A compreensão e promoção da saúde mental e qualidade de vida em adolescentes e jovens requer uma abordagem desenvolvimentista e ecológica. A conceptualização dos problemas ao nível da saúde mental e qualidade de vida requer um modelo abrangente de saúde subjetiva e multidimensional, e devem ser compreendidos como constructos psicológicos que incluem o bem-estar físico, psicológico, mental, social, funcional e ambiental.
A saúde mental é uma parte integrante da capacidade dos adolescentes e jovens se desenvolverem e de viverem a sua vida de forma plena, nomeadamente na sua capacidade de desenvolver relações interpessoais e afetivas, de estudar, trabalhar, desenvolver atividades de lazer e enriquecimento social e cultural, assim como na sua capacidade de tomada de decisão e de estabelecer e perseguir objetivos. Perturbações ou dificuldades acentuadas ao nível da saúde mental e qualidade de vida podem comprometer estas capacidades e consequentemente o desenvolvimento do potencial dos indivíduos e das sociedades. A saúde mental está associada com o bem-estar e a qualidade de vida através dos quais as pessoas concretizam o seu potencial, desenvolvem relações sociais de qualidade e contribuem para o seu desenvolvimento e o da sua comunidade.
O bem-estar e a qualidade de vida dependem de um ponto de equilíbrio entre uma perspetiva integradora e parcelar. Essa estrutura dimensional envolve cinco domínios, nomeadamente: (a) bem-estar material: situação económica, qualidade de habitação, transporte; (b) bem-estar físico, que envolve a saúde, capacidade física, mobilidade, segurança pessoal; (c) bem-estar social, associado às relações interpessoais e envolvimento comunitário; (d) bem-estar emocional, relacionado com o positivismo/otimismo, estatuto, respeito, saúde mental, stress, fé, crença e autoestima; e (e) bem-estar produtivo, relacionado com competência, produtividade e contribuição.
A qualidade de vida dos indivíduos está intimamente relacionada com a sua saúde mental e bem-estar subjetivo. Diversos conceitos estão intimamente ligados à saúde mental, tais como resiliência, otimismo, psicologia positiva, capital social, ambiente salutogénico e qualidade de vida.
Durante a adolescência, como período de transição evolutiva entre a infância e a idade social adulta, parece aumentar a presença de sintomas de ansiedade e depressão. A presença de sintomas psicossomáticos, de preocupações e de comportamentos autolesivos também aumenta na adolescência.
O aparecimento de sintomas clinicamente significativos na adolescência, por sua vez, aumenta o risco de sofrer distúrbios psicológicos na idade adulta. São diversos os fatores que podem influenciar a saúde mental e o bem-estar dos adolescentes: a relação com os pares, o relacionamento com a família, o consumo de substâncias, as perturbações mentais, a falta de competências pessoais e sociais, entre outros. Não há uma causa única para os problemas de saúde mental e ninguém se encontra imune.
Além disso, durante a adolescência aparecem as primeiras diferenças de género: a este respeito, as raparigas apresentam um risco maior do que os rapazes em termos de sintomas internalizantes (como ansiedade e depressão), e os rapazes estão mais em risco do que as raparigas em sintomas externalizantes (como uso de substâncias ou comportamento agressivo).
Nas sociedades mais desenvolvidas, o foco dos serviços de saúde passou para a promoção e educação para a saúde, tentando levar os indivíduos a adotar estilos de vida saudáveis desde as idades mais precoces, no sentido de uma melhor saúde mental e qualidade de vida, daí a importância crescente atribuída ao trabalho de promoção de saúde desenvolvido nos diferentes contextos e envolvendo os diferentes atores da vida dos indivíduos. Uma vez identificados os fatores de risco, eles podem vir a ser o ponto de partida ou o foco para as estratégias e ações de promoção da saúde.
A promoção de saúde implica o apoio ativo do bem-estar físico, mental e social dos indivíduos. A prevenção de saúde preocupa-se com fatores que podem ser ameaças à saúde e bem-estar, assim como com intervenções preventivas. A saúde subjetiva ou perceção de bem-estar são considerados aspetos importantes na promoção de saúde e são indicadores relevantes na área da saúde pública.
“A monitorização do estado de saúde mental e bem-estar de uma população é uma das principais atividades da investigação em saúde pública e psicologia da saúde.”
