ISABEL FERREIRA MOSTRA QUE A EQUAÇÃO PARA TER ÊXITO É QUERER SEMPRE MAIS

Na matemática podem existir várias formas de resolver um problema. A vida é um pouco assim e a trajetória de Isabel Ferreira comprova isso mesmo. Independentemente das adversidades e do seu caminho poder ser diferente daquele que a maioria trilhou, a menina tornou-se mulher, mãe e contabilista. Fundou o seu próprio negócio e chegou à mesma resposta que todos os outros: o sucesso.

 

Embora acredite que 90% da população portuguesa não compartilha da mesma opinião, Isabel Ferreira encara a matemática como a “coisa mais linda”. Hoje em dia, faz dos números carreira, mas nem sempre foi assim.

Para contar a história inspiradora desta mulher, é necessário recuar até ao final do seu 10o ano, quando Isabel Ferreira tomou a decisão de abandonar os estudos e começou a trabalhar.

“Achava que o dinheiro era uma coisa fantástica”

Permaneceu no mundo do trabalho, até resolver frequentar alguns cursos à noite. Desde inglês a informática, aventurou-se por diversas áreas, inclusive contabilidade. Todavia, este último curso trouxe-lhe mais do que apenas conhecimentos para encher a sua bagagem. Isabel afirma que foi aí que surgiu o “bichinho” pela profissão.

O amor pelos números não era o único que ocupava o seu coração. Casou-se com 20 anos e, nessa altura, arranjou emprego para um gabinete de contabilidade. Durante sete anos, Isabel Ferreira fez parte desta casa, dizendo adeus (que, mais tarde, percebeu que seria um até já) quando o marido abriu uma empresa de confeção, auxiliando assim na parte da contabilidade, gestão financeira e gestão com clientes e fornecedores.

Tudo corria pelo melhor, contudo, a sorte não abonou a favor do negócio durante muito tempo. Com a crise de 2008 e 2009, a empresa viu-se obrigada a cessar a sua atividade e Isabel deu por si desempregada. Foram tempos complicados, mas recusou-se a baixar os braços “não conseguia estar para- da”. Tornou a investir na sua formação, através dos cursos do IEFP e, mais uma vez, navegou por uma panóplia de áreas, como o marketing e as telecomunicações.

Quando se apercebeu, viu outro “bichinho” despertar dentro de si: a vontade de realizar uma licenciatura em contabilidade. Em 2014, Isabel Ferreira realizou o exame de maiores de 23 anos e ingressou na Universidade, na altura um polo pertencente ao ISCAP.

 “Foram os três melhores anos da minha vida, uma coisa fantástica”

A líder é a prova de que o primeiro dia de aulas pode ser intimidante até para um adulto. Recorda que, ao princípio, foi um choque muito grande: “eu era uma pessoa já com 34 anos nessa altura, no meio de miúdos com 18/19”. Admite que só pensava “que é que tu estás aqui a fazer? Estás a ver bem onde te estás a meter?”. Ainda assim, garante que foi super bem acolhida, tendo feito amizades que levou para a vida e que não lhe escondem a verdade: “tenho várias pessoas que dizem que se não fosse por mim, não tinha terminado o curso em três anos. Porque eu tinha a prática, metade das coisas que estavam a ser administradas nas cadeiras eu já sabia”.

Durante estes três anos académicos, o casamento de Isabel Ferreira chegou ao fim, mas deu alguns frutos pelo caminho: uma menina de 10 anos e outra de 6 meses.

“Consegui terminar o curso sendo mãe, a tomar conta de duas filhas”

Agradecendo o apoio que recebeu dos pais nessa época. Concluiu em três anos um curso que acreditava que iria terminar em quatro, e garante que foi o dia mais feliz da sua vida.

No fim da faculdade, em 2017, regressou para aquele gabinete onde tinha estado anos antes. Sendo o dono uma pessoa já com alguma idade, este desvinculou-se completamente da parte da contabilidade e entregou tudo aos cuidados de Isabel. Apenas se deslocava aos escritórios dos clientes para ir buscar as futuras e documentações necessárias, de resto, era a líder que tratava de tudo. “Ou seja, eu era a contabilista certificada sem ser contabilista certificada”, confessa.

Tudo parecia estar num bom andamento, no entanto, tal como na matemática, a vida também conta com problemas pelo meio. Após a covid-19, e a implementação do teletrabalho, Isabel propôs à empresa manter esse registo, uma vez que se tornava cansativo realizar viagens de 50km entre casa e trabalho. Exigiram que trabalhasse, no mínimo, três dias por semana, em regime presencial, e Isabel concordou, porém, ao fim de três meses estava completamente esgotada. Tal como 1+1 é uma conta fácil de solucionar, o que se sucedeu também é simples de prever. “Tive um burnout”, admite.

