QUEM É QUEM: Rita Veloso, Vogal do conselho de administração do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim e Vila do Conde

Rita Veloso, Vogal Conselho Administração Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Young Executive Leader International Hospital Federation

A LIDERANÇA NO FEMININO, NÃO SE EXPLICA, SENTE-SE

Sou Empatia e Paixão: os dois ingredientes de uma líder no feminino. Soube-o mesmo antes de o saber.

Desde que tenho memórias, que o mundo das pessoas e das organizações trouxe consigo um especial fascínio. Pela complexidade, pelo lidar de emoções, pela surpresa, pelo dinamismo, pela criatividade, pela inconstância. Pela certeza de que, nessa realidade, não há dois dias iguais. Cresci, algures, entre a força da natureza de uma mãe empreendedora e o pragmatismo de um pai informático, quando ainda o mundo à minha volta estava longe de conhecer, e compreender, o seu alcance. Ambos líderes, no trabalho e na vida. De uma ética, sentido de missão e dedicação às suas causas inabaláveis, o que, confesso, facilitou ainda que nem sempre de forma consciente, o meu futuro. Entre essas lições que me eram proporcionadas nas longas refeições e nas viagens, uma frase sempre sobressaiu e me acompanhou: “Rita, sê simpática e correta com todas as pessoas com quem te cruzares na tua subida, pois são precisamente essas pessoas que encontrarás quando estiveres a descer”. Nada mais verdadeiro. Efetivamente muitas das nossas competências não surgem da escola que frequentamos mas de toda uma experiência que nos é proporcionada e absorvida e que nos aguarda cá fora. Pela família, pelos amigos, pelas opções das mais diversas atividades que escolhemos, ao longo deste percurso. Pelos locais para os quais escolhemos simplesmente olhar.
Frequentei sempre o mesmo colégio, fui mantendo o meu leque de amigos ao longo do tempo, muitos deles, meus professores e que me guiaram e deram força nas minhas opções. Entre delegada de turma ao longo de 12 anos seguidos, a organização de atividades culturais na escola, associação de estudantes, trabalho durante as férias de verão, tudo isto faz parte do meu ADN natural. Nunca soube estar quieta. Aliás, inquieta-me estar quieta e sei que nem sempre terá sido fácil ser mãe ou pai, professor, amigo ou namorado, mais tarde marido ou filho, de uma alma em constante procura de algo novo para fazer.
Inspirada por diversos autores, com a leitura e o ballet como grandes conselheiros e consumidores do meu tempo e da minha energia, a obra de Fernando Pessoa despertou sempre o meu lado mais criativo e rebelde relembrando constantemente que “De tudo ficam três coisas: A certeza de que estamos sempre a começar…A certeza de que é preciso continuar…A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. (…)”

A escolha de um curso foi um desses momentos conturbados. Devido à minha elevada média no ensino secundário, a pressão da família e dos professores para que ingressasse no curso de Medicina era constante. Se não fosse essa a minha vontade, então obviamente teria de ser Engenharia. E estive prestes a ceder, não fosse o coração apertadinho da minha mãe se ter imposto a que eu fosse livre na minha escolha. E assim optei por Psicologia, fiel aos meus sentimentos, fascínio pelas pessoas e pelas organizações, e que facilmente preencheu as minhas expetativas. Na faculdade, a mesma fórmula, dedicar-me aos estudos e objetivos, mas completando com todo um outro conjunto de experiências, organização de congressos, associação de estudantes, local, nacional, voluntariado.

Sem dúvida que, quando partimos verdadeiramente para o mercado de trabalho não estamos todos no mesmo ponto de partida.

Escolho a Ibersol para estagiar, a restauração, outra paixão de sempre. Foi, sem dúvida, das experiências que mais me marcaram. Logo no primeiro dia, fui rececionada no serviço de recursos humanos para ser informada de que as semanas seguintes seriam a aprender e a realizar tarefas de execução em cada um dos restaurantes do grupo: Burger King, Pizza Hut, KFC, Pasta e Caffe, entre outros. Confesso que na altura não vi a relevância desta forma de integração, mas, de facto, quando se assume um dia a liderança, faz a diferença. Nada como saber fazer quando se pede para fazer. A organização destes restaurantes é brilhante, impregnados pela filosofia Kaizen, qualquer pessoa consegue em 5 minutos confecionar uma pizza com a garantia do mesmo sabor, da mesma qualidade, da mesma experiência para o cliente, seja num shopping nos subúrbios ou numa loja na zona mais luxuosa de uma grande cidade, o que resolve os problemas de rotatividade de que este tipo de negócios são alvo. Transportar esta filosofia para a área hospitalar foi um dos grandes ganhos desta experiência. Nunca mais vi o mundo de forma igual. Seguiu-se uma aventura pela indústria na área da extração e transformação de rochas ornamentais onde fui responsável por toda a gestão de recursos humanos. Sempre me habituei a ser a mais nova nos vários grupos onde estou inserida, o que por vezes dificultou, pela minha aparência, as minhas funções.
Assim, quando dei por mim aos 22 anos, estava a viver sozinha em Boticas, a trabalhar num contentor com temperaturas negativas em pleno inverno rigoroso num ambiente de trabalho exigente e difícil e onde as práticas de higiene e segurança eram inexistentes. Ganhar a confiança dos profissionais, homens na sua totalidade, que ali trabalhavam, não foi tarefa fácil para uma jovem que lhes vinha mostrar uma nova forma de trabalhar, incompreensível para eles. Mais uma vez, foi estando no terreno, diariamente a partir das 07:30, acompanhando as suas tarefas (aprendendo mesmo a executar algumas), partilhando as refeições e as horas difíceis, que fez a diferença.

