AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS COMO MOLDE DA LIDERANÇA

Manuela Doutel Haghighi tem 44 anos e já viveu em 3 continentes e 7 países. Trabalhou em 4 empresas e conheceu muitas pessoas de culturas, idades, gostos e feitios diferentes. De Toulouse a Oslo, passando pelo Reino Unido e pela África do Sul, desenvolveu a sua liderança em torno das suas experiências, aprendendo a importância da união feminina e da persistência. Ligada à área da tecnologia há anos, é atualmente Diretora de Delivery, Operations e Customer Excellence na Microsoft.

Manuela Doutel Haghighi é um nome incomum, mas que faz questão de usar sempre por completo, pois é o seu “melhor cartão de visita”. “As pessoas lembram-se sempre de histórias invulgares, por isso conto a minha história”, explica. Com mãe portuguesa e pai iraniano, os seus primeiros anos foram passados entre Paris e Teerão, “entre revoluções e guerras”. Os aromas, sabores e jardins da Pérsia preencheram a sua infância e Trás-os-Montes foram o seu refúgio nos verões calorosos que viveu com os avós, primos e tios.
Em 1984 começou a estudar em Portugal no Liceu Francês. Aos 18 anos, “com uma vontade imensa de descobrir o mundo”, voltou a Toulouse, cidade onde os seus pais se conheceram nos anos 70 durante os doutoramentos, e ingressou numa Classe Préparatoire aux Hautes Études Commerciales. Foram 2 anos intensos onde aprendeu a importância de ter cultura geral, de argumentar, dialogar, debater e escrever com rigor. Foi também a sua janela para o mundo, que lhe permitiu conhecer pessoas de outras raças, orientações sexuais, meios sociais e gostos diferentes.
Tirou a sua licenciatura e mestrado em Economia e Gestão na École de Commerce de Toulouse. Durante esse período, fez um estágio na Noruega e ficou fascinada com a possibilidade de uma sociedade democrática socialmente responsável “onde ministros vão de metro para o trabalho e o CEO duma multinacional responde ao telefone da receção da empresa e transmite os recados porque já passam das 17h00 e todos foram para casa”, ilustra. “Quando as pessoas não se acham superiores aos outros, percebem que todos beneficiam porque todos fazem parte da mesma sociedade.”

Foi ainda nos anos que passou em França que sentiu na pele o que era a discriminação. Desde a habitação, à escolaridade e entrevistas de emprego, existem muitas vezes situações de discriminação, umas mais subtis que outras – “basta terem o nome que têm ou uma cara diferente.”
Em 1999, fez um MBA nos Estados Unidos. No ano seguinte, voltou para a Europa e enviou currículos para vários países, tendo em vista trabalhar numa multinacional. Deixou Portugal fora das suas opções, porque não queria “hierarquias históricas, promoções por cunhas ou misoginia institucional”, afirma. “Ah e também nunca fui fã da mania dos títulos de Doutores e Engenheiros…”
Encontrou no Reino Unido a resposta para a sua busca e integrou o Graduate Programme da IBM em 2001, na divisão de Strategic Outsourcing. Durante 2 anos aprendeu sobre várias áreas, desde comercial a delivery. Tirou o curso da IBM Sales School e percebeu que para ser um bom vendedor ou consultor é preciso, acima de tudo,
saber ouvir outro ser humano para perceber o que realmente necessita, em vez de tentar vender o que se pretende. “Vender serviços é vender uma relação a longo prazo em que ambas as partes beneficiam”, esclarece.

O interesse pelo mundo da tecnologia surgiu nesta altura. Um dos projetos em que esteve envolvida era uma solução vendida para as autarquias darem apoio a idosos isolados, ligando através de uma plataforma digital os serviços do sistema de saúde e sociais, oferecendo assim um apoio holístico e personalizado. A possibilidade de tornar negócios mais eficientes, unir pessoas e equipas e resolver questões da sociedade, como problemas climáticos, foi o que cativou Manuela na área da tecnologia ao longo dos anos.
Foi em Joanesburgo, num International Assignment, que mudou da área das vendas para a transição e transformação digital. “Decidi focar-me em construir e transformar, queria ver o impacto do meu trabalho a longo prazo, pós-vendas”, justifica.

