bagagem” que hoje sente ser a sua característica diferenciadora, reflete.
Mais do que um punhado de experiências dispersas, o seu percurso fez-se de várias partes complementares que esculpiram o desejo de revitalizar o antigo património dos pais, fechado desde 2011.
Portanto, em 2015, quando decide regressar a Ponta Delgada, o desejo era requalificar não só o edifício da antiga estalagem, mas também todos os espaços naturais e edificados envolventes.
Sendo a natureza um aspeto indissociável do arquipélago dos Açores, e da ilha de São Miguel especificamente, por se tratar da “Ilha Verde”, incluir este elemento no projeto obrigava a revitalizar igualmente a quinta, onde a antiga estalagem se ergue.
A revitalização do espaço, com mais de dois séculos de história, que já viu como atividade primária a produção de laranja e mais tarde passou a focar-se no cultivo do ananás, frutos que atualmente ainda são produzidos, dirigiu o projeto para a revitalização das estufas, dos cafuões, dos caramanchões e mirantes.
Mas esta transição não foi fácil, nem pouco desafiante. Desde o primeiro passo, e ainda que com o apoio do pai, a reaquisição do espaço demorou quase dois anos. De 2017 a 2019, Joana desdobrou-se numa autêntica batalha burocrática para aprovar planos de financiamento e recuperação, mas, em 2020, a pandemia da COVID-19 deflagrou uma série de restrições e, deste modo, também a revitalização acabou por se atrasar.
Não bastasse o plano de 15 meses de renovação ter resultado em quase dois longos anos, o novo empreendimento abriu em abril de 2021, no pico da pandemia – “o primeiro ano foi desafiante, em plena pandemia houve a necessidade (quase diária) de nos adaptarmos”, refere. Ainda assim, a líder conta ter terminado o primeiro ano com “saldo bastante positivo” ainda que incompleto.
Aquilo que para Joana parecia ser, no início, um projeto “um pouco utópico”, hoje ocupa um espaço de relevância na cena do turismo, especialmente naquela zona de Ponta Delgada (Fajã de Baixo), fortemente direcionada para o cultivo e plantações.
A tradição e a natureza, conceitos que Joana relata não ter levado muito tempo a decidir, são salientados a todo o tempo e por todos os espaços.
A decoração, a cargo da mãe de Joana, enaltece cores, matérias e plantas tradicionais da ilha. Nos mais de 30 quartos, o ambiente mistura paisagens naturais típicas com artefactos e objetos antigos, como são os lençóis de linho e as fronhas bordadas. Pelos corredores e espaços comunais, a história mostra-se através da exposição de portas antigas, um serviço de chá e uma coleção de latas antigas.
Serviços premium, como são as quatro salas de tratamento, o estúdio de ioga e pilates contrastam com os cafuões – estruturas típicas em madeira usados para guardar cereais – que foram reconvertidos em suítes.
“Toda a parte de wellness está muito alinhada com o nosso conceito, onde utilizamos produtos naturais e orgânicos feitos por uma saboaria local”
A preocupação com o meio ambiente faz parte do ADN e, por isso, grande parte dos produtos utilizados pelo Senhora da Rosa resultam de parcerias locais e da própria produção da quinta. Parte do consumo feito no hotel tem origem nas duas áreas de cultivo e pomar que a quinta alberga, que são também usados nas amenities – os champôs, cremes de corpo e sabonetes.
Dos dois restaurantes, o Magma, aquele mais alinhado com os sabores tradicionais e açorianos, usa 99% de produtos açorianos, produzidos sazonalmente e de forma sustentável; já o Mirante, ainda que direcionado para a culinária asiática, usa o melhor do peixe dos Açores, confirma Joana.
Ainda que a envolvência de uma quinta com mais de 3 hectares pareça ser o suficiente para assegurar a aura de conforto e sustentabilidade que o Senhora da Rosa anuncia, Joana não pode descurar a equipa que mantêm o espaço a funcionar – “por mais que se tenha um hotel bonito e atrativo, uma equipa motivada e feliz é a chave para o sucesso”, reflete.
“É um serviço, uma indústria que é de pessoas para pessoas, logo estamos muito dependentes da nossa equipa, do serviço que prestamos, da experiência”
A intensidade típica da indústria hoteleira, mais veemente naquele território insular a partir de 2015, com a inauguração de novas propostas de alojamento, conduzem o trabalho desta líder também para a preocupação com o aspeto humano que a indústria imprime na zona.
Sem prejuízo “da grande, grande dose de entrega, dedicação, espírito de equipa, algum sacrifício e paixão” que o trabalho na área exige, Joana sabe que o planeamento antecipado e realista da força de trabalho é imprescindível para colmatar alguns problemas habituais no setor.
A grande rotação de colaboradores, sobretudo nas épocas altas, motiva a líder à criação das condições para a retenção do talento, de forma a colmatar um “certo desinteresse pelo setor” que preocupa o empresariado.
O objetivo, já para este ano, é corrigir erros atuais e preparar os anos seguintes, envolvendo a nova geração de modo a entender as suas necessidades, visões e preocupações.
A qualidade de vida, que se tem em São Miguel, ainda que sobressaltada pelas épocas intensas de trabalho, é um ponto bastante destacado pela líder.
Na sua opinião pessoal, poder estar perto da família é, obviamente, a mais-valia de ter trocado Portugal Continental pela ilha açoreana.
Mais até do que ter o privilégio de trabalhar na área que adora, sem ter sofrido algum tipo de preconceito por ser mulher, poder dizer que “fez parte de uma época muito positiva para o turismo nos Açores” traz um certo encanto à história desta líder, tornando-a um dos casos singulares de proprietária e diretora geral de um hotel, em Portugal.