Ativista, empresária, cofundadora da Muxima, produtora do programa “Jantar Indiscreto” da RTP 2, nomeada pela Forbes, pela “Business Insider” e pela Vizaka. Falamos de Myriam Taylor, de 46 anos, uma mulher de sucesso e conquistas sem fronteiras. Falamos dos anos em que viveu em Londres, Paris, Rio de Janeiro, Luanda e Amesterdão.
O empreendedorismo e o interesse por projetos sociopolíticos em Portugal, França, Brasil, Reino Unido, Itália e Angola cresceu consigo ou foi algo que surgiu com o tempo?
Eu diria que é tudo um resultado das experiências por mim vividas ou herdadas aliadas ao facto de eu acreditar que a mudança de qualquer sistema caber a cada um de nós e de estar profundamente comprometida com a humanidade enquanto um todo e com a história futura que gostaria de poder vir a narrar a propósito do nosso país em particular.
Sou filha de pais angolanos, que chegaram a Portugal como refugiados em 1976, nasci em Albufeira e cresci em Faro. Comecei o meu engajamento artístico com 5 anos, tinha aulas de ballet que frequentei até aos 15 no Conservatório do Algarve e o meu engajamento cívico com 14 anos, quando entrei como voluntária para uma associação de ajuda a tóxico dependentes e simultaneamente para a associação de estudantes e para o grupo de teatro. Entretanto mais tarde escolhi estudar teatro porque senti a urgência em querer ajudar a mudar o mundo, a partir da proposta da criação e produção de narrativas alternativas que impactassem mudança. Estudei um ano em Lisboa e fui no ano seguinte para Londres. Estudei Teatro na Rose Bruford, tive a sorte de fazer Erasmus no Institut Dell Teatre em Barcelona onde trabalhei com Juan Baixas. Mais tarde especializei-me em Teatro Politico, trabalhei com o Augusto de Boal e com o Ruy Fratti em Paris (com mulheres vitimas de violência doméstica) e no Rio de Janeiro (com as Marias do Brasil – grupo composto por trabalhadoras do lar). O Augusto de Boal sempre que perguntava por mim dizia: “Cadê a portuguesa angolana que vive em Londres e quer ser brasileira?”
Entretanto fui para Luanda, onde estive por 2 anos a dar formação e onde também encenei o espetáculo Quantas Madrugadas Tem a Noite de Ondjaki, no final de Dezembro de 2006 vim a Portugal passar o Natal, mas o meu pai teve um grave problema de saúde que me fez decidir ficar por perto e não regressar a Luanda. Nesse interim trabalhei em publicidade, tv e cinema. Em 2009 o Paulo e eu apaixonámo-nos e em 2010 decidimos formar uma família e mudei-me para Amsterdão. Foi aí que em 2014 o Paulo e eu iniciámos a Muxima.
Que balanço faz do progresso Muxima Bio até agora?
O balanço que faço sobre progresso da MUXIMA é um balanço indexado à criação de valor, se me perguntas que mudanças conseguimos catalizar ou co-criar? Eu respondo que foram algumas:
1 – Lançámos para no mercado internacional no final de 2017 a MUXIMA CAVIAR SYSTEM que além de ter criado uma categoria, conquistou alguns prémios ao entrar no mercado, MUXIMA CAVIAR SYSTEM foi a primeira marca de luxo no Mundo especificamente para cabelos crespos.
2 – Oferecemos bolsas de estudo a estudantes de Mestrado, da Universidade de Aveiro.
3 – Criámos a rede de networking Secret Women’s Meeting em 2016, que é um espaço de sororidade, de inspiração e partilha entre mulheres dos mais variados setores, esferas sociais e e étnicos.
4 – Criámos e produzimos em 2017 o Primeiro Colóquio Internacional sobre o 27 de Maio de 1977, “Memória História ou Esquecimento”. na Universidade Nova de Lisboa, quebrando o silêncio e tabus Históricos, possibilitando espaço a contra-narrativas.
5 – Criámos e produzimos em 2019 o primeiro Colóquio Internacional da Sociedade Civil sobre Diversidade, Igualdade e Inclusão Social NÓS, que aconteceu durante 3 dias no ISEG em Lisboa.
6 – Contribuímos para a discussão e criação de melhores políticas publicas de inclusão
em diferentes Ministérios.
7 – Sabendo nós que historicamente as comunidades negras foram e são as mais aviltadas em todo o Mundo, nós produzimos o primeiro conteúdo em Portugal em toda a história da Televisão publica, para a RTP África, Black Excellence Talk Series com a produção e curadoria de temáticas e participantes levadas a cabo por uma maioria de pessoas negras. Onde podemos trazer a lume todos os assuntos que interessam à nossa agenda, temas como descriminação racial nos média, falta de representatividade política, violência e perseguição policial, entre outros.
8 – Produzimos o primeiro programa sobre vieses, numa lógica de desconstruir, trazendo diversidade e inclusão à televisão portuguesa o “Jantar Indiscreto” passou na RTP2 e ganhou o prémio de melhor programa do Ano, pela plataforma 19.
9 – Estamos a produzir a Humanity Summit, que é no fundo o rebranding do Colóquio que fizemos em 2019 e que vai juntar estudantes, activistas, políticos, legisladores, empresários de todo o Mundo em um mesmo espaço, para que juntos possamos acelerar o alcance do direito à dignidade e justiça social.
