A liderança feminina na promoção de ambientes de trabalho saudáveis

Tania Gaspar Agregada e Doutorada em Psicologia, Doutorada em Gestão, Mestre em Saúde Pública e Licenciada em Psicologia Clínica. Professora Associada com Agregação e Diretora do Centro de Psicologia, Inovação e Conhecimento/ Universidade Lusófona  Coordenadora do Health Behaviour School-Aged Children/OMS ao nível Nacional e dos Países Mediterrâneos Coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis 
Um ambiente de trabalho saudável é definido como um ambiente no qual os profissionais e os lideres, responsáveis pelas empresas e gestores colaboram em conjunto para a melhoria contínua da proteção e promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os profissionais, assim como para a sustentabilidade do ambiente de trabalho, tendo em conta diversas questões, tais como: (1) segurança e saúde no ambiente físico do trabalho; (2)  segurança, saúde e bem-estar no ambiente psicossocial do trabalho (que inclui a organização do trabalho e a cultura da organização); (3)  recursos para a saúde pessoal no ambiente de trabalho; e por fim; (4)  envolvimento da empresa na comunidade – para a melhoria da saúde dos profissionais, das suas famílias e de outros membros da comunidade (Direção-Geral da Saúde, 2021; Organização Mundial de Saúde, 2010).

Qual o papel da liderança feminina na promoção de ambientes de trabalho saudáveis?

O princípio da igualdade está presente em todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A proeminência da igualdade de género na Agenda 2030 deve se, em parte, à forte correlação entre esta e uma maior paz e prosperidade. Assim, abordar os desequilíbrios de género na esfera política e melhorar as trajetórias de emprego das mulheres não beneficiará apenas as mulheres individuais e as suas famílias, mas também sociedades inteiras e, em última análise, o mundo.

Dois dos ODS estão intimamente relacionados com o empoderamento das mulheres: os ODS 5 (igualdade de género e empoderamento das mulheres e das raparigas) e os ODS 17 (parcerias) colocam as mulheres no centro das atenções, o primeiro devido à sua incidência direta na paridade de género e o segundo porque as mulheres desempenham papéis instrumentais nas parcerias que concretizam a Agenda 2030.

É importante garantir que se estão a alcançar estes dois objetivos e a melhorar a liderança das mulheres a nível local, nacional, regional e mundial.

O valor da liderança das mulheres pode ser visto nas características associadas ao seu estilo de liderança, incluindo a cooperação, a colaboração e a inclusão; as mulheres, especialmente em lugares de liderança, são necessárias para fazer avançar e fazer cumprir os ODS. É necessária uma ação consistente na sensibilização, o conhecimento, as atitudes e o apoio à equidade de género.

Uma maior participação política das mulheres resulta em maiores investimentos em políticas e programas de proteção social, saúde e educação. No entanto, as mulheres estão fortemente sub-representadas em todos os níveis de tomada de decisão, o que indica que há muito que é necessário tomar medidas para um maior equilíbrio de género.

“É necessário fazer muito mais para melhorar a participação política das mulheres”

A igualdade de género na força de trabalho é também crucial para o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável. No entanto, a nível mundial, as mulheres continuam a ganhar, em média, menos 20% do que os homens; representam apenas cerca de 28% dos gestores em todos os setores; enfrentam numerosos obstáculos para entrar e progredir no local de trabalho; e assumem, na sua esmagadora maioria, o trabalho não remunerado, como a prestação de cuidados e as tarefas domésticas.

Este ano marca o terceiro ano da pandemia de COVID-19. Os seus impactos negativos, incluindo as dificuldades económicas associadas e intensificadas pela crise na Ucrânia e o aumento da insegurança alimentar, estão a pôr em perigo a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Durante a pandemia de COVID-19, as mulheres sofreram perdas desproporcionadas de emprego e de rendimentos, representando também uma maior percentagem de trabalhadores na linha da frente dos esforços de resposta. As mulheres no mercado de trabalho foram mais gravemente afetadas do que os homens.

As mulheres trabalharam mais a partir de casa, reduziram o horário de trabalho ou ficaram desempregadas. Foram também identificadas diferenças entre os géneros na gestão do stress e na saúde mental: as mulheres apresentaram mais sintomas de depressão, ansiedade e stress e os homens mais resistência ao stress.

Todas estas evidências tornam claro que há muito caminho a percorrer. As vastas desigualdades e falta de equidade de género atuais na liderança e na força de trabalho não serão ultrapassadas rápida ou facilmente, dada a complexidade de questões como o recrutamento, a formação e a resistência de interesses enraizados sociais, culturais e outros.

