Mobbing ou assédio no trabalho, bullying e outras formas de terrorismo

Mobbing ou assédio no trabalho, bullying e outras formas de terrorismo…  histórias para pensar e reflectir. Gostávamos de conhecer a sua história!

“nas sociedades do nosso mundo ocidental altamente industrializado, o posto de trabalho constitui o último campo de batalha em que uma pessoa pode matar a outro sem o menor risco de chegar à barra de um tribunal” – Heinz Leymann

Na minha experiência profissional, neste como noutros aspectos, a realidade suplanta a ficção. Conheço mais casos de mobbing e de assédio do que gostaria. As histórias multiplicam-se, umas com final feliz, mas outras nem por isso. Nada como algumas boas histórias para explicar este tipo de comportamentos que, infelizmente, se verificam em tantas empresas do nosso país.

 Vera G

Vera é uma jovem que trabalha para uma empresa e considera esse trabalho o desafio da sua vida. A empresa tenta implantar-se num mercado altamente lucrativo, mas que está reservado a alguns, que não querem concorrentes. Pouco tempo antes um grande gigante económico havia tentado comprar a mencionada empresa (para quem a nossa Vera trabalhava), mas o dono da empresa e CEO resistiu estoicamente, apesar do preço ser verdadeiramente tentador. A partir daí a guerra económica contra a pequena empresa é implacável. A Vera empenha-se ao máximo no combate que a cliente enfrenta.  Poucos dias depois de ser mãe volta a trabalhar, ainda que de casa. Esta jovem tem uma família e um filho pequeno a quem devota o seu amor, mas fora disso, toda a sua energia é canalizada para o trabalho, que realiza 5 dias por semana por muitas horas e em muitas tardes de sábado e domingo. O trabalho não acaba, as frentes multiplicam-se, mas isso não a preocupa, nem a assusta.  A nossa Vera ainda sugere ao cliente mais uma série de iniciativas que lhe parecem pertinentes para os desafios que a empresa enfrenta. Esta profissional ganha uma série de batalhas improváveis e o seu trabalho é reconhecido. Passa a ganhar muito mais e a ter um apoio administrativo só para a sua equipa. A jovem Vera aumenta a sua confiança em si própria, adquire capacidade de organização, planificação, tenta aprender o mais possível sobre o sector em que se move e começa a aprender a delegar. A capacidade de trabalho, a energia e o entusiasmo da Vera são notáveis e os seus resultados falam por si. O que a move não é uma ambição desmedida, mas a vontade de fazer bem e de servir o melhor possível a cliente nas complexas e múltiplas batalhas que enfrenta. De qualquer maneira, em momento que não sabe precisar, e sem qualquer fundamento objectivo, o CEO da empresa começa a dificultar a vida à Vera.  Esta, sem ter feito nada para isso e sem perceber como tal aconteceu, caiu em desgraça!  Isto acontece numa altura em que a nossa personagem está a trabalhar o melhor possível e ainda com mais empenho. O mal-estar do CEO para com a Vera começa por se manifestar em comportamentos subtis: cartas muito simples, que têm dezenas de versões, mas nenhuma agrada ao cliente, que nunca diz abertamente o que quer.  Faz-se na empresa “um bicho de sete cabeças” por situações inócuas como a de um e-mail da Vera ter seguido por lapso sem anexo. Verdadeiros bombardeamentos de telefonemas com curtíssimos intervalos de tempo para saber se um trabalho complexo e moroso já está pronto, sem que exista nenhuma urgência objectiva. Dezenas de e-mails para saber o estado exacto de processos, que não têm grande evolução, mas cuja resposta implica um enorme trabalho administrativo e uma grande perda de tempo para a Vera. Exigiam-se urgências e informações perfeitamente inúteis que não tinham outro objectivo do que atrapalhar Vera e o seu trabalho. Sistematicamente, a Vera não recebe resposta sobre elementos indispensáveis para o seu trabalho prosseguir atempadamente. Depois de um trabalho terminado às 2 da manhã, Vera começa a ser bombardeada com telefonemas na manhã seguinte para se apressar na resolução de mais um tema complexo. A Vera começa a ver o seu trabalho comentado e apreciado intempestivamente por pessoal, muito pouco qualificado, que é mandatado para criar complicações. As mais simples decisões da Vera são questionadas com arrogância e sem qualquer tipo de pertinência. São marcadas reuniões de urgência e inesperadas com o único objetivo de discutir publicamente o trabalho da Vera e descredibilizá-la. Em reuniões com professores universitários para discutir assuntos muito importantes da empresa a Vera é “forçada” a fazer-se acompanhar por comerciais que fazem questão de dar palpites sobre questões económicas que desconhecem por absoluto. Chega-se ao ponto de o cliente reter um colega da Vera nas suas instalações até ela ter enviado um trabalho, que não era urgente.  Há tentativas de imputar à Vera falhas de outros. Não se dá um minuto de descanso ou sossego à Vera. Chega-se ao ponto de a Vera ser forçada a acelerar um processo para uma obter uma autorização, que depois foi necessário atrasar e prolongar porque a empresa não estava em condições de prosseguir com aquela actividade. Algumas vezes, a Vera de coração aberto, mas sem arrogância, tem coragem de confrontar o mencionado CEO, que se desculpa, assegura que confia nela, abranda temporariamente, mas rapidamente volta aos comportamentos anteriores. Muitas vezes quando se encontra pessoalmente com a Vera o mencionado CEO desfaz-se em charme e simpatia, mas depois manda os seus lacaios continuar os ataques. Neste período houve também um especial cuidado em pedir ainda mais informações e de incomodar com sistematicidade os períodos de férias da Vera.  Alguns dos colegas da Vera passaram a não querer sentar-se ao seu lado nas reuniões de empresa, não fosse o mal pegar-se.  Importa abrir um parêntesis para comentar o absurdo que é a quantidade de dinheiro, de tempo, de recursos e energia que uma empresa utiliza nestas actividades.

