MIOMAS UTERINOS

MARIA GERALDINA CASTRO DIRETORA MÉDICA DA GEDEON RICHTER PORTUGAL

Os miomas uterinos, também designados por fibromas ou leiomiomas, são os tumores pélvicos benignos mais frequentes na mulher em idade reprodutiva.
A verdadeira incidência é desconhecida dado que muitas mulheres são assintomáticas, podendo atingir os 80%, dependendo da idade e da raça. A sua prevalência é de 20 a 40% nas mulheres em idade reprodutiva e chega aos 70-80% aos 50 anos. Uma vez que são tumores que respondem ao estímulo das hormonas sexuais, eles são raros antes da idade do início da menstruação e tendem a regredir na menopausa. Esta elevada prevalência implica um profundo impacto social e económico na sociedade.

Em Portugal continental, entre 2000-2015, foram hospitalizadas por leiomiomas uterinos mais de 102.476 mulheres e, entre 2000-2014, 59% das histerectomias (cirurgias para remover o útero) realizadas nos hospitais públicos em mulheres com menos de 50 anos foram por miomas uterinos.
Foram já identificados vários fatores de risco para o desenvolvimento dos miomas. Eles são mais comuns, em maior número e de maiores dimensões na raça negra. Outros fatores de risco incluem a idade, obesidade, nuliparidade (mulher que nunca teve filhos), hipertensão arterial, menopausa tardia, início da menstruação antes dos 10 anos de idade, história familiar de miomas. O impacto da dieta, exercício, tabaco, álcool, stress e outros fatores ambientais ainda está mal definido.

Apesar da elevada prevalência, as causas do seu aparecimento ainda não estão totalmente esclarecidas. Os estudos sugerem alterações genéticas e a exposição prolongada aos estrogénios e progesterona como fatores envolvidos na sua génese. Os miomas são tumores benignos, monoclonais, isto é, provenientes de uma única célula ou tipo celular, com origem nas células musculares lisas da parede uterina, o miométrio. Os miomas não parecem aumentar o risco de cancro, no entanto, não se pode excluir totalmente o seu risco de malignização, pois existem estudos que mostram que alguns leiomiossarcomas raros (malignos) podem surgir de um subtipo específico de miomas.

Cerca de 60% são assintomáticos e são diagnosticados incidentalmente durante exames radiológicos de rotina ou realizados por outros motivos. Neste caso, não será necessário realizar qualquer tratamento.
Quando surgem sintomas, estes irão depender da localização, número e tamanho dos miomas. O sintoma mais comum é a hemorragia uterina anormal, habitualmente sob a forma de hemorragia menstrual abundante. Muitas vezes, esta hemorragia condiciona uma anemia, podendo provocar fadiga, tonturas e palidez. Os miomas podem também manifestar-se com sintomas compressivos, como sensação de peso pélvico, distensão abdominal, dor abdominal, pélvica ou na região lombar. Em alguns casos podem provocar dores menstruais, dor nas relações sexuais, sintomas referentes à bexiga e ao intestino, tais como, frequência urinária elevada e urgência urinária, retenção urinária e obstipação. Quando muito volumosos, podem mesmo fazer compressão de vasos sanguíneos e nervos pélvicos, provocando edema dos membros inferiores e dor na face posterior e interna da coxa. Os miomas podem também associar-se a infertilidade, particularmente quando crescem para o interior da cavidade uterina, quer por alteração da contratilidade uterina, quer por distorção anatómica da cavidade e alterações endometriais. Complicações obstétricas, tais como, parto pré-termo, parto por cesariana, hemorragia durante a gravidez, restrição de crescimento intra-uterino e hemorragia pós-parto, entre outras, também se associam à presença de miomas, pelo que será necessária uma vigilância adequada da gravidez. Para além do impacto direto na qualidade de vida da mulher que todos estes sintomas podem provocar, incluindo no seu dia-a-dia, na vida social, sexual e profissional, vários estudos demonstram que, devido à sintomatologia associada, as mulheres com miomas têm maior risco de sofrer de ansiedade e depressão e alteração da sua imagem corporal.