Todas as partes têm papéis a desempenhar para reforçar e melhorar as oportunidades de liderança e a influência das mulheres, incluindo as raparigas adolescentes e as mulheres jovens, para desenvolver os líderes do futuro.

Um estudo realizado por Gaspar et al. (2020) apresenta a análise SWOT organizacional na perspetiva de 18 mulheres líderes de grandes empresas. A nível dos pontos fortes, as líderes valorizam a liderança e planeamento estratégico, o compromisso, espírito de missão, estabelecimento de objetivos comuns, inovação e excelência. As mulheres valorizam a autonomia responsável e transparente, a humanização, qualidade, competências e dedicação. E ainda promover profissionais comprometidos, relações interpessoais de qualidade e boa performance organizacional.

O que as líderes referem como pontos fracos numa organização é a ineficiência do trabalho, falta de autonomia, gestão de grupos transversais, reconhecimento e constrangimentos ao nível dos recursos humanos. Os recursos limitados, a necessidade de fazer muito com pouco, pode levar ao stress, desmotivação e burnout.

As mulheres sugerem, para melhorar a sua liderança, que tenham mais autonomia ao nível da gestão e estratégia global da empresa. Será necessário melhorar a política de contratação e reconhecimento dos recursos humanos. A qualidade da comunicação interna e externa são componentes fundamentais para o sucesso das organizações.

Algumas das características frequentemente associadas às lideranças femininas são:

— Orientadas para as pessoas: são sociáveis, expressivas e estabelecem laços de proximidade, reforçando a possibilidade de concretização de compromissos, sejam eles objetivos da empresa ou um determinado projeto.

— Tendência para a cooperação: tornam o trabalho em equipa mais natural através da inclusão e contenção ativa das pessoas. Também zelam para que os procedimentos sejam executados de forma ordenada e correta.

— Capacidade de operar em diferentes direções: possuem a capacidade inata de pensar e operar em diferentes direções ao mesmo tempo. Este facto constitui uma vantagem quando se trata de tomar decisões e enfrentar crises.

— Liderança horizontal: a liderança feminina é inclusiva, encoraja a participação e partilha informação e poder com os seus liderados. Tem tendência para criar e reforçar identidades de grupo.

— Prevalência emocional: são geralmente capazes de considerar o lado “humano” dos indivíduos e geram elevados níveis de empatia.

— Mais propensas à mudança: o seu estilo é inovador e tem um forte sentido de qualidade que é orientado para as pessoas, flexível, comunicativo e persuasivo.

Para responder a estes desafios, mais recentemente comecei a alargar o meu âmbito de intervenção e investigação na área laboral e qualidade de vida no trabalho. Numa fase inicial ao nível da consultoria na avaliação de riscos psicossociais no trabalho e intervenção na gestão de stress, prevenção do burnout e gestão de conflitos. Rapidamente me apercebi que para obter resultados reais e sustentáveis não seria suficiente promover competências junto dos profissionais se toda a organização na sua cultura e liderança não tivessem no centro das suas políticas e práticas a saúde e bem-estar dos profissionais.

Neste percurso decidi ir fazer o doutoramento em gestão, especialmente em gestão de organizações de saúde. Senti a necessidade de desenvolver mais conhecimento e competências sobre a gestão, a sua linguagem, os seus processos e as suas prioridades. O doutoramento tinha como objetivo propor um modelo de gestão das organizações de saúde sistémico que incluía fatores da organização, processos entre a organização e o profissional e resultados de satisfação e económico-financeiros. Pretendia estabelecer a ligação entre cultura organizacional de bem-estar, processos do ambiente psicossocial e de gestão de recursos humanos promotores de bem estar e consequentes resultados ao nível dos profissionais, doentes e resultados económicos, estes últimos tão valorizados pelas organizações. Aprendi muito, tive muito gosto em desenvolver este trabalho e mais uma vez com grande proximidade da Direção- Geral da Saúde, Autoridade para as Condições de Trabalho e muitas outras organizações governamentais e não-governamentais.

Construímos uma carta de consenso sobre roadmap para o futuro do Serviço Nacional de Saúde que foi remetida para o governo e ministérios relevantes, publicada em revistas da especialidade e debatido o conteúdo em eventos e encontros.

Na sequência deste trabalho e sinergia entre personalidades e organizações foi criado no ano passado o Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (LABPATS). O LABPATS tem como objetivo o estudo aprofundado, sistemático e ecológico da saúde e bem-estar dos profissionais e das organizações e a colaboração na promoção e proteção da saúde e dos riscos em contexto laboral em Portugal.

