Aline nome de tempestade, nome de mulher que aos 20 anos mudou de país para melhorar de vida.
Setembro já virou a esquina, e com este mês veio o final das férias, o regresso às aulas ou ao trabalho com energias renovadas e motivação.
Sentadas no mundo cor-de-rosa dos contos de fadas, falando do horror escondido por trás do aquecimento global de 2ºC acima da era pré-industrial e de como ele vai matar tudo o que amamos.
A nomeação de tempestades no Atlântico Norte, por norma, é realizada através de acordo entre institutos governamentais de meteorologia pertencentes ao Grupo Europeu do Sudoeste. Os nomes das tempestades da próxima época 2023/2024 já foram escolhidos e são Aline, Bernard, Céline, Domingos, Elisa, Frederico, Géraldine, Hipolito, Irene, Juan, Karlotta, Louis, Monica, Nelson, Olivia, Pierrick, Renata, Sancho, Tatiana, Vasco e Wilhelmina. Um total de 21.
No dia 19 de outubro chegou Aline, deixando Portugal em estado de alerta laranja e motivando as inúmeras ocorrências registadas. Nesse mesmo dia Aline perguntou em conversa: Quem coloca o nome nas tempestades? Enquanto arrumava as urnas de um cliente.
Na verdade está inquieta porque está a ser perturbada por brincadeiras com trocadilhos, mas depois de uma pequena conversa acabou por falar da sua experiência quando passou El Niño pelo lugar onde vivia, de como a temperatura se tornou insuportável quando chegou aos 40ºC, havendo dias em que ultrapassou esse valor. Aline relatou como foi três vezes levada de urgência para o hospital, desidratada (apesar de ter bebido água) por causa do calor excessivo, como teve que esperar num sistema de saúde pública precário, como os cães morriam na beira da estrada e como a seca se intensificou matando as escassas produções de alimento. E falou sobre como desesperadamente queria sair dali.
Aline, uma migrante climática que fugiu da fome, da terra seca e improdutiva, dos estios infindáveis de uma região que apresenta um dos maiores índices de desigualdades sociais e económicas do seu país, foi este ano confrontada com temperaturas que rondaram, em alguns casos ultrapassando-os, os 40ºC em Portugal.
“A era do aquecimento global acabou, abram caminho para a era da ebulição global”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a 27 de julho.
Os extremos alcançados, são denominados como “o novo normal”, segundo a Organização Meteorológica Mundial das Nações Unidas, que aponta como principal fator “as alterações climáticas induzidas pelo homem devido às emissões de gases com efeito de estufa”.
Julho de 2023, foi o mês mais quente da Terra desde o “início da humanidade”.
Esta é a conclusão clara da OMM e do observatório europeu Copernicus, com uma temperatura média registada de 16,95°C ou o nível mais alto “desde o início da humanidade”.
Em julho, a Grécia teve 17 dias de onda de calor excepcionalmente longa e teve como consequência incêndios florestais, levando à maior operação de evacuação alguma vez realizada naquele país por causa do clima: 30 000 pessoas na ilha de Rodes, a partir de 22 de julho, depois nas ilhas de Eubeia e Corfu, em agosto.
Em Phoenix, EUA, a duração da onda de calor atingiu o recorde de 31 dias
Mais de 43,3°C durante um mês. O asfalto das estradas aqueceu até 66°C e a temperatura dos corpos humanos no exterior subiu para 41°C, levando a hospitalizações.
Os oceanos, a 4 de agosto, atingiram o recorde mundial de temperatura da superfície: 20,96°C
“A temperatura dos oceanos está mais alta do que nunca”, confirma o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Em Pequim, chuvas torrenciais
A 7 de agosto caíram em Pequim 744,8 milímetros (74,48 cm) de chuva, o nível mais alto conhecido desde que há registo meteorológico (1883), com 33 mortes,18 desaparecidos e mais de 59 mil casas destruídas e 150 mil danificadas, segundo as autoridades chinesas.
Em Marrocos foram ultrapassados pela primeira vez os 50 °C
Agadir registou uma temperatura de 50,4ºC no dia 11 de agosto. E não foi um caso isolado: a Turquia registou uma temperatura de 49,5°C pela primeira vez, a 15 de agosto. Na província chinesa de Xinjiang, a 16 de julho, os termómetros alcançaram 52,2°C.
No Havai, a cidade de Lahaina completamente destruída
A 10 de agosto morreram 110 pessoas devido a um incêndio florestal agravado pelas condições climáticas. A seca favoreceu o fogo, enquanto o furacão Dora, que não atingiu o Havai, ajudou a fortalecer os ventos e a precipitar as chamas.
No Canadá, recordes de “megaincêndios” e áreas queimadas
No início de junho as chamas causaram picos de poluição atmosférica e escureceram os céus de Montreal e Nova Iorque. Os incêndios alimentam o ciclo do aquecimento global: enormes quantidades de carbono são libertadas na atmosfera, enquanto a vegetação capaz de absorver as emissões é destruída.
Desde o início do ano, mais de 1% do território nacional ardeu, uma área que ultrapassa Portugal em dimensão e representa aproximadamente a área da Grécia.
Quase o dobro da área queimada no recorde anterior, em 1989.
O “ponto do gelo” a uma altitude recorde de 5298 metros na Suíça
A altitude a que se forma neve foi registada num recorde de 5298 metros a 21 de agosto pelo Météo Suisse, 115 metros acima do que se registou em 2022.
No Brasil, em pleno inverno, 41,8 °C em Cuiabá
O país também teve o mês de julho mais quente de sempre, com uma média de 23°C. A causa provável é o fenómeno El Niño, que se caracteriza por temperaturas anormalmente altas da água na parte oriental do Oceano Pacífico Sul.
Tempestade Daniel destrói cidade na Líbia e provoca milhares de mortos
Em setembro, tempestade Daniel passou pela Líbia e provocou mais de 2000 mortes e cerca de 9000 desaparecidos. Duas barragens ruíram e 25% da cidade de Derna “desapareceu”.
Em outubro, mais da metade das cidades do Amazonas entram em situação de emergência devido à seca severa
A seca dos rios, que afeta mais de 257 mil pessoas no estado tem provocado deslizamentos de terras, morte de animais e o esvaziamento de rios.
Estes são apenas alguns dos factos que se vão acumulando na véspera da 28ª Conferência sobre Alterações Climáticas, que decorrerá no Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023. Estamos a falar de 28 anos de conversas sem resultados reais e com agravamento progressivo da crise climática. 28 anos a fazer de conta que se faziam coisas e a inventar paliativos para não aceitar que temos que mudar a forma como fazemos quase tudo. Isto antes que o planeta transforme a presença humana nele mais uma fase da sua história passada.
Bernard também já passou por nós na data em que este texto foi escrito e a pergunta está no ar: Quando é que deixamos de estar adormecidos pelas músicas de embalar das falsas soluções do greenwashing apresentadas pelo capitalismo verde?
É fundamental acordar do mundo cor-de-rosa dos contos de fadas, uma construção da sociedade de consumo que atordoa as pessoas, fazendo-as acreditar na ilusão de que estão protegidas do horror que esconde o aquecimento global de 2ºC ou mais acima da era pré-industrial. E de como esse mundo pretensamente cor-de-rosa vai matar tudo o que amamos.