A JORNADA DE UMA COMUNICADORA E LÍDER

Sandra Cardoso, Diretora do Departamento de Formação, Investigação e Desenvolvimento da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde

Nasci no início da década de 80 na ilha da Madeira.  Em Gaula da minha infância habituei-me a contemplar o horizonte, que então acabava nas Desertas, e a simplicidade da vida. Desde muito cedo, soube que queria contar a história do quotidiano, as notícias dos dias e as estórias das gentes. Ainda não tinha 10 anos e já ambicionava ser jornalista. Aos oito anos, fascinavam-me as coberturas eleitorais, mas foi a guerra no Golfo, a primeira em direto, que determinou o meu destino profissional. Aos 18 anos saí da ilha rumo a Lisboa, com uma mala cheia de sonhos, alguns medos e muita determinação. Licenciei-me em jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social e ingressei na profissão quase de imediato. Um estágio no jornal de distribuição gratuita Destak, em 2004, abriu-me as portas. Trouxe-me muitos leitores e com isso grande responsabilidade no uso a dar à palavra e à capacidade de escrever de forma clara, concisa e para todos, que me acompanha até hoje.

Fui jornalista durante 12 anos. Passei por vários jornais e revistas, escrevi sobre política, cultura, saúde, sociedade, economia e até desporto. Fui durante nove anos correspondente do Diário de Notícias da Madeira em Lisboa, uma grande escola de jornalismo e cidadania tendo acompanhado muita da atividade parlamentar e entrevistado os grandes protagonistas políticos da altura.

Apesar de ter deixado a profissão, em 2017, e ter-me dedicado a outras áreas, continuo a acreditar na capacidade transformadora da comunicação: nas pessoas, nos projetos, nos organismos e empresas, no mundo. Acredito que comunicação é muito pouco o que se diz e muito mais o que é entendido, como dizia David Ogilvy.

Fui assessora de Comunicação na Assembleia da República, adjunta e depois chefe do gabinete do Secretário de Estado Adjunto e Saúde no período da pandemia, que considero, até à data, a melhor, mais desafiante e difícil fase profissional da minha vida. Acompanhei e ajudei na preparação de centenas de conferências de imprensa durante a pandemia com o Secretário de Estado e a Diretora-Geral da Saúde, sempre com uma preocupação de informar com clareza e verdade. O grande desafio era fazê-lo num momento de crise internacional, de grande incerteza, procurando conciliar o tempo da ciência com o tempo da política e a necessidade imperiosa de esclarecer a população, evitando o pânico generalizado. Foi também, particularmente desafiante do ponto de vista da conciliação da vida profissional e familiar. Fui, como muitas pessoas, dos que não puderam ficar em casa, o que, com duas crianças, uma delas a dar os primeiros passos na leitura, em aulas online, num período tão exigente e desgastante, foi particularmente complexo de gerir.

Posteriormente fui Diretora de Comunicação e Relações-Públicas da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e sou, atualmente, Diretora do Departamento de Formação, Investigação, Inovação e Desenvolvimento da Direção-Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), desafio que abracei mais recentemente. Tenho estado empenhada em projetos de melhoria do SNS, com enfoque na literacia e promoção da saúde, que me ocupam, me motivam e me enchem de orgulho.

Coordenei as últimas grandes campanhas de comunicação em Saúde para o SNS, nomeadamente a campanha “De bem a melhor”, que pretendeu informar os cidadãos factos relevantes para a sua saúde – como a possibilidade de fazerem, pela primeira vez, a vacinação Gripe e Covid de forma gratuita nas farmácias, aviar receitas, durante 12 meses, sem ter de ir ao Centro de Saúde revalidar a prescrição, bem como sensibilizar para  o uso da Linha SNS 24, antes da ida à Urgência – com uma abordagem mais leve e próxima do cidadão, usando a sátira e o humor.