Integra personalidades de diversas universidade e áreas científicas, psicologia, gestão, medicina, economia, sociologia etc. Tem um comité de internacional advisors, da OCDE, WHO e outras organizações internacionais. E é constituído por um grupo de entidades fundadoras, associações e sociedades científicas, ordens profissionais e entidades governamentais, tais como ACT, DGS, INA, SICAD,

Pretende-se caracterizar a situação nacional ao nível das necessidades de intervenção e da fundamentação, design/ estruturação, avaliação e inovação de programas de intervenção e políticas com impacto na saúde e bem-estar, desenvolvimento saudável e sustentável dos profissionais e das organizações em constante ligação à sociedade, numa lógica ancorada no triple bottom line Profit, People, Planet.

O Laboratório Português dos Ambientes de Trabalho Saudáveis reúne personalidades, investigadores, instituições académicas e de investigação, organizações, associações e entidades governamentais e não-governamentais especialistas. Esta organização em rede permite uma abordagem multidisciplinar, uma importante articulação e conjugação de conhecimentos e competências e uma gestão flexível dos recursos disponíveis.

Atua em quatro eixos: a Investigação & Desenvolvimento, de forma a identificar e propor áreas / temas relevantes e emergentes para investigação e desenvolvimento; a Informação/formação, para reunir e divulgar informação disponível ao nível de investigação e intervenção, disseminar boas práticas, dinamizar ou apoiar eventos científicos e profissionais (workshops, encontro, congressos, etc.); a intervenção social e comunitária, nomeadamente, policy advice; proposta de programa e medidas; consultoria e apoio à implementação e avaliação de programas e medidas; e a internacionalização através do desenvolvimento de parcerias internacionais.

Além da avaliação e diagnóstico o LABPATS desenvolve programas sistémicos de promoção de ambiente de trabalho saudável junto de organizações e municípios. O LABPATS, em conjunto com a DGS e a ACT, produziu um Manual de Boas Práticas com recomendações para políticas, organizações, lideranças e profissionais para, em conjunto, promoverem o ambiente de trabalho saudável.

O LABPATS defende que o Ambiente de Trabalho Saudável deve ser compreendido de forma sistémica tendo em conta a cultura e os valores da organização, o compromisso da liderança, o envolvimento do profissional, o ambiente psicossocial do trabalho que envolve a saúde mental, as exigências do trabalho, as relações interpessoais laborais (liderança e colegas), o conteúdo do trabalho, a autonomia, perceção de justiça, segurança e desenvolvimento pessoal e profissional. O ambiente físico, o envolvimento com a comunidade e a responsabilidade social e os recursos para a saúde também fazem parte integrante desse ecossistema.

No estudo aprofundado das mulheres ao nível dos ambientes de trabalho saudáveis verificamos que são as mulheres que mais percecionam menos envolvimento da liderança, sintomas de burnout e stress mais elevados, menos recursos para a saúde e pior experiência ao nível do teletrabalho. Quando comparamos as mulheres com função de liderança com as mulheres sem função de liderança verificamos que têm uma escolaridade mais elevada, uma perceção mais saudável e positiva do ambiente de trabalho especialmente ao nível da cultura e valores, compromisso da liderança e ambiente psicossocial do trabalho. No entanto, as mulheres líderes revelam menor qualidade de vida, maior tempo de ecrã para trabalhar e índices de stress mais elevados (Gaspar et al., 2023).

Após análise aprofundada dos desafios e boas práticas para a promoção de ambientes de trabalho saudáveis propostos ao nível nacional e internacional e tendo como base os resultados do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis (Gaspar et al., 2023), apresentamos as seguintes recomendações organizadas de forma ecológica em quatro áreas: POLÍTICAS PÚBLICAS, ORGANIZAÇÕES, LIDERANÇAS e SOCIEDADE, de encontro aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que reforcem o papel da liderança das mulheres e contribuam para a diminuição das desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres.

AO NÍVEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

• Estabelecer a igualdade e equidade ao nível da liderança e oportunidades para as mulheres enquanto prioridades nas políticas e programas nos diferentes ministérios.

• Promover a igualdade e equidade ao nível das oportunidades das mulheres – idade, educação, etnia, etc.

• Promover programas de incentivos e/ou benefícios fiscais e outros para Organizações Promotoras de Ambientes de Trabalho Saudáveis, de forma a promover, valorizar e incentivar organizações com cultura e práticas de paridade de género e valorização da liderança das mulheres

• Valorizar e promover a conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal/familiar.

