Decisão, Ciência e Propósito: A Liderança que Transforma o Futuro da Saúde

A história da Prof. Maria do Céu Soares Machado não começa com um cargo, um título ou uma distinção. Começa com uma escolha — a de dedicar-se à medicina com gosto, entusiasmo e propósito. Desde os primeiros passos na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde se formou em 1972, até à sua jubilação como Professora Catedrática, cada decisão foi guiada por valores que permanecem intocados: envolvimento, escuta, criatividade e compromisso com o bem comum.

 

A sua liderança nunca foi solitária. Sempre que possível, envolveu colaboradores nas decisões, valorizando a escuta ativa e o trabalho em equipa. Esta abordagem colaborativa tornou-se marca distintiva ao longo de um percurso que atravessa instituições académicas, científicas, hospitalares e sociais. “Preferência a profissionais jovens e criativos — se possível”

O poder da decisão informada

“Gostar de ser médico, gostar de pessoas e de resolver problemas, ser curioso quanto às lacunas de conhecimento e SEMPRE trabalhar em equipa.” A decisão, para Maria do Céu, é mais do que um ato técnico — é um gesto ético. Ser médico é, acima de tudo, gostar de pessoas. E liderar na saúde exige curiosidade, humildade e capacidade de reconhecer o que ainda não se sabe. Ao longo da sua carreira, ocupou cargos de elevada responsabilidade, como Alta Comissária da Saúde e Presidente do Infarmed, mas nunca perdeu o foco naquilo que realmente importa: o impacto real na vida dos cidadãos.

Doenças raras: escutar para transformar

Como Coordenadora do Grupo de Trabalho Intersectorial para o Plano Nacional das Doenças Raras, Maria do Céu enfrenta um dos maiores desafios da saúde pública: garantir equidade num campo marcado pela invisibilidade. A sua resposta é clara: “Ouvir a Pessoa com Doença Rara, a família e o Cuidador, estimular a articulação entre instituições de modo a trabalharem em equipa multidisciplinar e em rede e facilitar a investigação e formação.” A escuta ativa é o primeiro passo. A articulação entre instituições, o segundo. E a promoção da investigação e da formação, o terceiro. Esta tríade revela uma visão sistémica, onde cada parte contribui para um todo mais justo e inovador.

Ciência com propósito: a Fundação AstraZeneca

Na presidência da Fundação AstraZeneca, Maria do Céu reforça a importância da ciência como motor de transformação social. Mas recusa o termo “filantropia” — não por falta de generosidade, mas por excesso de rigor. “Essencial como estímulo à investigação mas também à formação e à ligação à comunidade. Mas não se aplica a palavra filantropia.” Para Maria do Céu, a ligação à comunidade não é um gesto de caridade, mas uma responsabilidade institucional. A ciência deve estar ao serviço da sociedade, e a formação deve preparar profissionais com consciência ética e visão interdisciplinar.

Gulbenkian: excelência e reputação

Como administradora não executiva do Gulbenkian Institute of Molecular Medicine, Maria do Céu reconhece a excelência científica da instituição. Mas sublinha um ponto muitas vezes esquecido: Como administradora não executiva do Gulbenkian Institute of Molecular Medicine, Maria do Céu reconhece a excelência científica da instituição. Mas sublinha um ponto muitas vezes esquecido: a comunicação com o cidadão. “Procuro que haja uma preocupação genuína na comunicação com o cidadão. Até porque é também uma questão de reputação.” A reputação não se constrói apenas com artigos científicos ou prémios internacionais. Constrói-se com transparência, proximidade e capacidade de traduzir a ciência em linguagem acessível.

Liderança feminina: equilíbrio e reconhecimento

Apesar de não se identificar como feminista, Maria do Céu defende o equilíbrio entre géneros com firmeza e lucidez. “Não sou feminista mas sim a favor do equilíbrio feminino/masculino. E é urgente o reconhecimento de atribuição de tempo dedicado a uns e outras.” A liderança feminina em saúde ainda enfrenta barreiras invisíveis, desde a distribuição desigual do tempo até à falta de reconhecimento institucional. Para mudar este cenário, é preciso mais do que quotas: é preciso cultura, consciência e coragem.

Instituições académicas: formar para o bem comum

A sua ligação à FFUL, IHMT e NOVA CCL revela uma preocupação constante com a formação de líderes éticos e comprometidos. Mas também uma crítica construtiva: “O papel é fundamental. Na prática, ainda não conseguido. As matérias são muito aplicadas à ciência. Urgente em forma de sessões obrigatórias trimestrais (uma tarde, por ex), webinares, etc.” A ciência, por si só, não basta. É preciso formar profissionais com visão holística, capazes de integrar conhecimento técnico com responsabilidade social.

Voluntariado: a lição diária

Na Associação dos Amigos do Hospital Santa Maria, Maria do Céu encontra uma dimensão humanista da liderança. Ali, entre voluntários de todas as idades e profissões, aprende todos os dias. “Dedicados e empenhados com empatia e compaixão. E esta experiência é uma lição diária.” A empatia não se ensina em manuais. Vive-se. E é essa vivência que transforma a liderança em serviço e o serviço em legado.

Legado e futuro: uma mensagem às novas gerações

A terminar, Maria do Céu deixa uma mensagem clara às novas gerações de profissionais da saúde: “Gostar de ser médico, gostar de pessoas e de resolver problemas, ser curioso quanto às lacunas de conhecimento e SEMPRE trabalhar em equipa.” A liderança em saúde não é um destino, mas um caminho. E esse caminho exige gosto, curiosidade, humildade e cooperação. Porque só com decisão informada, ciência rigorosa e propósito coletivo se transforma verdadeiramente o futuro da saúde.