Ao fim de alguns meses, a Vera que, até então era a rainha do trabalho, entusiasmo e resiliência, começa a ceder e dar sinais de dificuldades: tem dificuldade em dormir, não consegue deixar de pensar em trabalho, tem alturas que sente dificuldade em respirar, tem dúvidas insanáveis sobre como deve reagir e “mata-se” a matutar sobre a origem do comportamento do CEO. Por razões que não conhecemos por completo, a Vera mantém inabaláveis as convicções nas suas capacidades profissionais (provavelmente por ter uma grande preparação técnica que começou cedo, por ter sempre tido bons resultados e a família sempre ter depositado muita confiança nela), mas começa fundamentalmente a questionar a sua capacidade de interação com os outros e as suas qualidades humanas. Um dia a jovem é retida por causa de um acidente e atrasa-se para um evento importante. O CEO da mencionada empresa finalmente tem uma falha palpável da Vera e aproveita para a arrasar publicamente. Como resposta, a jovem no limite das suas forças rompe num pranto.  A reação do CEO ao seu sofrimento foi um olhar de desprezo e nojo e não logrou demonstrar um pingo de empatia ou solidariedade. Por sorte, a Vera havia sido criada numa família com valores e princípios e de pessoas nem sempre fáceis, mas corajosas e muitos rectas.  Assim sendo, naquele momento dramático, soube de forma clara que aquele comportamento estava errado, não era tolerável e decidiu que não seria uma presa fácil para este tipo de predadores. A Vera entre si e o trabalho, optou por si. Foi uma decisão difícil e nos primeiros tempos chorou muitas vezes sozinha e perguntou-se para onde teria ido tanta dedicação.  No seu trabalho as pessoas não foram particularmente solidárias, mas a Vera concentrou-se no filho e na família e fez uma escolha clara de não cair numa depressão e de avançar com garra com a sua vida profissional. Quase que se forçou a acreditar que a vida tinha reservado coisas melhores para ela. Depois de tanto empenho e com tão boa vontade, o final não podia ser triste. No ano que se seguiu a Vera foi escolhida para um projecto internacional importante, subsidiado por um governo Estrangeiro e até passou a ganhar mais dinheiro e lutou para ter mais independência e autonomia. Nos anos que se seguiram a Vera tentou conhecer-se melhor, fazer cursos no estrangeiro, que não tinha tido tempo de fazer anteriormente e aventurou-se a ter um segundo filho. Passou a cuidar-se melhor, a ter mais tempo para os filhos e a devotar o seu tempo a uma vida mais consciente e espiritual.  Passou a definir o que para si fazia mais sentido e a prosseguir com a sua vida nesse sentido. Optou por um caminho com muito mais vulnerabilidade, com altos e baixos, mas que lhe faz todo o sentido porque é verdadeiro e genuíno. Percebeu finalmente que toda a sua dedicação havia ficado com ela, na alegria e entusiasmo que teve no trabalho, em toda a experiência, capacidade de trabalho e resiliência que adquiriu e consolidou. Sendo que a isto acresceu uma quilometragem muito invulgar em julgamentos, pleitos judiciais, negociações internacionais e projectos inovadores. Mais tarde, a Vera percebeu também que afinal também tinha herdado amigos da tal empresa, que ainda recorrem a si para questões jurídicas complexas e não hesitam em recomendá-la a toda a gente.   Com o passar do tempo, a Vera passou a ter consciência que a sua enorme sensibilidade também é um mecanismo poderoso que lhe permite dar voz com mais vigor e acuidade a situações de injustiça. Passou a perceber que a sua resiliência, a capacidade de desbravar caminhos desconhecidos e de pensar fora da caixa são um grande valor, mas também podem ser considerados uma ameaça. A Vera ainda pensa às vezes que é uma carta fora do baralho, que tem uma forma de pensar e de ser peculiar, que não se adapta a qualquer grupo ou organização. Passou a ter ainda menos tolerância para manipulações, jogos ou qualquer comportamento pouco genuíno. Ficou a saber que os caminhos de mais coragem e de mais ética são os melhores, mesmo quando tudo parece desmoronar.  Entretanto, os anos passaram e ficou claro para todos que o mencionado CEO era uma pessoa altamente insegura e desequilibrada, que não suportava pessoas que pensassem pela sua própria cabeça e que não fossem absolutamente servis. Nem o dinheiro, nem o poder podiam preencher a falta de confiança deste homem em si mesmo. Sendo que o seu desenvolvimento intelectual não teve a habilidade de preencher um vazio de valores e princípios e certamente de amor na infância. Este CEO acabou por ser afastado da empresa, da qual também era acionista e teve um triste fim.

