CRIAR CONDIÇÕES PARA QUE TODOS “PROSPERAREM COM DIGNIDADE, SEGURANÇA E EQUIDADE” É A SUA `MISSÃO”

Com formação superior em Direito, Marta Henriques Pereira começou o seu percurso profissional como advogada, mas acabou por trabalhar na ONU e na União Europeia como consultora, com enfoque na “boa governação, segurança, paz e coesão social”. Detentora de uma carreira com mais de vinte anos, Marta é um exemplo na área da consultoria a nível internacional e também no associativismo.

 

Desde sempre fascinada pelo “impacto que as leis podem ter no quotidiano das pessoas”, Marta Henriques Pereira formou-se em Direito e decidiu seguir uma “carreira internacional”. Deste modo, já deteve funções de consultoria na Organização das Nações Unidas (ONU), na União Europeia (UE), entre outras organizações internacionais, possuindo uma carreira ilustre que é “tudo menos uma linha reta”. Igualmente, a profissional está por detrás da formação de duas associações e de um podcast, onde pretende promover o “reconhecimento do serviço internacional prestado” por profissionais lusófonos.

Nascida em Coimbra, Marta é “filha de uma mãe nascida em moçambique e um pai madeirense” e, por isso, “cresceu envolvida por histórias de África e os ventos quentes de leste que chegam à ilha da Madeira vindos desse continente”, algo que acabaria por “despertar a sua curiosidade por uma carreira internacional”. Aos 6 anos, a advogada mudou-se com a sua família para a ilha da Madeira, onde permaneceu até aos 17 anos. Antes de frequentar o ensino superior, Marta demonstrava uma certa “curiosidade” face ao ramo de Direito, porque “queria compreender e ter [a] possibilidade de contribuir ativamente na construção de uma sociedade mais justa e organizada”. Assim, pensando que o curso “iria desenvolver o seu pensamento crítico, argumentação, redação, pesquisa, resolução de problemas e ajudá-la a estruturar ideias” e que lhe iria proporcionar “uma base sólida e a amplitude que precisava para abrir portas para trabalhar em diferentes áreas”, a advogada decidiu tirar, entre 1991 e 1998, uma licenciatura em Direito, pela Universidade Católica Portuguesa (UCP) no Porto, que a profissional diz ter sido “a escolha perfeita para [os] seus objetivos e valores”. Com este curso, Marta conseguiu perceber que “entender melhor as estruturas jurídicas e os processos que mantêm o equilíbrio social” poderia ser uma ferramenta importante para “melhorar as condições de vida de muitos e lutar contra injustiças”, realizando, mais  tarde, em 2002 e 2003, uma pós-graduação em Direito e Políticas da União Europeia, na UCP em Lisboa.

O percurso profissional da consultora começou na área da advocacia na terra que a viu crescer: Madeira. Inicialmente, Marta “não tinha um percurso rigorosamente traçado” para a sua carreira e, por isso, “foi movida pela curiosidade, pelo gosto pela aventura e pelo interesse em conhecer e compreender culturas diferentes”. Deste modo, a advogada tinha apenas o “objetivo” de “explorar oportunidades que lhe permitissem conhecer e entender diferentes comportamentos e organizações sociais” e, com o passar do tempo, quis “trabalhar com temas de governança, segurança e coesão social em contextos internacionais, onde pudesse fazer a diferença em prol de comunidades menos favorecidas para a construção de um mundo mais justo”.

Marta pôde cumprir estes desejos como consultora internacional na UE e depois na ONU, onde “serviu em cinco missões de manutenção da paz”, dando início à sua “carreira internacional”. Entretanto, a advogada casou-se com um diplomata australiano – com quem tem quatro filhos – e passou para os Programas das Nações Unidas de Desenvolvimento (PNUD), em que realizou “quatro destacamentos”, alternando, depois, entre a ONU e a UE, organização onde “serviu em dez missões”.

De acordo com Marta, “o seu papel” nas Nações Unidas “foi diversificado e focado em promover a boa governança, [a] segurança, a paz e a coesão social”. Entre as missões e a sua participação nas “diferentes agências da ONU”, a profissional possuía como “responsabilidades” “a formulação de políticas, a implementação de programas, a coordenação de iniciativas, advocacia e aconselhamento”.

Após a sua entrada na ONU, a consultora começou a ganhar um fascínio pelo Direito Internacional Público, o que a levou a realizar, em 2008 e 2009, um mestrado nessa área, na Universidade de Leiden, nos Países Baixos. Contudo, ao longo da sua carreira, “foi percebendo que as leis, embora essenciais para a coexistência pacífica entre as pessoas e entre estados, nem sempre proporcionavam a melhor solução para todos os conflitos”, começando a interessar-se, assim, “por alternativas que fossem mais ágeis e conciliadoras”. Consequentemente, Marta fez um curso em Negociação, na Faculdade de Direito de Harvard, nos Estados Unidos, e também uma pós-graduação em Negociação, Mediação e Resolução de Conflitos, novamente na UCP no Porto, em 2019.