Quando se analisam resultados no âmbito da prevenção e promoção de saúde mental, que envolvem estudos e intervenções, é importante ter em conta a perceção de saúde da população-alvo, nomeadamente ao nível físico, cultural, envolvimento social, pressões sociais, comportamentos de saúde e processos psicossociais, tais como estilos de coping e suporte social. Estes fatores podem funcionar como protetores ou risco na saúde mental e no bem-estar. Como consequência, podem ser identificadas pessoas em risco em termos da sua saúde subjetiva, nomeadamente raparigas, jovens mais velhos, crianças e adolescentes com necessidades especiais de educação e saúde, com problemas de comportamento, exclusão e isolamento social, etc. A estes podem ser fornecidos programas de intervenção baseados na evidência e, adicionalmente, a avaliação dos resultados contribui para a elaboração de recomendações e boas práticas promotoras da saúde mental e qualidade de vida. Se as pessoas apresentarem mais fatores protetores têm tendência para avaliar o seu bem-estar e qualidade de vida como mais positiva. O fator protetor pode mediar a relação entre as características e competências dos indivíduos e as ameaças dos fatores externos.
A pandemia Covid-19 foi uma das piores pandemias a nível mundial nos últimos séculos, afetando a vida dos indivíduos em diversas áreas, tais como familiar, social, laboral, educacional e económica.
No entanto, é importante realçar que muitos destes efeitos permanecem no período pós-pandemia, agravados pela recessão económica e o clima de incerteza que se instalou ao nível global por causa das guerras e alterações climáticas, com crescentes implicações no dia-a-dia das pessoas.
Como está a saúde mental dos adolescentes?
O estudo Health Behaviour School-aged Children colaborativo da Organização Mundial de Saúde é realizado em 51 países e revela agravamento ao nível da saúde mental e bem-estar dos jovens, especialmente as raparigas, os adolescentes mais velhos e os jovens com estatuto socioeconómico mais desfavorecido. A pior notícia está relacionada com a saúde mental e a perceção de bem-estar dos adolescentes portugueses.
- Perceção de infelicidade aumentou de 18,3% para 27,7%.
- Sentir-se tão triste que não aguenta (todos os dias) passou de 5,9% para 8,7%.
- Autolesão (magoar-se a si próprio de propósito) passou de 19,6% para 24,6%.
Dos que referem já se ter magoado de propósito (autolesão), o braço continua a ser o local do corpo onde mais se magoam, verificando-se um aumento de 58,7% em 2018 para 69,5% em 2022. - Sintomas físicos (quase todos os dias) – aumentaram a dor de cabeça (5,3% para 8%), a dor de costas (8,6% para 12,2%), a dor de pescoço e ombros (6,3% para 9,2%), as tonturas (3,2% para 5,3%) e o cansaço/exaustão (17,9 para 18,8%).
- Sintomas psicológicos (quase todos os dias) – aumentou a tristeza (9,2% para 11,6%), o mau humor/irritabilida- de (12,6% para 15,8%), o estar nervoso (13,6% para 21%) e o ter medo (6,3% para 9,1%).
- A grande maioria dos adolescentes refere que dorme bem, embora uma maioria venha a referir que lhe custa acordar de manhã, que dorme pouco, ou que dorme demais, que lhe custa adormecer, que acorda antes da hora ou a meio da noite.
- Reportam dificuldade em adormecer (17,9%) e dormir menos de 8 horas durante a semana (46,2%) e ao fim de semana (23,4%). De 2018 para 2022 verificou-se que existem menos jovens a referir dormir bem (94,6% para 91,1%) e mais jovens a referir dormir pouco (59,7% para 68,6%), custar a adormecer à noite (59,6% para 64,1%), acordar de manhã antes da hora que precisam (54,4% para 62,8%), acordar a meio da noite (49,1% para 56,3%), ter o sono agitado (47,8% para 50%) e ter pesadelos durante o sono (44,8% para 47%). Para além disso, a quantidade de horas de sono de semana e ao fim de semana sofreu uma diminuição, tendo os jovens referido dormir menos de 8 horas durante a semana (39,2% em 2018 e 46,2% em 2022) e também ao fim de semana (20,7% em 2018 e 23,4% em 2022).
- A toma de medicação no último mês também aumentou de 2018 para 2022. Os aumentos mais referidos foram as vitaminas ou suplementos alimentares (de 17% em 2018 para 22,2% em 2022), da medicação para o “nervosismo” (de 11,2% em 2018 para 16% em 2022), para as dificuldades em adormecer (de 9% em 2018 para 14,6% em 2022) e para a tristeza (de 6,5% em 2018 para 10% em 2022). A percentagem de jovens que referiu que a medicação tomada foi receitada por um médico reduziu de 73,8% em 2018 para 60,3% em 2022.