Paralelamente à vida profissional, tinha outros sonhos e um deles era, sem dúvida, o de ser mãe jovem, pela energia que podemos despender, pelo acompanhamento que podemos dar, pela carreira que podemos percorrer sem a ver comprometida por este papel que a maternidade exige. E assim, aos 25 anos e com distância de apenas 11 meses, nascia o Ricardo e a Francisca. E passaria, inevitavelmente, a trabalhar por turnos e a viver diversos papéis em simultâneo. Tantos turnos quantos os diferentes papéis que viria a escolher. E foram, e são, alguns. Após uma licença de maternidade mais prolongada devido à proximidade das duas gravidezes, era então tempo de retomar os desafios profissionais.
Após uma curta passagem como consultora de gestão de projetos de sistemas de informação hospitalar, assumi aos 27 anos, a Direção de um dos maiores serviços do Instituto Português de Oncologia do Porto. Uma equipa de quase 150 profissionais, numa cultura predominantemente de “funcionalismo público” e que contrastava com tudo o que tinha experienciado até então. Como implementar uma mudança cultural profunda em pessoas que se viam como tendo idade para ser a minha mãe ou o meu pai e que uma vez mais não compreendiam a necessidade de mudar? Coerência, justiça, integridade, ética, foram a chave para formar uma grande equipa e que esteve sempre ao meu lado. Equipa que me acompanha no coração até hoje. Houve claramente um antes e um depois e no meio estivemos todos nós. Passamos juntos por momentos de incerteza, com as mudanças tecnológicas e tendo ainda bem presente casos em que a tecnologia veio efetivamente substituir postos de trabalho humanos, as resistências naturais a estas mudanças sobressaíram da parte dos profissionais. E este sentimento era totalmente legítimo.
Ter a oportunidade de trabalhar com profissionais excecionais e em equipas multidisciplinares como a de integrar o Health Parliament Portugal, foi outro marco na minha experiência. Fazer propostas para melhorar sistema de saúde, trabalhando com os decisores políticos e experts nas mais diversas áreas da saúde foi mais uma bênção no meu percurso. Amigos, mentores, colegas, que ainda me acompanham nas minhas grandes decisões. Efetivamente participar e saber retirar o melhor da experiência de cada pessoa com quem nos cruzamos, é um dom. Recentemente, fui nomeada para o Conselho de Administração de um centro hospitalar no norte do país, como desígnio último de deixar a instituição melhor à minha saída do que a terei encontrado quando cheguei. Perpetuando o princípio de que, é precisamente como deixamos as pessoas depois de terem uma experiência connosco, aquela que é a nossa imagem de marca, estes lugares conferem muitas vezes uma corrida contra o tempo, em que tentamos absorver a cultura, as práticas, a essência dos colaboradores para que possamos rapidamente receber e dar, construindo um caminho conjunto, fazendo a equipa acreditar que é sempre possível fazer melhor. Simplesmente, porque é. Através de formação, através de reconhecimento, através de partilha do risco, através de valorização. Se não apostarmos nas nossas pessoas a tempo, o tempo encarregar-se-á de nos as retirar. Para mim o dia de trabalho sempre começou cedo, por vezes, sem distinguir o final e o início de cada jornada e se vamos pedir algum esforço aos nossos colaboradores, temos de ser os primeiros a chegar, e de preferência, com uma caixa de pequenos doces para partilhar. E assim foram muitas as noitadas, muitos os fins-de-semana e muitas as reuniões.
Sempre repletos de carinho, paciência, paixão. Porque é a paixão que nos mantém ligados aos projetos, às pessoas, mesmo quando as coisas nos correm mal, sejam projetos profissionais, sejam projetos pessoais ou mesmo de vida. Este sentido de responsabilidade e de respeito para com as nossas pessoas, com os nossos doentes e, quando ocupamos cargos públicos, com os contribuintes, torna a nossa missão mais nobre, mas mais exigente se queremos que os outros reconheçam e sintam a mudança como algo positivo e de valor. Se queremos seguir e ser seguidos. Se queremos dar, sem cobrar. Uma coisa é certa, sabemos que estamos a fazer um bom trabalho não pela quantidade de coisas que pedimos aos outros para fazerem, mas pela quantidade de coisas que são feitas sem o termos de pedi.

Atualmente integro os Young Executive Leaders da International Hospital Federation. Um reconhecimento que resulta de toda a experiência que tentei partilhar. Somos 17 jovens de vários países, que pertencem, segundo dizem, à geração dos Millenials, mas por muitos rótulos que nos coloquem, procuramos acima de tudo coisas simples: sentido de missão, respeito por nós e pelos outros e procuramos um sentido de ética inquestionável. Procuramos ainda um constante propósito para as coisas e para o que fazemos. Mas não será isso o que procura a maioria de nós?
Efetivamente a tecnologia e forma de trabalhar mudou, e muito, mas os valores, esses, continuam os mesmos.
Quem me conhece sabe. Os afetos, os carinhos, os abraços, a partilha, contam e muito. Percorrer os corredores, reconhecer um sorriso ou lágrima, ter a porta aberta para escutar as nossas pessoas, mas garantindo soluções conjuntas para desenvolver a autonomia e a resiliência necessárias para ultrapassar as adversidades, tem de inevitavelmente fazer parte da nossa rotina inconsciente, como o simples respirar. Não pode ser forçado, não pode ser programado, tem de ser sentido. Como Scott Fitzgerald referiu: “Ser atencioso é mais importante do que se estar certo. Muitas vezes o que as nossas pessoas precisam não é de uma mente brilhante que fala, mas de um coração especial que as ouve”. Assim é também liderar, algo que não se explica, sente-se. E uma coisa é certa, não se é líder por decreto, mas sim pelo exemplo e pelo carácter. E isso não se copia.