 Francisco M

O Francisco é vendedor há 25 anos numa empresa, onde sempre trabalhou. Nos últimos anos vive-se algum mal-estar na empresa, mas no último ano a situação piora drasticamente: deixa de lhe ser atribuída qualquer tarefa, é insultado da pior forma diariamente com palavras e expressões que envergonhariam qualquer camionista. Ameaçam que o colocariam o dia todo na casa de banho e nos últimos meses nem sequer lhe pagam o ordenado. A auto- estima do Francisco cai em “looping” e entra em depressão. Não consegue sequer pagar as despesas básicas, mas sozinho não vê saída, nem alternativa para a sua situação.  Depois de muitas noites sem dormir e de um desespero absoluto, o Francisco contacta uma firma de advogados. Nessa altura o seu estado é tão deplorável que tem dificuldade em tarefas tão simples como mandar uma carta registada e/ou fazer um scanner. Esta simultaneamente muito desconfiado e amedrontado, o que complica os primeiros contactos e negociações com os advogados. A firma de advogados consegue em relativamente pouco tempo fazer um acordo satisfatório com a entidade laboral, que entra em insolvência pouco tempo depois. O Francisco consegue iniciar uma actividade laboral que lhe dá muita satisfação e organizar um pequeno negócio para a mulher, que também não estava satisfeita com o seu emprego. O Francisco readquiriu um gosto pela vida e pelo trabalho que há muito havia perdido e que julgava impossíveis de alcançar.

Hoje em dia é uma pessoa de sorriso fácil, cheio de ideias novas e com muito empenho no trabalho que realiza.

 

José G

O José G.  é um jovem executivo. Como muitos, adquire cedo uma formação sólida em gestão. Trabalha numa conhecida empresa, onde rapidamente chega a diretor, trabalho que cumula com aulas na faculdade. Ainda antes dos 40 anos é convidado para liderar um projecto importantíssimo de envergadura internacional, um dos mais importantes para o seu país. De qualquer maneira, o José, apesar de muito eficaz e competente, é muito honesto, directo e corajoso. Rapidamente começa a ter algumas dificuldades, por não facilitar certos “favores” e por comunicar as suas posições de forma directa e aberta.  Num determinado momento da sua carreira, o José opõe-se a um negócio que iria lesar gravemente a empresa e onde estavam envolvidos vários grupos económicos de peso no país. A partir desse momento, o José passa a ser tratado como pessoa non grata pela sua empregadora: o seu trabalho é desvalorizado; mudam-no de gabinete e fazem uma primeira tentativa de despedimento, que não avança e o seu horário e actividades passam a ser vigiados. Num determinado momento o José, cansado de tanta hipocrisia, envia um e-mail mais irónico e o mesmo é utilizado para o despedir. O José é tratado como um verdadeiro criminoso, é-lhe retirado de imediato o seu computador e acesso à empresa. O José passa períodos de grande dificuldade, mas acaba por ganhar o processo na última instância e receber uma quantia substancial, que lhe permite refazer a vida. O José é um homem de bem com a vida, que retomou a actividade profissional e dedica-se com especial empenho à sua família.  O José tem hoje a certeza que a escolha do caminho mais ético foi a melhor solução que tomou. Os seus predadores já foram condenados criminalmente por actividades ilegais na mencionada empresa.

