Responsável pelas áreas de Engagement (Consumer & Talent Engagement) e de Deep Digital Business da LLYC em Portugal. Lidera equipas de especialistas responsáveis pelo desenvolvimento e implementação de estratégias colaborativas em clientes nacionais e internacionais. Tem experiência em vários sectores de negócio como: Banca; Distribuição; setor Automóvel; FMCG; Farmacêutica; Centros Comerciais, Tecnologia e Telecomunicações; Transportes e Serviços. Foi, durante 15 anos, responsável pela comunicação de marcas em Agências de Publicidade Multinacionais como a Grey, a Leo Burnett, a Lintas e a Young & Rubicam (atualmente VMLY&R). É licenciada em Relações Públicas e Publicidade pelo INP, Pós-Graduada em Marketing e Negócios Internacionais pelo INDEG-ISCTE e tem um curso executivo de Doing Digital realizado na NOVA SBE. É certificada em HubSpot e Design Thinking.
A viagem rumo à transformação digital implica grandes desafios e oportunidades para empresas e instituições, com implicações estratégicas em diversas frentes sobre as quais terão de tomar decisões cruciais, incluindo o uso de dados, a gestão da privacidade, a ética e o compromisso social, a liderança, as políticas de talento, a exploração de novos canais de comunicação ou, naturalmente, a adoção de novas tecnologias. Na realidade, quando referimos a transformação digital, falamos de transformação. O digital é um facilitador dessa (r)evolução.
No final do ano passado fomos ouvir os mais de 200 executivos no nosso estudo Deep Digital Journey: a viagem para a transformação digital com o objetivo de entender o nível de maturidade digital das empresas. Concluímos que apenas 5 % dos inquiridos estão satisfeitos com a recolha e a análise de dados realizadas pelos departamentos de marketing e comunicação e com as ferramentas utilizadas para o efeito. Este sentimento deve-se em grande parte ao valor diminuto que esta informação traz para as tomadas de decisão. No entanto, o problema não se deve necessariamente à má qualidade das ferramentas ou das equipas responsáveis pela recolha, mas aos canais por meio dos quais esta informação é partilhada com os stakeholders dentro da organização. Não é um problema de data, é um problema de falta de cultura data-driven. Segundo um estudo da McKinsey as organizações data-driven são 23 vezes mais suscetíveis de conquistar clientes, o que nos diz que não há como ignorar o comboio que já está em andamento.
A data é a chave para a (trans)formação necessária e exigida. É uma metodologia que depois de experimentada, não tem como voltar atrás. Quando a tomada de decisões é baseada em data, permite que esta seja muito mais fiável. O que nos dá uma enorme vantagem.
Podemos contar com quatro tipos de dados que nos asseguram alguma certeza no contexto de incerteza que vivemos. Em primeiro lugar os descritivos, que nos permitem responder ao que aconteceu; em segundo os de diagnóstico, que nos dizem porque é que aconteceu; seguindo-se dos preditivos, que nos mostram o que vai acontecer no futuro e, finalmente, os prescritivos, que tendo por base o que vai acontecer, nos dizem o que devemos fazer. A verdade é que conhecer o futuro sempre foi uma das grandes quimeras do homem e as formas de o conseguir foram muito diversas – não com a bola de cristal ou outros métodos esotéricos, mas usando algo mais sofisticado – como a Inteligência Artificial e modelação preditiva ao permitir identificar padrões que predizem o futuro próximo.
Na realidade, a previsão não é um conceito novo. Esta necessidade inata de antecipar a ocorrência de eventos levou-nos a desenvolver modelos de previsão cada vez mais aprimorados. Enquanto no passado confiávamos na nossa imaginação e intuição, os modelos de previsão atuais vão além destes recursos. Demonstraram que são capazes de antecipar, por exemplo, qual será o fluxo de caixa de uma empresa ou calcular as suas necessidades logísticas, personalizar as recomendações de produtos e serviços, prever com semanas de antecedência se uma peça se vai partir e mesmo saber como será o tempo na próxima semana. Isto dá-nos o poder da accountability que nos dá acesso a informação privilegiada, uma espécie de super poder.
E, como lição que aprendemos do blockbuster Spider Man: ”With great power comes great responsibility” e, para isso, é fundamental assegurar as questões éticas, de privacidade e assumir o nosso compromisso social. A modelação preditiva exige-nos saber o que é, como influencia o marketing e a comunicação, e onde estão os seus limites. Temos também de considerar os desafios legais da proteção de dados, como por exemplo: os dados pessoais (quem são os donos dos dados?); cibersegurança – os data breaches (uma violação de dados expõe informação confi- dencial, sensível, ou protegida a uma pessoa não autorizada) e o RGPD – Regulamento Geral de Proteção de Dados. O Código de ética das empresas que fazem análise preditiva têm de garantir transparência, o que é um enorme desafio.
