CONSTRUINDO PARIDADE: A MULHER NO ESPAÇO PÚBLICOE NA LIDERANÇA

Sofia Caseiro, Jurista | Formadora | Investigadora

Recentemente, li num jornal local uma notícia sobre o longo caminho a percorrer para existir paridade entre homens e mulheres nos nomes das ruas da minha cidade. O estudo Mapping Diversity realizado pela OBC Transeuropa publicado em 2023[1], ilustra o alcance desse desafio ao revelar que apenas 9% das ruas em 32 cidades europeias homenageiam mulheres, com Portugal a apresentar números ainda mais baixos em Lisboa e no Porto, com cerca de 4%. [2]

Estes dados suscitam importante reflexões sobre representatividade e sobre paridade. As ruas por onde caminhamos refletem os nossos valores, a nossa história e a nossa vivência em sociedade. Será que a menor presença nas placas toponímicas sugere menor importância histórica das mulheres? Claro que não! No entanto, podemos compreender esta ausência através de uma análise histórica dos papeis de género nos últimos séculos.

Tradicionalmente, s homens ocupavam o espaço público, sendo responsáveis pelo sustento da família, enquanto às mulheres cabia a esfera privada – cuidar da casa e da família. Esta divisão, socialmente estabelecida, entre o espaço público e o espaço privado teve profundas implicações no contexto social, económico e legal. Quando a mulher ingressou o mercado de trabalho, e começou a reivindicar o seu espaço na vida pública essas desigualdades começaram a emergir.

As mulheres continuam a ser cuidadoras no âmbito privado e são elas que, na larga maioria das vezes, assumem a responsabilidade de determinadas tarefas essenciais dentro de uma casa (lavar a roupa, cozinhar, limpar a casa, etc.)[3]. São também as mulheres que usufruem, de forma expressiva, da licença de parentalidade (apesar de a estatística demonstrar que há uma tendência de aumento de homens a exercer este direito). Vários fatores poderão explicar estas estatísticas, diferentes vivências e contextos – a educação, a cultura, as circunstâncias socioeconómicas entre outros. Contudo, interessa-nos refletir sobre as consequências desta desigualdade dentro de casa, do foro doméstico na vida pública.

É claro que estando, historicamente, dedicadas ao foro privado, poucas teriam a visibilidade, o privilégio ou oportunidade de ser consideradas como figuras proeminentes na sociedade merecedoras de nomes de ruas. É claro que estando preocupadas com os filhos, com as tarefas domésticas e o equilíbrio e bem-estar das suas casas, menos mulheres tenham a possibilidade de estar presentes politicamente, ao serviço do bem comum – pelo menos diretamente.

Estas evidências revelam-nos uma das razões pelas quais temos menos mulheres no lugar público, mas não é a única.

Outra razão, relaciona-se com a proteção necessária para que as mulheres assumam responsabilidades de foro público e de políticas públicas que promovam essa mesma participação.

Isto é necessário porque – sejamos sinceras – nunca chegaremos a uma democracia paritária ou, na visão da nossa única Primeira-Ministra Maria de Lurdes Pintasilgo, a uma democracia, se não incluirmos as mulheres e as suas experiências na nossa política, na discussão pública e nas decisões em sociedade. A presença das mulheres nos cargos de liderança, sejam privados ou públicos, traz-nos uma visão adicional que apenas acrescenta e enriquece o bem comum.

Apesar da Lei da Paridade, aprovada em 2006 e alterada em 2019, estabelecer um mínimo de candidatos de sexo diferente de pelo menos 40% nas listas candidatas, talvez o número não nos baste. Interessa saber se a tal experiência e contexto que uma mulher traz à discussão está de facto presente, ou se os números exigidos pela lei da paridade trazem apenas números e não representação substantiva.

Precisamos de mulheres ativas, participantes; cidadãs presentes e participativas; e como comunidade precisamos de apoiar esta participação – criar políticas que facilitem a dupla jornada de trabalho (privada e pública) de muitas mulheres; que eduquem para a cidadania sustentável e informada; que incentivem o espírito crítico e a responsabilidade pelo bem comum.

Estas mulheres são a porta – criam representatividade, nas ruas, nos meios de comunicação, no espaço público em geral. E a representatividade abre-nos aos sonhos, impedindo que se levantem barreiras e obstáculos, criando crenças que não limitam as nossas escolhas e que nos levam a uma sociedade inclusiva e igualitária em que todas as pessoas podem contribuir na mesma medida, de acordo com as suas competências e qualidade.

Mais que nunca, é essencial olhar à volta com esta consciência, com esta lente – será que ainda não atingimos paridade porque não há condições? Será que as condições que estamos a criar são suficientes? Será que estamos a conseguir romper com os telhados de vidro para todas as mulheres em todos os contextos?

 

[1] https://mappingdiversity.eu/

[2] Estes dados levaram a uma reflexão interessante na União de Freguesias da minha localidade que levou à criação do projeto “pelos caminhos da igualdade: toponímia em feminino na União das Freguesias de Marrazes e Barosa” promovendo a reflexão sobre a inexistência de paridade nos nomes das ruas da freguesia e chamando à atenção para essa desigualdade https://www.regiaodeleiria.pt/2023/02/nomes-de-mulheres-a-homenagear-nas-ruas-de-marrazes-e-barosa-ja-comecaram-a-chegar-a-uniao-das-freguesias/

[3] Dados do Boletim Estatístico da Comissão para a Igualdade de Género disponível em https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2023/11/BE2023conciliacao.pdf

 

BIOGRAFIA:

Sofia Caseiro cresceu em Marrazes, Leiria. É licenciada em Direito e Mestre em Direito Internacional Público e Direito Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Para conclusão do Mestrado apresentou a dissertação “Longe de casa, longe da justiça? – O acesso à justiça por parte dos refugiados”.

Movida pela paixão pelos Direitos Humanos, participou ativamente em várias organizações não governamentais e projetos europeus focados em democracia e direitos humanos. Aprofundou a sua especialização em Direitos Humanos concluindo uma Pós-Graduação em Direitos Humanos, que abriu as portas ao gosto pela investigação em temas como a igualdade de género, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a democracia e o seu diálogo com a tecnologia. Tem apresentado a sua investigação em vários congressos e conferências, e publicado alguns trabalhos nacional e internacionalmente.

Em 2018, publicou “Portugal e a Proteção de Internacional de Direitos Humanos” uma obra que reúne informações de forma prática sobre o conteúdo e funcionamento dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos a que Portugal aderiu.

É formadora freelancer em Igualdade de Género, Direito do Trabalho e Proteção de Dados. Atualmente exerce funções como Assistente Convidada no Instituto Politécnico de Leiria, tendo especial interesse em desmistificar o direito como instrumento útil e transversal em todas os meios de trabalho.

Em 2023 ingressou no Doutoramento em Direitos Humanos nas Sociedades Contemporâneas no Instituto de Investigação Interdisciplinar (III/CES) da Universidade de Coimbra, onde se dedica à investigação sobre a presença das mulheres na política.

É a criadora da MUPP – mais um projeto paixão, um projeto de artesanato em bijuteria com argila polimérica, encontrando aí um espaço criativo e empreendedor.

Acredita que o conhecimento empodera e procura projetos que criar conhecimento e discussões saudáveis, empáticas e transformadoras.