“Precisamos de não ter medo de liderar sem perder a identidade”

Catarina Moreira é arquiteta, o seu percurso conduziu-a de forma natural setor mobiliário como uma extensão da própria arquitetura e a sua paixão começou desde a primeira concretização, projeto atrás de projeto. Numa empresa familiar, a WUDA, aplica conhecimentos e dedica-se a um crescimento sólido e progressivo em todos os ramos a que se permite arriscar e trabalha com foco em soluções personalizadas.

 

Ser arquiteta foi um sonho que a acompanhou desde criança ou surgiu mais tarde?

Sempre gostei de arte, e por isso tentei procurar para mim um caminho em que a componente artística fosse parte integrante. A arquitetura é talvez uma das únicas disciplinas que tem uma forte componente artística com um impacto direto na vida das pessoas. E por isso, após alguma ponderação, escolhi arquitetura já no final do ensino secundário.

A Catarina optou pelo setor mobiliário, uma empresa da sua família -A WUDA – que já conta com 46 anos e permanece como uma empresa familiar. O que a motiva neste setor?

A empresa começou com o meu pai, mais tarde juntou-se a minha mãe. Eu e o meu irmão crescemos no meio da madeira, na oficina que, inicialmente, era um anexo na casa dos meus avós. Até chegar aqui, houve muito sacrifício deles. Foram, sem dúvida, um grande exemplo. Sempre foi um objetivo para mim fazer parte dessa missão, daquilo que construíram e dar continuidade. Tenho muito orgulho no que já conseguimos.

A WUDA atua em vários ambientes que respeitam projetos inovadores e que se diferenciam, quer a nível nacional, quer internacional. De que maneira procuram oferecer sempre uma solução personalizada mediante as exigências e necessidades de quem vos procura?

Soluções personalizadas são aquilo que nos diferencia. Insisto muito com a equipa para encontrar respostas para aquilo que parece impossível. O “não” é dado só em situações limite. Para isso, temos que nos cruzar com as outras especialidades de uma forma muito próxima e fluída. Às vezes o não seria mais fácil, mas não nos permitiria evoluir e chegar ao patamar a que chegamos.

A presença internacional e o reconhecimento que têm por parte dos vossos clientes confirmam a qualidade e excelência de um dos mais conceituados players do setor mobiliário. O que permitiu este sucesso? De que forma os clientes contribuíram para este êxito?

A formação em arquitetura foi muito importante para que tenhamos conseguido alguns dos projetos que mais nos desafiaram. E também o ter-me dedicado ao estudo da língua francesa, abriu muitas portas. É essencial que o cliente sinta que é compreendido, isso fideliza-o. E claro, juntando a isso a qualidade do nosso produto. Confesso que temos uma certa obsessão pela qualidade daquilo que produzimos. Tudo isso ajudou a impulsionar o nome da empresa.

Que metas profissionais almejava atingir quando iniciou o seu percurso profissional?

A internacionalização era a meta e a criação da WUDA foi o caminho. Eu e o meu irmão, assim que entramos para a empresa, tínhamos como primeiro objetivo, o rebranding, criar uma nova identidade direcionada ao público alvo a que queríamos chegar. Fizemos o caminho oposto à maioria. Criamos a imagem e o produto que queríamos e com ele procurar um público que se identificasse connosco.

A Inovação é fundamental para o vosso sucesso e consequente integração no mercado? Em que moldes?

A inovação é fundamental, atualmente com dois grandes objetivos: reduzir desperdício de matéria prima e reduzir os tempos de produção com o máximo de otimização. Numa empresa que só faz projetos por medida, é um desafio muito grande. Os recursos humanos vão ser cada vez mais escassos e é essencial que as máquinas substituam as tarefas mais repetitivas e enfadonhas. Temos que deixar as pessoas livres para as tarefas mais artesanais. Há tarefas em que as pessoas são insubstituíveis e é essa passagem de legado que é importante que se mantenha. A inovação não passa só por maquinaria e software, o lado humano tem que ser mais valorizado.

Enquanto mulher e arquiteta num cargo de liderança, alguma vez sentiu que foi questionada a sua capacidade para o lugar?

Pelo facto de ser mulher, não. Fui criada numa família de mulheres que lideram ou lideraram empresas. Mas pelo fato de ser arquiteta, sim. O choque frontal de alguém experiente com alguém que estudou outras fórmulas para resolver o mesmo problema, e que ainda não teve oportunidade de colocar em prática, nem sempre corre bem. Vamos conquistando o nosso lugar aos poucos, com resultados.

Como descreveria uma líder “perfeita”?

As melhores lideranças são aquelas que conseguem pensar a médio e a longo prazo. Pensar o futuro é fundamental. Pensar o futuro causa impacto direto não só naquilo que um dia podemos vir a ser, mas naquilo que somos já hoje. Depois ser capaz de delinear uma estratégia bem definida e perspicaz o suficiente para tirar partido das melhores qualidades de cada elemento da equipa. É muito importante ter plena consciência dos recursos que se tem e tirar partido disso.

Numa sociedade em que, cada vez mais, a questão da igualdade de género é posta em causa, a verdade é que a maior parte dos cargos de chefia são ocupados por homens. Acredita que podemos sonhar com uma sociedade laboral igual, na arquitetura, num futuro próximo? Estarão todos os passos a ser dados para que isso aconteça, ou é preciso algo mais?

É preciso mais. Na indústria ainda há muito a tentação de não contratar mulheres para determinados cargos porque há a possibilidade de serem mães e por isso, estarem menos disponíveis durante um período. E não há nada mais injusto do que isso. Infelizmente continua a ser o ponto onde a sociedade mais nos castiga e isso é incompreensível. É muito importante dar segurança a quem tem esse objetivo, fazer saber que tem o apoio da entidade empregadora quando decidir dar esse passo. Mas há ainda um longo caminho a percorrer nesse sentido. Há cada vez mais gabinetes de arquitetura liderados por mulheres, muito bem sucedidos e isso significa que temos tanta capacidade como eles. Para isso também é preciso que acreditemos em nós, ir sem medo.

O que se pode fazer no mundo da arquitetura para aumentar a equidade de género?

Pode-se começar pela própria atribuição dos Pritzker, que distingue os melhores gabinetes de arquitetura do mundo, tem poucas mulheres representadas. Podia começar por aí. Outro exemplo é o meio académico. Uma das pessoas que mais me marcou durante o percurso académico, foi a professora e arquiteta Graça Correia, talvez por ser um elemento raro no meio de um corpo académico maioritariamente masculino. Talvez isso tenha mudado nos últimos anos, mas a verdade é que as instituições têm que dar o
exemplo.

Que conselho daria a mulheres que pretendam integrar a área da arquitetura com projetos próprios, mas receiam os olhares discriminatórios do género masculino?

Que não duvidem das suas capacidades e que tirem partido de algumas das características inatas à mulher. Muitas mulheres, talvez por defesa, optam por recriar um estilo de liderança duro e implacável para mostrarem que conseguem ser tão boas como certos líderes masculinos. Mas isso está ultrapassado, tanto para nós como para eles. Acredito que todos têm mais a ganhar se deixarem sobressair o nosso lado empático, ajudando a tornar as equipas mais coesas e cooperantes. E a nossa capacidade de agir em múltiplas direções, sem ter que fazer micro gestão, ou seja, cooperar e acreditar na capacidade das pessoas sem ter que se sobressair em tudo. Precisamos de não ter medo de liderar sem perder a identidade.