Defensora de que “se pode resolver disputas de forma mais eficaz, colaborativa e célere do que os processos judiciais convencionais”, a consultora revela que estas especializações “[complementaram] a sua base jurídica”, como também lhe conferiram “ferramentas fundamentais para a sua carreira internacional”, pelo facto de que “a negociação e a diplomacia são essenciais em contextos complexos e multiculturais”.

Durante a sua carreira exemplar, que já conta com mais de duas décadas, Marta Henriques Pereira ocupou – e tem ocupado – “várias funções como consultora internacional” e “foi desenvolvendo um perfil generalista”, que é “bastante valorizado” em “ambientes profissionais dinâmicos e em constante transformação” e “face [às] rápidas mudanças com que nos temos deparado no século XXI em ambientes, onde [a] inovação, [a] adaptação e [a] visão integrada são essenciais para o sucesso e para a empregabilidade”. Assim, Marta conseguiu “fortalecer a sua adaptabilidade e resiliência em contextos de mudança, [a sua] visão holística, capacidade de resolução de problemas, adaptação de comunicação para os diferentes interlocutores” e, por fim, o “talento para gerar empatia para liderar equipas em contextos multiculturais”. Por sua vez, tudo isto fê-la “desenvolver uma profunda vocação para o serviço público”, com o intuito de “promover a coexistência pacífica e o respeito entre diferentes culturas e grupos”.

“Trabalhar para criar ambientes onde todos possam prosperar com dignidade, segurança e equidade tornou-se, então, a minha missão”

Na ótica de Marta, “cada experiência profissional” corresponde a “uma oportunidade de construir pontes e de contribuir para a paz e o fortalecimento das instituições que protegem os direitos e garantem o bem-estar das pessoas”. Estes foram alguns dos objetivos que a consultora pretendia e conseguiu cumprir nas suas inúmeras missões da ONU, das quais destaca a realizada no Sudão do Sul, que considera ser o “maior desafio da sua carreira”. Isto porque esta experiência no país africano que se tornou independente em 2011 “exigiu não apenas habilidades de liderança e diplomacia para lidar com os representantes governamentais”, como também “uma capacidade profunda de entender as dinâmicas culturais e locais”, indica Marta.

Segundo a advogada, num “país com conflitos duradouros”, como foi o caso do Sudão do Sul, “é necessário desenvolver uma sensibilidade aguçada para as necessidades e preocupações das comunidades locais”, que acabam por “muitas vezes ser moldadas por anos de tensão e desconfiança”, assim como é “essencial” “construir relações de confiança com diferentes grupos” e “mediar e facilitar diálogos significativos entre as partes em conflito”.

Entretanto, Marta revela que é preciso haver uma “forte capacidade de análise crítica para compreender as implicações políticas e sociais das ações realizadas” e, por isso, “estar[-se] sempre atento” às diferentes perceções destas intervenções e também apresentar “flexibilidade” e “criatividade” de maneira a “adaptar estratégias e abordagens conforme a situação evolui”.

Apesar de ter sido um “desafio imenso”, esta missão da ONU foi “uma oportunidade valiosa de crescimento pessoal e profissional” para Marta, que, por um lado, a “ensinou muito sobre resiliência, empatia e a importância de ouvir as vozes das comunidades diretamente afetadas” e, por outro, fortaleceu a “sua determinação em trabalhar por um mundo mais pacífico e justo”.

Para além de aprender mais sobre diferentes culturas e povos, Marta “adquiriu experiência e conhecimentos em questões de género e equidade”, referindo que liderou “programas significativos” e estabeleceu “parcerias estratégicas que visavam mudanças de estereótipos e de comportamentos sociais”. Com um trabalho “sempre alinhado com os Direitos Humanos e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, foram várias as situações em que a consultora evidenciou o quão importantes são a “sensibilidade cultural” e a “inclusão”, tendo contribuído para a “promoção da justiça social e do empoderamento das comunidades marginalizadas”, revela.

Para ilustrar os seus contributos para a igualdade de género, Marta dá o exemplo do órgão ONU Mulheres, no Quénia, onde a própria “negociou um Memorando de Entendimento específico de género com o Centro Nacional de Contraterrorismo”, o que deu abertura a “novas oportunidades de programas e financiamento em prol do empoderamento da mulher na área da segurança”, onde ainda há “fraca representatividade” feminina. Igualmente, a advogada referencia o PNUD realizado no Senegal, que deu origem a “uma nova parceria com a Université Cheikh Anta Diop de Dakar (UCAD)” para “reforçar a pesquisa e a análise de questões relacionadas com o género”, mas também impulsionar a elaboração e implementação de “políticas públicas inclusivas”. Para além de consultora e advogada, Marta é a fundadora de duas associações com os objetivos de “promover a participação social através do associativismo” e de “fortalecer a participação cívica e construir uma democracia robusta”: a Rede de Colaboradores Portugueses na União Europeia, nas Organizações do Sistema das Nações Unidas e noutras Organizações Internacionais (RPNU-OI-EU) e a Resposta Luso.

