O INSUSTENTÁVEL ENGANO DA SUSTENTABILIDADE

Sílvia Carreira, Vice-presidente da Direção Nacional da Quercus

Perante as evidências da crise climática, entre recordes de temperatura máxima, tempestades com chuvas e ventos fortes e fogos florestais, as reflexões sobre o falhanço, há muito anunciado, do sistema para travar o que já se diagnosticara em 1987 com o Relatório Brundtland (que esteve na origem do conceito desenvolvimento sustentável), passados 36 anos, vemos que só se têm sustentado alguns.

Os fenómenos climáticos extremos são a nova normalidade. A 12 de julho, a Euronews noticiava que a Europa vivia um verão de extremos com ondas de calor e tempestades violentas: Norte de Itália com chuvas e ventos fortes que derrubaram árvores e danificaram propriedades; Leste de França fustigado com aguaceiros torrenciais seguidos de temperaturas elevadas; em Espanha, nos últimos dias as temperaturas ultrapassaram os 40 graus; nos Alpes, os cientistas suíços afirmam que os glaciares estão a derreter a um ritmo crescente. A 23 de agosto o Observador noticia “O sul da Europa está a registar esta semana uma vaga de calor particularmente tardia, com temperaturas acima dos 40 graus, níveis raramente observados em meados de agosto, segundo os especialistas, que estão a potenciar os incêndios na região”. Relata ainda ali o Observador que na Grécia, pelo quinto dia consecutivo, bombeiros combatem incêndios por todo o país; em Espanha, onde as temperaturas já atingiram 43 graus em Saragoça, na ilha de Tenerife continua um incêndio que já destruiu quase 15 mil hectares de floresta. Em França foi estabelecido um novo recorde de calor para o final do verão: 27,1 graus que se torna o dia mais quente registado após 15 de agosto; em Itália as temperaturas estão cinco a sete graus acima das médias sazonais e nos Alpes italianos a temperatura subiu para 15 graus, situação que está a colocar os glaciares em risco.

Para os mais atentos este verão é a demonstração prática do que pode efetivamente passar a ser a normalidade.

Emissions-by-sector

 

A 25 de julho os cientistas da World Weather Attribution (WWA) relacionam o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos com as alterações climáticas induzidas pelo homem, demonstrando o erro de algumas argumentações sobre o facto de fenómenos como os que assistimos já acontecerem no passado e portanto ser natural. Conforme o relatório disponível em https://www.worldweatherattribution.org/change/, hoje em dia os fenómenos climáticos extremos, como ondas de calor, são cada vez mais frequentes, prevendo-se uma frequência aproximada no futuro de uma vez de 15 em 15 anos na região EUA/México, uma vez de 10 em 10 anos no Sul da Europa e uma vez de 5 em 5 anos na China. Sem as alterações climáticas induzidas pelo homem, estes fenómenos de calor seriam, no entanto, extremamente raros: Na China teriam a frequência de 1 em 250 anos, sendo praticamente impossível registar um calor máximo como o de julho de 2023 na região dos EUA/México e no Sul da Europa.

O referido relatório considera o aquecimento global de origem humana devido à queima de combustíveis fósseis como o elemento acelerador da frequência destes fenómenos, deixando o alerta para a necessidade urgente de terminar a era do fóssil e de acelerar a implementação de planos de ação para o calor que tenham em conta a crescente vulnerabilidade resultante da intersecção das tendências das alterações climáticas, do envelhecimento da população e da urbanização.

O que estamos realmente a fazer para acabar com a queima de combustíveis fosseis (petróleo, carvão e gás natural), está a ser realmente efetivo e ao ritmo necessário?

Em dezembro de 2019 a Comissão Europeia anunciou a sua estratégia de crescimento assente no combate às alterações climáticas e na promoção de uma economia verde, o Green Deal, com a meta temporal de 2050. Desta forma a Comissão Europeia compromete-se a:

  • ser neutra em carbono em 2050;
  • proteger a vida humana, dos animais e das plantas, baixando a poluição;
  • ajudar as empresas a serem líderes mundiais em tecnologias e produtos limpos;
  • promover uma transição justa e inclusiva.

O que está realmente a acontecer?

A insustentabilicade

No ultimo relatório do IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change, órgão criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) com o objetivo de fornecer informações científicas sobre as alterações climáticas aos governos para que estes desenvolvam políticas climáticas, datado de 20 de março de 2023 (AR6), podemos ler ao longo das suas 8000 paginas o relato documentado ao pormenor das consequências devastadoras do aumento das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em todo o mundo, para o qual a queima de combustíveis fósseis contribui com 73,2%, segundo dados do relatório Emissions by sector, em https://ourworldindata.org/emissions-by- -sector#energy-electricity-heat-and-transport-73-2. O relato descrito pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, como “um atlas do sofrimento humano e uma acusação condenatória de uma liderança climática falhada”.

O AR6 além de alertar para o facto de que a janela de oportunidade para enfrentar a crise climática está a fechar-se, informa que as emissões de gases com efeito de estufa aumentaram de forma constante ao longo da última década, atingindo 59 gigatoneladas de dióxido de carbono em 2019 – cerca de 12% mais do que em 2010 e 54% mais do que em 1990. Afirma ainda que mesmo que os países cumprissem as suas promessas climáticas, a investigação do World Resources Institute (WRI) conclui que reduziriam as emissões de GEE em apenas 7% dos níveis de 2019 até 2030, em contras- te com os 43% necessários à limitação do aumento da temperatura a 1,5 o C.

Nesta luta para travar a crise climática sem alterar padrões de consumo onde se tenta fazer acreditar que vamos todos poder consumir para sempre o que entendermos, ou o que o marketing quiser, porque se introduziu a palavra “sustentável” na narrativa, encontramos na Euronews a informação de que a maior empresa petrolífera espanhola, Repsol, aumentou os seus resultados em 70% e a empresa Naturgy aumentou os seus lucros em 36% e a petrolífera detida a mais de 98% pelo estado saudita registou lucros de 161 mil milhões de dólares no ano de 2022 e em Portugal, no primeiro semestre de 2022, a Galp anunciava 155 milhões de euros de lucro.

A sustentabilidade, apesar de estar a demonstrar ser insustentável para o planeta, tem aberto uma oportunidade de grande sustentabilidade para alguns. É a constatação que se pode alcançar, atentando às perturbantes e inquietantes notícias de ondas de calor, aos penosos relatos e imagens de fogos e inundações e do crescimento dos lucros das empresas associadas a atividade responsável por mais emissões de GEE.