Conclui-se que, ao nível da saúde mental e bem-estar, temos diversos indicadores que revelam que a saúde mental é um grande desafio: a perceção de infelicidade e tristeza, o aumento de preocupações, stress e dificuldade em controlar e gerir os problemas. Aumento de comportamento autolesivo. Aumento de medicação para sintomas psicológicos (para o nervosismo, para as dificuldades em adormecer e para a tristeza).
- 47,6% dos adolescentes declara utilizar a internet para fugir de sentimentos negativos.
- Os adolescentes referem a saúde mental como a principal área afetada pela COVID-19.
- A grande maioria dos adolescentes refere que dorme bem, mas também uma maioria refere que lhe custa acordar de manhã, que dorme pouco, ou que dorme demais, que lhe custa adormecer, acorda antes da hora ou a meio da noite.
Família
A maioria dos adolescentes tem uma relação de qualidade com a família e refere facilidade em comunicar com os pais. No entanto, 27,3% não concorda que pode falar com a família sobre os seus problemas, 24% não concorda que tem o suporte emocional que precisa da sua família, 18,8% refere que não concorda que a família está disponível para ajudar a tomar decisões e 18% não concorda que a família tenta realmente ajudar.
Uma relação mais próxima entre a família e a escola também é algo que os adolescentes gostariam de melhorar. As barreiras mais referidas são a pouca participação dos pais na associação de pais (31%), a falta de iniciativa da escola (professores/ diretores) à participação dos pais (28,2%), falta de iniciativa própria dos pais em se dirigirem à escola (27,1%) e falta de comparência às reuniões de pais (23,6%).
Escola
Um terço dos adolescentes refere não gostar da escola, um quarto sente muita pressão/stress relacionado com os trabalhos da escola.
As maiores dificuldades relacionadas com a escola e com os trabalhos da escola referidas pelos adolescentes às vezes ou sempre são: a matéria ser demasiada, a matéria ser aborrecida, a avaliação ser um stress e a matéria ser muito difícil.
A perceção da qualidade de relação com os colegas e com os professores é elevada e a escola é um lugar seguro para a maior parte dos adolescentes.
Amigos, tempos de lazer e tecnologias
Os desafios ao nível do tempo de lazer e tecnologias são, por um lado, a reduzida percentagem de adolescentes que lê ou se envolve em atividades cívicas, clubes ou mesmo atividades desportivas. Por outro lado, recorrem à utilização das tecnologias para fugir de sentimentos negativos ou os sintomas de dependência das tecnologias.
E como está a saúde mental dos jovens universitários?
Os estudos demonstram que, quer durante, quer após a pandemia, os estudantes universitários apresentam elevados níveis de ansiedade, depressão e de problemas emocionais (HOUSE-Colégio F3, ULisboa, 2022; Teixeira & Moreira, 2023). Durante a pandemia, os estudantes universitários referiram que devido à Covid-19 surgiram diversos problemas, como ansiedade (84,5%), preocupações (76%) e depressão (74,8%). Neste mesmo estudo, 12,9% dos estudantes referem que se sentiam tristes/deprimidos quase todos os dias, 11,8% referem que se sentiam irritados e 20,4% sentiam-se nervosos. Noutro estudo, realizado pós-pandemia, verificou-se que 48% apresentam sintomatologia grave, 8% moderada, sendo estas percentagens relativas ao nível da ansiedade, perda de controlo emocional e depressão, e verificou-se também que 23% dos estudantes universitários já tinham pensado, pelo menos uma vez, em acabar com a própria vida .
A elevada prevalência de problemas de saúde mental juntos dos estudantes universitários encontra-se muitas vezes associada aos desafios que esta população enfrenta ao longo do seu percurso académico, como ter de mudar de casa, a carga horária, a exigência e pressão académicas ou ter de conciliar a vida académica com a vida profissional.
A presença de problemas de saúde mental tem um elevado impacto na forma como os estudantes desempenham o seu papel social e no seu desenvolvimento académico. Em alguns casos, pode levar ao abandono do ensino superior e a consequências no funcionamento do indivíduo a longo prazo. Podem ser identificados diversos fatores de risco associados ao stress, ansiedade e depressão dos estudantes universitários, tais como fatores psicológicos (e.g., baixa autoestima e autoconfiança, tipos de personalidade e solidão), fatores académicos (e.g., área de estudo, conclusão dos estudos e incerteza face ao futuro, elevada carga horária, pressão académica, baixo desempenho académico, períodos de exames/avaliações), fatores biológicos (e.g., problemas de saúde física e doença crónica, género feminino), fatores do estilo de vida (e.g., consumo de álcool, tabaco e outras substâncias ilícitas, hábitos alimentares pouco saudáveis, não praticar exercício/ atividade física e quantidade e qualidade do sono insuficiente), fatores sociais (e.g., falta de suporte social e apoio da família, não envolvimento em eventos/atividades sociais (e.g., clubes e grupos académicos ou equipas desportivas), vitimização sexual, uso excessivo de internet e redes sociais, pertencer a grupos minoritários éticos e religiosos (estigma associado à saúde mental) e fatores económicos (e.g., falta de suporte financeiro, baixos rendimentos familiares, pobreza na infância).