• Valorizar e promover a confiança e celeridade do Sistema de Mediação Laboral e Sistema Judicial atribuindo mais recursos (económicos, humanos, materiais,

etc.) para o funcionamento destes órgãos, para aumentar a confiança na aplicação das medidas de igualdade e diminuir as situações de assédio no trabalho baseadas no género.

• Promover um trabalho mais humanizado e digno.

• Apoiar proativamente e aumentar a representação das mulheres nos órgãos executivos e legislativos, fazendo questão de garantir que elas tenham poder real e não apenas números. A maioria dos países que alcançaram ou ultrapassaram 40% de representação das mulheres no parlamento, por exemplo, introduziram quotas de género legisladas.

• Assegurar que as políticas relativas ao local de trabalho em todos os setores sejam sensíveis às questões de género. Durante a pandemia, por exemplo, as mulheres tiveram melhores resultados nos países que tomaram medidas para proteger os postos de trabalho e permitir regimes de trabalho flexíveis. Devem também ser implementadas estratégias para eliminar os preconceitos de género na força de trabalho e promover a diversidade e a inclusão, tais como benefícios de licença parental, para que as mulheres possam progredir nas suas carreiras.

AO NÍVEL DAS ORGANIZAÇÕES

• Incentivar a avaliação e monitorização do bem-estar e saúde organizacional numa perspetiva ecológica considerando a organização um todo, valorizando a equidade e a igualdade de género.

• Implementar programas de prevenção dos riscos psicossociais e de programas de promoção do bem-estar psicológico, participação e desempenho dos profissionais, principalmente ao nível do stress, burnout, assédio e na conciliação entre o tempo de trabalho e o tempo de “lazer”.

• Realizar de forma regular ações de sensibilização e de formação na área da literacia de igualdade de género, saúde psicológica e social, incluindo a promoção do autocuidado enquanto cultura do ecossistema.

• Promover a valorização da organização enquanto “local de trabalho amigo das mulheres” e respetivos requisitos.

• Acompanhar e monitorizar a implementação das medidas de melhoria continua e progressiva.

• Promover a participação das mulheres em funções de liderança na definição das políticas empresariais e na participação em atos de gestão das organizações, favorecendo a autonomia e responsabilidade.

• Flexibilizar a realização de teletrabalho ou trabalho híbrido, sempre que possível.

AO NÍVEL DAS MULHERES LÍDERES

• Colocar o bem-estar dos profissionais como uma prioridade das práticas de gestão de recursos humanos.

• Privilegiar a promoção do desenvolvimento pessoal e profissional das mulheres em desvantagem socioeconómica e social.

• Incentivar a formação continua de conhecimentos e competências de liderança.

• Promover a liderança baseada na empatia. Estar junto dos profissionais, manter comunicação fluida e com proximidade. Interesse pelos profissionais como pessoas.

• Dar voz aos profissionais: promoção de momentos de partilha, escuta ativa com segurança psicológica.

• Promover relações laborais positivas: interajuda, trabalho em equipa solidariedade e empatia.

• Promover recompensas aos profissionais pelo seu mérito: recompensas financeiras e não financeiras (elogios, reconhecimento, flexibilidade, benefícios, atribuição de dias de férias/folgas extras associadas ao bom desempenho, etc.).

• Promover a assertividade junto da administração/direção paraa gestão conjunta de  objetivos e gestão de desempenho da própria liderança e dos profissionais – justa e realista.

AO NÍVEL DA SOCIEDADE

• A sociedade civil a todos os níveis, desde a base até à escala mundial, pode defender com mais força e de forma mais direcionada e orientada a melhoria das oportunidades das mulheres para se tornarem líderes.

• Todas as organizações (organizações governamentais e não-governamentais)
podem garantir que as vozes e a orientação das mulheres influenciam as atividades e parcerias existentes, ao mesmo tempo que apoiam a criação de novas atividades lideradas por mulheres.

• Todos os intervenientes, incluindo os governos, a sociedade civil, as empresas, as universidades, escolas profissionais e as associações de profissionais e cívicas, devem apoiar as raparigas adolescentes e as mulheres jovens para que se tornem líderes; criar oportunidades para que as raparigas adolescentes e as mulheres jovens participem na conceção de programas e políticas que tenham impacto nas suas oportunidades de vida; e investir em processos de responsabilização liderados por jovens mulheres com vista à sustentabilidade das medidas.