Como disse no princípio, a realidade suplanta a ficção e muitas histórias haveria para contar, algumas das quais com finais menos felizes do que estas. Para finalizar, gostaria de dar algumas “pistas” de medidas que podem ser adoptadas por quem está a sofrer uma situação como esta:

  • Saber mais sobre o Mobbing e sobre as melhores formas de reagir ao mesmo;
  • Conhecer-se melhor e perceber que características suas podem facilitar e potenciar este tipo de situação, designadamente perfeccionismo, desejo de agradar, dificuldade de impor limites;
  • Fazer um registo sistemático, objectivo e completo de todas “as agressões”, mesmo as aparentemente mais inofensivas. Perante a discussão num tribunal, autoridade para as condições de trabalho ou até a própria empresa, a prova é por regra dificílima para o trabalhador, o qual corre o risco de ter um processo de difamação;
  • Outra conselho fundamental seria ter o apoio de um bom psicólogo e de um advogado que possam aconselhar a vítima;
  • Evitar qualquer tipo de reação a quente, verbal ou por escrito. Filtrar as palavras e o conteúdo das comunicações formais (este conselho teria evitado processos disciplinares complexos a alguns dos meus clientes);
  • Parece-me fundamental para a “vítima” definir o que realmente quer para a sua vida (permanecer ou sair da empresa). Verificar se a permanência é possível e fazer um plano para conseguir o seu objectivo, de preferência com apoio de profissionais qualificados;
  • Com alguma cautela, se o departamento de Recurso humanos for verdadeiramente independente, expor a sua situação a este organismo;
  • A vítima deve arranjar para si própria “escapes” como o desporto, hobbies, voluntariado, cursos, ou seja, actividades que lhe façam bem.

Num plano de sociedade, entendo que este problema deve começar por ser resolvido na educação. Nas escolas deveria fazer parte dos currículos a promoção de comunicação aberta e consciente, a aprendizagem de mecanismos pacíficos de resolução de problemas e uma cultura verdadeira de inclusão para os que são diferentes, difíceis, tem dificuldades e/ou são novos.  Num plano de empresas exige-se também maior transparência quanto ao rumo, objectivos da mesma, assim como a promoção consciente de mecanismos pacíficos de resolução de conflitos.

Em termos legislativos existe uma referência genérica ao mobbing no artigo 29. º, n. 2 do Código de Trabalho, que define e condena o conceito de assédio como:

” (…) todo o comportamento indesejado (…) praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Estas inscrições abrem espaço à intervenção na sequência de mobbing, enquadrando-o como assédio moral.

São também importantes as normas sobre direito à integridade física e moral do trabalhador consagradas no Código do Trabalho, constantes no artigo 15. º, como também as normas constitucionais sobre a dignidade da pessoa humana, como o artigo 25. º. Importa fazer particular menção ao artigo 154. º A do Código Penal, que surgiu em 2015 e criminaliza este tipo de práticas.

Todas estas histórias são sórdidas e complexas, com silêncios ensurdecedores e conivências servis das pessoas com mais “garganta”. Uma coisa é certa, este é um problema social grave e deve ser combatido de forma feroz.  O tema deve ser discutido, combatido e cada uma das possíveis vítimas deve estar munida de apoios e estratégias. Por outro lado, impõe-se que os tribunais não ignorem a questão, tenham uma intervenção eficaz e assertiva.  A vida das vítimas é difícil, tem dificuldade é descrever as situações e a prova é muitas vezes complexa. Os predadores devem ser responsabilizados pessoalmente e as indemnizações devem ser exemplares.  Certamente nos campos judicial e extrajudicial há muito que fazer.

Sendo que no campo pessoal e social decididamente não nos podemos remeter ao silêncio e à indiferença.  A sua história também nos interessa partilhe-a no comentário a este artigo!

Sandra Gomes Pinto, advogada

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