O diagnóstico pode ser realizado ao exame objetivo, pela palpação abdominopélvica e bimanual ao exame ginecológico, quando o útero se apresenta aumentado de volume e de contornos irregulares. A ecografia é o exame de eleição no diagnóstico dos miomas por se tratar de um exame com excelente sensibilidade (90-99%) para a deteção dos miomas, acessível, não invasivo, de baixo custo e sem radiação. Habitualmente a ecografia com sonda vaginal é o exame preferencial, podendo ser necessário complementar o exame com a sonda abdominal. A histerossonografia, um exame no qual se instila líquido na cavidade uterina e se visualiza ecograficamente, permite, quando necessário, definir melhor os miomas intracavitários. Também a histeroscopia, exame em que se visualiza diretamente o interior da cavidade uterina com uma câmara, permite uma melhor avaliação dos miomas intracavitários. A ressonância magnética poderá ser usada em situações particulares, nomeadamente quando existe necessidade de um mapeamento mais exato de miomas múltiplos antes de uma cirurgia, quando existem dúvidas no diagnóstico diferencial com outras patologias e na avaliação prévia a um tratamento destrutivo de miomas, nomeadamente, a embolização das artérias uterinas.

Relativamente ao tratamento, e como já acima referido, no caso de miomas assintomáticos, a conduta expectante é a recomendada e deverá ser feita uma vigilância no ginecologista para controlo do seu crescimento e eventual aparecimento de sintomas. Quando necessário um tratamento, este deverá ter em conta o número, tamanho e localização dos miomas, assim como, a idade da mulher, os sintomas associados, o desejo de preservação do útero, da preservação da fertilidade, as suas preferências individuais e a disponibilidade dos diferentes tipos de tratamento.

Atualmente existem várias opções terapêuticas, nomeadamente o tratamento médico, cirúrgico e os procedimentos minimamente invasivos de radiologia de intervenção. Com o aparecimento de novos fármacos e técnicas inovadoras, verifica- se uma tendência no sentido de tratamentos mais conservadores e uma redução global no número de histerectomias realizadas por miomas uterinos. O principal objetivo do tratamento médico é o controlo dos sintomas. Existem atualmente diversos fármacos disponíveis, hormonais e não-hormonais, com diferentes níveis de eficácia. No grupo dos não-hormonais, os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), como por exemplo, o ibuprofeno ou o naproxeno, podem reduzir o fluxo menstrual e a dor provocada pelos miomas, no entanto, têm um uso limitado no tempo e a sua eficácia no controlo da hemorragia é relativamente baixa. O ácido tranexâmico, um agente antifibrinolítico que estabiliza a formação de coágulos, reduz as perdas sanguíneas de forma mais significativa que os AINEs, mas também tem um uso limitado no tempo e não pode ser usado na doença tromboembólica ativa. No caso da presença de anemia, deve ser feita a suplementação com ferro, oral ou intravenoso.

Os tratamentos hormonais incluem os contracetivos hormonais combinados (estroprogestativos), sob a forma de comprimidos, anel vaginal ou sistema transdérmico. Promovem atrofia e estabilização do endométrio, com redução da hemorragia, têm um efeito contracetivo concomitante e podem ser usados em tratamentos prolongados. A eficácia do tratamento dos contracetivos com progestativo isolado no controlo da hemorragia por miomas já é mais controversa. O dispositivo intra-uterino libertador de levonorgestrel (DLIU) provoca atrofia do endométrio (o revestimento da cavidade uterina) e redução da hemorragia menstrual, podendo mesmo causar amenorreia (ausência de menstruação), este dispositivo é mais eficaz no controlo da hemorragia do que os fármacos previamente descritos, tem efeito contracetivo e pode ser usado a longo prazo. O DLIU apresenta maiores taxas de expulsão nas mulheres com miomas. Os moduladores seletivos dos recetores da progesterona (SPRMs) e, mais especificamente o acetato de ulipristal, é um fármaco que provoca um rápido e excelente controlo da hemorragia e uma redução da dimensão dos miomas. No entanto, devido à toxicidade hepática, atualmente o seu uso está aprovado, mas com restrições. Os agonistas da hormona libertadora de gonadotrofinas (GnRH) são fármacos injetáveis, de administração mensal ou trimestral, que bloqueiam a produção das hormonas sexuais, induzindo um estado temporário de menopausa.

São usados para parar a hemorragia e diminuir o tamanho dos miomas, em particular na preparação antes do tratamento cirúrgico, melhorando as condições operatórias. No entanto, só podem ser usados durante 3 a 6 meses, devido aos efeitos adversos como os calores e afrontamentos, perda de massa óssea, alterações do humor, secura vaginal, redução da líbido e perturbações do sono. Também têm a desvantagem de aumentar a hemorragia nos primeiros dias do seu uso e dos seus efeitos benéficos reverterem após o término do tratamento. Recentemente foi comercializado em Portugal um novo fármaco para controlar a hemorragia e dor pélvica provocadas pelos miomas. O relugolix, um antagonista da GnRH, bloqueia a produção das hormonas sexuais, induzindo, tal como os agonistas da GnRH, um estado temporário de menopausa. Para evitar os efeitos laterais acima referidos com os agonistas da GnRH, foi concebido um medicamento composto por relugolix associado a duas hormonas, o estradiol e a noretisterona. De toma oral diária, ele pode ser usado no tratamento a longo prazo da hemorragia menstrual abundante e dor associada aos miomas. Apresenta uma redução significativa da hemorragia, com altas taxas de amenorreia e uma diminuição do volume uterino, com melhoria da qualidade de vida da mulher. Como tem as duas hormonas associadas, não tem impacto significativo na saúde do osso, nem na sintomatologia vasomotora e, como tal, permite um tratamento prolongado.