Há que orquestrar todas as variáveis e a tecnologia tem sido mais do que um aliado, o motor da análise preditiva. E uma pergunta que também se impõe: onde é que a análise preditiva se encaixa na IA?
A análise preditiva é uma parte essencial da aprendizagem da máquina e da automatização de tarefas avançadas em marketing, vendas e operações. É também uma analítica realmente poderosa. Leva os conhecimentos da análise tradicional e vai um passo mais além, produzindo uma série de ações recomendadas e calculando a probabilidade de cada uma delas resultar num produto desejado (ou indesejado).
A fiabilidade das previsões melhorou muitíssimo. Voltemos a falar do mais famoso desblo- queador de conversa de todos os tempos: – o tempo. No último podcast internacional da LLYC – “Modelos Preditivos: AI Como bola de cristal”, escutamos Ricardo Torrijo, Meteorologista da AEMET, que nos fala da importância da previsão em meteorologia e de como esta tem mudado nos últimos anos. O avanço das comunicações, da computação e da tecnologia é cada vez mais apoiado em modelos meteorológicos preditivos que são cada vez mais certeiros, embora se continue o desafio da previsão meteorológica a lon- go prazo. “Em março fiz uma caminhada a Fátima em família, que sofreu alterações de última hora em relação às datas planeadas devido às condições climatéricas que obrigaram a mudança de planos quatro ou cinco dias antes. Recordo ainda nas PPM (pre production meetings) de filmagens onde tudo é planeado ao ínfimo detalhe e, à semelhança da “eventual dor de barriga” que possa dar ao protagonista, há o “fator tempo” que deixa sempre o “será que chove” na coluna das variáveis não controláveis até vésperas dos dias de shooting. Ainda há margens de erro, mas permite antecipar com mais antecedência estes fenómenos.”. Esta maior fiabilidade possibilita tornar menos presente e em algumas situações eliminar dos orçamentos a alínea do weather day, uma percentagem considerável do valor total de produção, que será ser suportada pelo cliente casonão se tenha condições climatéricas para filmar, pois disponibilidade da equipa de produção tem estar salvaguardada.
Os modelos preditivos globais e regionais (através de consórcios) nas previsões meteorológicas permitem alcançar maior resolução, logo maior certeza. A combinação destes dois modelos potencia as vantagens e minimiza os riscos de cada um destes.
Ainda segundo Ricardo Torrijo, a IA ajuda a melhorar as predições e retira trabalho mais manual e rotineiro, libertando maior disponibilidade para a camada onde o ser humano aporta valor – na intelligence. Por outro lado, a parte menos romântica da automação que afeta não só as previsões meteorológicas, mas as previsões no geral, à medida que as máquinas vão fazendo mais coisas é encontrar o nosso papel, onde é a que nos dedicaremos é também um desafio. Vão surgindo novas oportunidades e não podemos olhar com pena ou melancolia, mas há que redefinir os objetivos. Ricardo partilha ainda a piada sobre as previsões meteorológicas no futuro que ajuda a resumir este desafio: em resposta à questão de “Como vão ser os escritórios do futuro de previsões meteorológicas?” A resposta é:
– Vai haver um computador, uma cadeira e um cão. O computador faz as previsões e o cão permite que o humano não mexa nelas!
A tecnologia digital twins é também um bom exemplo que permite prever riscos e desenhar diversos cenários para estar preparado para responder a eles num mundo cada vez mais volátil, faz cada vez mais sentido. Digital twins (uma espécie do ambicionado clone) é uma tecnologia baseada em data e que já está a ser usada no combate às alterações climáticas, um projeto impulsionado pela União Europeia – “Destination Earth” , que tem um investimento de 150 milhões de euros para fazer uma simulação do planeta terra com todas as suas variáveis climáticas que permitem ensaiar o que pode acontecer com determinadas alterações no clima, na atmosfera, na elevação do nível do mar, etc. que vão permitir prever o que vai ocorrer de forma a que os políticos e outros decisores possam atuar em função disso. Isto é muito relevante porque estamos a falar de um risco que nos impacta a todos, como foi a pandemia, o que terá um papel importante na política, na economia e na sociedade. Vai estar no centro de muitas decisões e ter uma ferramenta como esta baseada em AI é um dos tais “superpoderes”. É fascinante podermos ter uma visualização gráfica, é como ter “o desenho” do que vai acontecer, uma espécie de “banho de realidade” que demonstra as consequências de nada fazer ou para nos prepararmos quando acontecer.