A campanha, que teve como protagonista o humorista e médico Carlos Vidal, recebeu recentemente o Bronze nos prémios Eficácia da Comunicação na Categoria Saúde. Não foi o único galardão que tive oportunidade de erguer este ano. Em junho, em Málaga, recebi o prémio de ‘Melhor Campanha de Marketing’, pela SPMS, pela campanha “Ligue Antes, Salve Vidas” no Digital Enterprise Show. cerimónia que distinguiu empresas e projetos em seis categorias diferentes. A Campanha ‘Ligue Antes, Salve Vidas’ foi homenageada pela estratégia, criatividade e execução que levou a excelentes resultados na promoção de serviços do SNS, no contexto da transformação e inovação digital, na imprensa, rádio, redes sociais, entre outros meios.

Embora os prémios não sejam o mais importante, são um estímulo para continuar o trabalho numa área onde a comunicação, muitas vezes, não é vista de uma perspetiva estratégica, como a encaro. Deve estar no início e na própria conceção dos projetos e ideias e não no fim de linha, quando aparecem problemas. Acredito numa comunicação consistente, proativa, resolutiva e galvanizadora dos projetos e não apenas reativa e de crise.  Gosto de usar as palavras e o poder da comunicação para melhorar a literacia em saúde da nossa população, levando-as a tomar decisões mais informadas para benefício da sua própria saúde, com ganhos de eficiência e eficácia para o próprio sistema. Faço-o para todos e também pela minha mãe, que morreu aos 58 anos, vítima de um cancro que poderia ser tratado, se descoberto precocemente num rastreio como os que há disponíveis, gratuitamente, no SNS.

Contadora de estórias e fascinada pelo storytelling, gosto de contar episódios que de outra forma ficariam por contar. Foi isso que procurei fazer, por exemplo, com o projeto ‘45 anos, 45 histórias’, que assinala os 45 anos do SNS nas redes sociais, em que todas as semanas, se conta o que de melhor acontece nas unidades de saúde do país, de norte a sul. Estórias de superação, coragem, excelência clínica, humanismo.

Escrevi o livro “Contos Insularados”, lançado em 2024, que reúne um conjunto de crónicas publicadas no Jornal da Madeira, onde ainda escrevo periodicamente. É uma forma de manter a ligação aos jornais e à terra, de onde saí, mas que é parte integrante da minha própria história. São páginas intimistas e de alguma intimidade, mas são mais do que pequenas memórias de infância. São a minha voz, que retrata também, e de forma mais espontânea do que pensada, muito do papel da mulher, em particular da madeirense, das minhas antepassadas, que apesar de viverem numa sociedade muito fechada, deixaram um magnífico legado às filhas, netas e bisnetas, que é a possibilidade de terem escolhas.

O melhor projeto de vida, porém, é o da maternidade. Sou mãe do Pedro, 15 anos, e da Leonor, de 11 anos. São eles que mais me movem/fazem mover. Acredito que a melhor forma de educar é pelo exemplo e procuro passar-lhes os valores da empatia, solidariedade, trabalho, compromisso, fundamentais para a tomada de decisão nas suas vidas adultas, que procurem deixar tudo melhor do que encontraram.

Um lema que procuro seguir nas equipas que tenho tido o privilégio de liderar. Acredito na coordenação de equipas pelo envolvimento nos projetos, pelo exemplo e em diálogo. Tive funções de coordenação muito cedo, desde os 25 anos, primeiro como editora em jornais, no Ministério da Saúde com a equipa do Gabinete do Secretário de Estado, equipas de comunicação e relações-públicas no Parlamento e na SPMS e agora uma equipa numa área tão importante como a da Formação, Investigação, Inovação e Desenvolvimento, para todo o SNS.  A gestão de equipas é algo complexo e exigente, pelo que continuo ainda hoje a aprender.

Fiz uma Pós-Graduação em Comunicação Estratégica na Universidade Católica, o Programa de Alta Direção em Saúde da AESE e a sou doutoranda no ISCTE. Prefiro a empatia, o envolvimento e o reconhecimento, ao invés de advertência  sem feedback e  microgestão. Nada fiz sem as minhas equipas, a quem tudo devo, e defendo que, mais do que tirar o melhor de cada elemento, é responsabilidade de um líder potenciar as características de cada um, com respeito e em cooperação.

No lançamento do meu livro em maio em Lisboa, um dos apresentadores dizia que nunca saiu em branco o que tinha por missão colorir.  Enterneceu-me e espero que assim continue, porque o melhor projeto é sempre o que está por cumprir.