Resumindo, o balanço é muito positivo, porque fomos capazes de conectar, inspirar, partilhar, ajudar, incentivar, fazer sonhar, mobilizar e ajudar a mudar.
Fundou também o projeto “Secrets women’s meeting & cocktail”, um projeto de networking de mulheres. O que a fez adotar esta missão de ajudar as outras mulheres empreendedoras?
Secret Women’s Meeting é uma rede de networking de mulheres criada pela Muxima com o objetivo reunir mulheres e homens aliados interessados em contribuir para o progresso social e equidade. Ao partilhar histórias, experiências, pensamentos e teses numa interpelação genuína e inspiradora, o objetivo do Secret Women’s Meeting é criar abertamente uma discussão e reflexão voltada para o futuro imaginável, contribuindo para questões urgentes do presente. Os encontros realizam-se em diferentes espaços de Lisboa, num ambiente informal e seguro para trazer a lume tópicos que podem não ter voz na definição da agenda pública mainstream.
Com um extenso portfólio de intervenção social e política, a Muxima concebe este evento desafiando mulheres líderes e lideranças futuras de todas as origens e de diferentes áreas de atuação a participarem, com um momento de palestra, resultando em uma sociedade honorária e secreta, preocupada em romper e descontinuar o status quo. No seu seio, mulheres de áreas distintas de intervenção profissional são convidadas a partilhar as suas abordagens pessoais mais radicais para o futuro da sociedade. A nossa rede inclui mulheres de diferentes áreas como: a academia, a escrita, empreendorismo, diplomacia, governança ou política.
É a autora e apresentadora do programa Jantar Indiscreto, da RTP2. Qual o objetivo deste programa? O que é o que o nosso comportamento imediato diz sobre os nossos mais profundos preconceitos e estereótipos?
O programa “Jantar Indiscreto” pretende descodificar, tornar acessíveis e relacionáveis temas tabu com o objetivo de ajudar a desmistificar estigmas e preconceitos. É também um exercício de debate entre os vários participantes sobre o ponto em que se encontra a nossa sociedade e de que forma somos todos agentes de mudança e transformação.
Foi nomeada pela revista Forbes como uma das 100 mulheres, empresárias, destacadas na Europa. O que significou para si?
O reconhecimento publico seja ele qual seja é importante na medida em que lança holofotes sobre o trabalho de algumas pessoas, eu ser incluída nessa listas ajuda a amplificar aquilo que faço, mas na realidade nada mudou para mim, continuo a enfrentar as mesmas barreiras e dificuldades que estão enraizadas nos nossos sistemas e instituições, sempre dependente da “benevolência” das nas nossas estruturas machistas e patriarcais – The Gatekeepers.
Alguma vez foi discriminada a nível profissional por ser mulher?
Claro que sim, mas não foi a única discriminação que sofri, existe a interseccionalidade da minha existência e isso gera múltiplas discriminações. Por ser negra, tanto pelo facto de pertencer a uma família de refugiados, pelo facto de ter nascido e vivido no Algarve na periferia do País, pelo facto de não pertencer a nenhum partido ou clube, etc.
O que se pode fazer no setor empresarial para aumentar a igualdade de género no mercado de trabalho, principalmente em cargos de chefia?
O caminho é e será sempre a paridade. Acho que não podemos adiar aquilo que é inevitável 50-50. Até há pouco tempo a alegação era a de que alegadamente as mulheres não teriam qualificaçōes suficientes para ocuparem os cargos de topo, no entanto ultrapassamos os homens em larga escala, quando comparamos as percentagens de Mulheres e Homens com educação superior. Estamos a falar de Mulheres com 46% para Homens com 33%. Aceitarmos e contentarmo-nos com a meta apresentada pela UE para Women on Boards é pouco.
Que conselho daria a jovens mulheres que estão agora a iniciar a sua carreira?
Encontra um propósito que ultrapasse a questão que quereres fazer dinheiro, cria um legado e não um negócio. Se tiveres um propósito o trabalho vai parecer-te um hobby, porque o vais fazer por paixão. Indexa a tua criação de valor ao “Quadruple bottom-line”: people, planet, future generations and profit.
Encontra diferentes mentoras, que possam caminhar contigo e inspirar-te em diferentes dimensões. Junta-te a redes de networking, encontra uma tribo!
– Faz parcerias estratégicas, que te ajudem a construir o protótipo, provar conceito ou a alavancar vendas. Sê o exemplo que queres ver no mundo!
Que mais projetos podemos esperar para 2023?
Estamos a preparar a Humanity Summit a realizar este ano, que pretende ser o epicentro do Mundo, na reflexão e estratégia de aceleração da Humanidade no que toca ao direito à dignidade e justiça social! Pretendemos apresentar o pacto da humanidade, um index com um roadmap que será complementar aos objectivos de desenvolvimento sustentável.
Além de contarmos com a participação do presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa, contamos com diferentes personalidades ligadas aos movimentos da sociedade civil e classe política nacionais e internacionais , como o jornalista de direitos humanos Siyabulela Mandela, ou a Ministra da Justiça do Kosovo Nita Shalla.