A presença de problemas de saúde mental, nomeadamente o stress, a ansiedade e a depressão, está associada a uma menor qualidade de vida e bem-estar dos estudantes.
Um dos fatores de proteção identificados na literatura é a aquisição de competências pessoais e sociais por parte dos estudantes, com vista a uma maior capacidade de adaptação e de resolução de problemas. Estas encontram-se associadas ao desempenho académico e sucesso escolar, bem como estão relacionadas com o bem-estar social e emocional dos jovens. Desta forma, as competências pessoais e sociais estão positivamente relacionadas com o bem-estar e com o crescimento e o desenvolvimento dos indivíduos.
Assim, as escolas e as organizações de ensino superior, enquanto organizações promotoras de desenvolvimento saudável, desempenham um papel importante de na promoção de competências, de bem-estar e de saúde mental juntos dos estudantes, docentes e não-docentes. A intervenção, que inicialmente era focada na resolução de problemas individuais e ao nível da saúde mental, tem vindo a evoluir, disponibilizando ações e serviços mais vastos, que consideram o indivíduo como um todo, em interação com outros e com o contexto. Desta forma, as intervenções devem ser globais, preventivas e promotoras de um bom funcionamento individual, coletivo e organizacional, com vista a contribuir para o bem-estar de todos os intervenientes. Para além dos aspetos já mencionados, os estudos demonstram que as intervenções que estão integradas na prática do dia-a-dia e estão presentes na cultura da organização, procurando envolver todos os intervenientes do contexto, nomeadamente estudantes, docentes e não docentes, bem como desenvolver um trabalho em rede com entidades e parceiros externos, contribuem para um melhor desenvolvimento de competências sociais e emocionais dos jovens.
Enfatiza-se a importância de intervenções preventivas que reduzem os fatores de risco e aumentam os fatores de proteção podem limitar o início e a progressão de situações clínicas e promover uma boa saúde mental dos estudantes.
Em suma
A saúde mental está a agravar-se da adolescência até aos jovens adultos.
Verifica-se:
- aumento de sintomas ansiosos e depressivos,
- menor perceção de bem-estar e qualidade de vida,
- menor perceção de felicidade,
- menor perceção de competência,
- fracas expectativas face ao futuro,
- maiores dificuldades nas relações interpessoais, especialmente com a família,
- difícil relação com a escola e processo ensino-aprendizagem,
- maiores índices de dependência de redes sociais.
As raparigas, os jovens mais velhos e os jovens com estatuto socioeconómico mais baixo apresentam maior risco.
O que fazer?
Na promoção da saúde mental, é importante:
- permitir a diminuição do impacto das desigualdades socioeconómicas através de apoios às famílias e maiores oportunidades no contexto escolar relacionadas com apoio e acompanhamento escolar e apoio psicológico;
- definir medidas de incentivo e apoio ao nível do emprego e habitação dignos para jovens;
- desenvolver programas de promoção de competências socioemocionais, resiliência e outras competências para a vida: estes programas devem estar integrados no plano curricular e ser desenvolvido ao longo da formação escolar e académica (escolas e universidades);
- definir ações de literacia psicológica que promovam o autoconhecimento e conhecimento do outro para identificar indicadores de risco o mais precocemente possível e promover o autocuidado (programas para adolescentes e jovens e para os adultos de referência, pais, professores e outros profissionais da área da educação/ formação);
- criar gabinetes de psicologia em todas as escolas e universidades com valência de prevenção, promoção da saúde, tratamento e reabilitação ao nível da saúde mental para estudantes, profissionais e familiares;
- avaliar e monitorizar a saúde mental dos adolescentes e jovens de forma a medir o impacto das intervenções e identificar necessidades emergentes.
Deve-se relembrar que a saúde mental é um desafio global, é um assunto de saúde pública. A promoção da saúde mental carece de medidas macro ao nível governamental, ao nível meso, da sociedade e comunidade, ao nível das organizações (escolas, locais de trabalho, entre outras), e ao nível micro, junto dos adolescentes e jovens e das suas pessoas significativas.