As marcas conseguem fazer campanhas cada vez mais preditivas e personalizadas como, por exemplo, a Amazon, que nos recomenda produtos com base no algoritmo que cruza as informações deixadas pelas nossas navegações, compras, escolhas, recomendações, etc. Ou um exemplo mais próximo e com mais histórico em Portugal: o Cartão Continente, que nos recomenda produtos adaptados aos nossos hábitos de compra. E isto faz com que a estrada tenha dois sentidos, pois o consumidor é também cada vez mais exigente, mais prescritor e mais informado. A Salesforce refere que 76% dos clientes querem que as empresas tenham conhecimento profundo das suas expectativas e necessidades pessoais para responderem e interagirem com estes em função delas. Quem nunca escolheu um profissional de saúde numa especialidade médica que nunca tenha consultado em função da clínica que detém o seu histórico, a sua data que permitirá um diagnóstico e um cruzamento de informação com maior certeza e informação? Isto é, muitas vezes, um fator que em algumas circunstâncias se sobrepõe à escolha do médico especialista.
Este movimento exigido pelo cliente aumentou a necessidade de tornar estes canais mais eficientes dentro das organizações, a fim de ter mais rapidamente informações valiosas para testar novas estratégias, de modo a melhor atender às suas necessidades. Para tal, é necessário que as organizações tenham não só as melhores ferramentas do mercado, mas também metodologias ágeis que permitam uma reação mais rápida à informação.
Outro desafio para tirar o máximo partido da informação é garantir que as empresas adquiram ou reforcem culturas data-driven, que gerem melhorias na conceção de estratégias. Para responder a este objetivo as pessoas dentro das organizações devem guiar-se pelo mantra de que a melhor maneira de fazer bem o trabalho é aproveitando a informação trabalhada pelas equipas de inteligência, o que requer que se garanta a existência de um canal de comunicação bidirecional que alcance uma compreensão pro- funda dos dados de que todas as equipas necessitam e que consideram ser de valor elevado.
E é este poder e responsabilidade que está nas nossas mãos. Não há falta de data, há falta de cultura data-driven. A democratização dos dados vai ter um papel de pivot na nossa forma de trabalhar como líderes e na recolha de informação.
Muitas vezes, mais importante que os próprios dados, são as histórias e as correlações que se fazem com estes, daí que a componente humana seja imprescindível; a intuição e a imaginação são chave para este trabalho.
Como não há bela sem senão, há que ter em conta as limitações dos modelos preditivos, por exemplo:
1) a história nem sempre é útil para prever o futuro; quando não tens data anterior/histórico é difícil prever o que vai acontecer – a pandemia ilustra bem esta questão.
2) as variáveis desconhecidas são desconhecidas; (há sempre variáveis que não tivemos em conta, e que podem ser determinantes;)
3) às vezes tens adversários que tentam manipular o Sistema, o que pode originar uma previsão contraditória. Um bom exemplo, foi a manipulação de relatórios para obter a classificação de triplo A que esteve na origem do colapso financeiro de 2008-2009. Afinal, a classificação do triplo A não é mais do que um sistema de previsão.
O previsível pode ser previsto, e o imprevisível não pode ser previsto. Na verdade, o mais perigoso é o que parece previsível mas não é. Tivemos este ano uma maioria absoluta do PS. Isso era previsível? O mercado imobiliário tem crescimentos avassaladores, então investir em imóveis é completamente seguro? O que poderá correr mal? Os problemas de reputação também são como a bolsa de valores: parecem previsíveis, mas não são.
As tendências são oportunidades de disrupção e a indústria cinematográfica sempre foi profícua e front runner, nesse sentido. O filme de 2002 Minority Report, realizado pelo Steven Spielberg e protagonizado pelo ator do momento – Tom Cruise – apresenta uma visão de como iria ser o mundo em 2054 e grande parte do que aí foi previsto já é realidade, já está a acontecer. Vinte anos depois do lançamento e trinta e anos depois do estimado. Por isso, já não há lugar para a decisão de “prognósticos, só no fim do jogo.” Não podemos aguardar pelo final da partida. O físico Niels Bohr constatava uma verdade la palice: “Fazer prognósticos é difícil, especialmente sobre o futuro”, mas a tecnologia que temos atualmente capacita-nos para estarmos mais bem preparados para responder ao desafio.
A magia acontece entre a predição e a imaginação. A nossa condição sine qua non é a nossa metodologia de trabalho – a combinação da análise qualitativa das grandes tendências com as nossas capacidades de deep learning, com base na interpretação de dados, para oferecer uma imagem ainda mais fiel das grandes transformações que ocorrerão. Somos data-driven. É a nossa anestesia, ou seja, somos como os cirurgiões, não operamos sem anestesia.