Mesmo estando nesta frágil situação, diz nunca ter parado de trabalhar. “Não conseguia fazer o que conseguia fazer antes e o que consigo fazer agora, mas nenhum cliente teve qualquer problema com a situação que eu estava a passar”, refere.

Entretanto, um número novo entrou na equação (e no coração) de Isabel, o “senhor Serrano”, como carinhosamente o apelida. “Sempre me deu muito apoio para eu iniciar uma coisa minha”, declara, o que motivou a contabilista a sugerir comprar a carteira de clientes do sítio onde trabalhava.

“Não queria comprar a empresa, queria construir uma coisa minha, que tivesse o meu significado e eu lhe pudesse dar o meu cunho pessoal”

 

Dos 60 clientes, conta que os 60 embarcaram consigo nesta sua nova jornada.Foi assim que nasceu a 7i Conta Certa, e a mãe de meninas viu o seu “menino” nascer. Sete princípios de contabilidade conjugados com as sete pessoas mais importantes da sua vida, junto com a sua inicial, deram origem ao nome da empresa. É Isabel quem gere tudo e, uma volta ao sol depois, afirma com orgulho que “quanto maior o desafio, maior o gosto”.

Ao longo de todos estes anos de experiência, Isabel já lidou com vários tipos de cliente, mas há uma característica que afirma que une a maioria: “eles não têm conhecimento, não lhes é dada formação nem preparo necessário (…), não sabem o que está por trás, o que esperar da máquina fiscal portuguesa”.

Face a esta lacuna de informação que Isabel diz sentir, a contabilista sublinha a importância da literacia financeira e do projeto piloto que vai ser implementado já no próximo ano letivo em sete escolas, para tentar reverter esta situação. “Tenho uma filha com 25 anos, uma que vai fazer 15 e outra de coração que tem 13, e, todas elas, de uma maneira ou de outra, têm conhecimentos financeiros e contabilísticos, porque eu acho importante que elas saibam”, explica. É da opinião de que “a maior parte dos nossos jovens saem da faculdade e são muito bons naquilo que fazem, mas depois nestas coisas não têm noções”. Por exemplo, considera que não sabem o que fazer para ter acesso a um crédito à habitação, nem a distinção entre despesa necessária e despesa supérflua. Enfatiza ainda a questão do IRS, porque percebe que os jovens “sabem que o têm de fazer, mas não sabem em que consiste, nem como”.

Isabel Ferreira confia no sucesso desta iniciativa, comparando-a com a da reciclagem: “foi incutida nas aulas de cidadania e os alunos levaram essa aprendizagem para casa. Isto seria igual, era uma maneira de se mudar de pensamentos entre gerações. Era uma forma de, ao ensinarem os alunos, ajudarem os pais na melhor gestão do seu dinheiro”. A contabilista acredita que é necessário começar pelos mais novos, “porque os adultos não estão capacitados para receberem essa informação diretamente, têm outras coisas em que pensar”, como “trabalhar, pagar contas, tomar conta dos filhos, gerir a vida familiar, e já têm vícios adquiridos ao longo de muitos anos”.

Por muito entusiasmada que esteja pelo avanço deste projeto, a contabilista relembra que “o programa da literacia financeira já existia”. Em 2013, foi lançado o referencial para a literacia financeira, que tal como a reciclagem, tinha como objetivo integrar as aulas de cidadania. Contudo, Isabel sublinha que “nunca foi realmente posto em prática, porque os próprios professores não estão capacitados para esse tipo de assuntos financeiros”, destacando ainda que “capacitar um professor (…) torna-se muito caro e dispendioso”.

Esta é uma questão que entristece Isabel, que aproveita para relembrar a plataforma digital criada pela Fundação António Cupertino de Miranda, que, só no Norte do país, já ajudou 87 mil alunos, através dos materiais e formação disponibilizados. “Existe uma ferramenta que pode ser usada e aplicada para fazer face a este défice” afirma.

“se nós lutamos em tantas coisas para subirmos um bocadinho nos rankings, porque não dar essa possibilidade aos nossos jovens?”

Os números não deixam margem para dúvidas: elas podem consistir na maioria de profissionais desta área, mas quem está no topo são eles. Embora existam mais mulheres contabilistas certificadas, são os homens que detêm a maioria dos cargos de chefia. Para todas as mulheres que gostariam de dar o próximo passo, mas têm receio, Isabel Ferreira deixa algumas palavras: “o céu é o limite. Não é por estarem a ser comandadas por um homem que são inferiores ao homem. Se calhar, até têm mais capacidades para gerir. Se acreditam que ‘se eu estivesse à frente as coisas correriam melhor’, então porque é que não estão à frente? Lutem para isso!”.

Isabel Ferreira é uma líder que prova que, se batalharmos para alcançar o que pretendemos, por mais sinuoso que seja o caminho, iremos sempre cruzar a meta.