Também se tem observado avanços na radiologia de intervenção, com o desenvolvimento de novos procedimentos para o tratamento dos miomas uterinos, como a embolização das artérias uterinas e o ultrassom guiado por ressonância magnética de alta frequência (MRgFUS). São procedimentos minimamente invasivos, que evitam a cirurgia e preservam o útero, com curta estadia hospitalar, rápida recuperação e menos complicações comparativamente às opções cirúrgicas. No entanto, apresentam elevadas taxas de recorrência dos miomas com necessidade cirúrgica subsequente. Além disso, não existe evidência científica suficiente sobre o seu impacto na fertilidade futura, pelo que o desejo de uma gravidez ainda é uma contra-indicação relativa a estes procedimentos. A embolização das artérias uterinas consiste na injeção de agentes oclusivos que interrompem a vascularização do mioma, provocando necrose e redução do seu volume. Esta técnica tem um risco de causar uma falência ovárica permanente. A MRgFUS é uma técnica que ultrassons de alta intensidade que necrosa e destrói os miomas. Não pode ser realizada em miomas de grandes dimensões (superior a 10 cm) nem múltiplos (5 ou mais). As taxas de reintervenção cirúrgica são elevadas, superiores às da embolização das artérias uterinas.
Entre as opções cirúrgicas disponíveis, existe a miomectomia, que consiste na remoção cirúrgica do mioma, mantendo o útero intacto. Esta cirurgia é recomendada nas mulheres que pretendem preservar a sua fertilidade ou o seu útero. Ela pode ser realizada por via histeroscópica, entrando na cavidade uterina pela vagina e colo do útero, no caso dos miomas se localizarem dentro da cavidade uterina (miomas submucosos) ou por via abdominal, quando eles se localizam na parede uterina (intramurais) ou a crescer para fora do útero (subserosos). A miomectomia abdominal pode ser realizada por laparotomia (abertura da parede abdominal), laparoscopia ou robótica. Nestas últimas são feitas pequenas incisões abdominais e utilizada uma câmara para visualizar o interior do abdómen. São abordagens menos invasivas do que a via aberta, resultando em menor perda de sangue intra-operatória e mais rápida recuperação. No entanto, nem todas as mulheres são boas candidatas a este tipo de cirurgias, sendo necessário avaliação médica, caso a caso. Para além disso, cerca de 15 a 30% dos miomas recorrem após miomectomia e serão submetidas a uma histerectomia ao fim de 5 a 10 anos. Por último, a histerectomia consiste na remoção completa do útero, sendo o tratamento definitivo dos miomas uterinos. É reservada às situações que não resolveram com outros tratamentos, para mulheres que não pretendem preservar o útero, nem a fertilidade. Para a sua realização, deve ser escolhida a via de abordagem menos invasiva possível em cada caso. A histerectomia vaginal associa-se a um menor tempo operatório, menor perda sanguínea, menor hospitalização e mais rápido retorno à vida ativa, comparativamente à histerectomia abdominal, laparoscópica e robótica. A via abdominal é a que apresenta mais riscos cirúrgicos. A escolha do tratamento deve ser discutida detalhadamente com a paciente, que deverá estar bem informada das suas opções e riscos, para assim ser envolvida numa decisão partilhada e consciente com o seu médico.

Nos tempos atuais, o acesso à informação é cada vez mais fácil e vasto e, por vezes, também mais confuso. É importante falar sobre os temas e, em particular nos miomas, dar a conhecer às mulheres os sinais de alerta para que possam procurar o seu médico atempadamente. O diagnóstico precoce dos miomas permitirá um maior sucesso da terapêutica numa grande parte das situações. Informar de forma clara e precisa empodera a mulher na tomada de decisões sobre o seu corpo, a sua saúde e a sua vida. Para ajudar a cumprir este objetivo, a Gedeon Richter, com o patrocínio científico da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, criou o site falardemiomas.pt, onde pode encontrar muita informação científica válida sobre esta patologia.