De maneira a criar “uma comunidade de profissionais portugueses com experiência internacional”, a primeira organização oferece “um espaço de confraternização, troca de conhecimento e reflexão”. Assim, segundo a fundadora, esta associação pretende “reforçar o sentido de pertença e [de] realização pessoal e profissional dos seus membros”, ao conferir “uma «porta de ligação»” com Portugal e também promover “ações de valorização e reconhecimento pelo serviço em missões internacionais”.

Já a Resposta Luso foi criada no início de 2024 com o intuito de “abordar a desconexão entre o capital humano da lusofonia com experiência internacional e o seu aproveitamento nos países de língua e expressão portuguesa”, como refere Marta. Inspirada pelos “think-tanks e bolsas de peritos”, aspetos aplicados em “muitos países”, esta organização “visa valorizar o potencial dos profissionais lusófonos”, com a criação de “uma rede que facilite [a] sua integração em organizações internacionais, organismos estaduais e não estaduais e no setor privado dos países da lusofonia”. Para além disso, a associação “prioriza a cooperação Sul-Sul” para “alcançar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, promovendo paz e prosperidade nas sociedades lusófonas” aponta.

Entretanto, Marta Henriques Pereira apresenta um podcast, intitulado Caminhos Globais, em parceria com a estação radiofónica RDP Internacional. Influenciada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 132/2022, a profissional começou a interessar-se pela “necessidade de reverter o decréscimo de portugueses” em “instituições europeias e internacionais”. Apesar de “visar reforçar a presença de profissionais portugueses” nas organizações internacionais, a resolução em si “não atendia plenamente ao objetivo de «garantir uma representação equitativa, equilibrada e sustentada» de portugueses” nestas, de acordo com Marta. As razões para isto correspondiam ao seu maior enfoque na União Europeia ao invés de outras instituições, como as Nações Unidas, cujos cargos “são muito mais disputados” e, por isso, mais competitivos, onde “o apoio estatal poderia fazer uma grande diferença para aumentar a presença portuguesa” neles, e à ausência de “consulta a profissionais do setor”.

Foi esta “lacuna” que levou a consultora a escrever um artigo para o semanário Expresso em que expôs o facto de “muitos países” deterem “políticas para apoiar [os] seus cidadãos”, “tanto jovens iniciantes” como “profissionais experientes”, “que desejam trabalhar na ONU ou [noutras] organizações internacionais”. Posteriormente, a julho de 2024, Marta criou o Caminhos Globais, “um espaço para compartilhar as trajetórias de portugueses que atuam na União Europeia e nas organizações internacionais” e, assim, dar-lhes “visibilidade” e “inspirar outros a seguirem caminhos semelhantes”. São vários os planos que Marta tem para o seu “futuro profissional”, desde “continuar a trabalhar com paixão em causas que a continuem a deixar motivada” até “expandir” mais a sua “colaboração”, nomeadamente nos países lusófonos, e mesmo “criar iniciativas que reconheçam e valorizem o trabalho de profissionais lusófonos em carreiras internacionais”, através de “oportunidades de mentoria e troca de conhecimento, fomentando uma aproximação” entre as nações lusófonas.

De um ponto de vista pessoal, a advogada deseja ter “um maior equilíbrio entre [a] sua carreira e a vida familiar”, algo que é “desafiante” quando se trilha uma carreira internacional que implica inúmeras viagens. Apesar destes obstáculos, Marta admite estar “motivada para apoiar a sua família enquanto continua a avançar na sua carreira”, realçando que a vida é “feita de compromissos e curvas e contracurvas, e, se não fosse assim, seria muito aborrecida”.

Para Marta Henriques Pereira, “a capacidade de lidar com obstáculos” é uma autêntica “fonte poderosa de motivação e estímulo”. Isto porque, “quando enfrentamos desafios, ativamos habilidades, resiliência e a criatividade para superá-los”, ressalta, e “cada vitória, por menor que seja, fortalece a nossa autoconfiança”. Por sua vez, este “processo” gera “um ciclo positivo” e acaba por “nos motivar para encarar novas situações com mais energia e determinação”. Desta forma, “os obstáculos deixam de ser apenas barreiras e tornam-se degraus para o desenvolvimento pessoal e profissional”, conclui a consultora.