Durante a sua estadia no país, que foi prolongada por mais 3 anos do que o previsto após ter o seu filho, Manuela dedicou os seus fins de semana a empoderar mulheres vítimas de violência e discriminação nas favelas de Kliptwon no Soweto.
Voltou para o Reino Unido em 2010 e só em 2018 é que rescindiu com a IBM, para abraçar um novo desafio na Leidos, outra empresa de tecnologia americana emergente no país.

O ano passado, fez o seu próprio Brexit, trocando o Reino Unido por Portugal após ter tirado uma pós graduação em Direitos Humanos na Faculdade de Direito de Coimbra. Atualmente, trabalha para a Microsoft num posto totalmente internacional, como responsável do Delivery, Operations e Customer Excellence, onde gere clientes e equipas multiculturais de uma conta global e complexa.
As suas experiências internacionais moldaram na enquanto pessoa e enquanto líder. Em todos os países aprendeu algo – na França, aprendeu a refletir com filosofia, nos EUA a ser prática na tomada de decisões, na África do sul o conceito de “Ubuntu – I am because you are”, no Reino Unido sobre a importância da gestão e organização e, mais importante, sobre a relevância dos Employee Networks. Foi aí que aprendeu a montar, gerir e liderar Women Networks.
Todas estas experiências influenciaram o seu estilo de liderança e Manuela pretende partilhá-las e difundi-las em Portugal. Apesar de não trabalhar diretamente na filial portuguesa, quer mudar o status quo, tendo como ponto de partida a invisibilidade e posição das mulheres nos negócios, na tecnologia e na economia.
Realça que teve, ao longo dos anos chefes, mentores e colegas fantásticos. Contudo teve também alguns que consideravam normal piropos em reuniões ou conferências de trabalho e outros que eram condescendentes, por exemplo.

“Para além de não ser engenheira, era mulher. Tive direito a “piadas” sobre ser má mãe quando deixava o meu filho na creche de manhã e ser má colega por o ir buscar ao fim do dia, questionaram o meu estilo de liderança por querer integrar e proteger os meus os colaboradores, por dizer o que pensava ou por pôr os clientes á frente dos bónus”, confessa. “Acho que a cereja no bolo foi “your problem is that you care too much”! Foi assim que começou a frequentar, e mais tarde liderar, os Women Network e percebeu que existiam regras informais nas empresas que iam além da meritocracia. “Sobretudo aprendi que as mulheres deviam unir-se e apoiarem-se, mas também que deviam ajudar muitos homens que não queriam ser Alfas para ter sucesso”, conclui. Com esse apoio desenvolveu o seu próprio estilo de liderança no feminino, que se baseia na ousadia de contestar métodos antigos, dar voz a quem não tem poder e chamar a atenção para situações muitas vezes inconvenientes. Implica questionar o status quo, apresentar resultados e provar que só se tem resultados quando todos os colaborados são incluídos e valorizados. “Liderar no feminino é usar a intuição, é dialogar, é criar pontes para chegar a um consenso, é lutar para uma maior equidade, maior justiça, maior sustentabilidade”, descreve.

A discriminação continua a acontecer nos dias de hoje, e em parte Manuela Doutel Haghighi culpa a sociedade que espera que as mulheres sejam boas mulheres, que tenha como objetivos casar e ter filhos, ser boas esposas e boas mães acima de tudo o resto.
“Enquanto meninas forem educadas a serem bem-comportadas, limpinhas e princesas e enquanto lhes dermos barbies e cozinhas para brincar, não vamos ter mulheres que se interessem por ciências, tecnologias ou… liderança!”, exclama. “Porque para chegar lá é preciso aprender a jogar, arriscar, negociar”.

Para Manuela, é necessário mudar os paradigmas de gestão, os critérios de promoção e a forma como as empresas estão organizadas. Números publicados num relatório anual não são suficientes quando se fala em diversidade e inclusão.
Enquanto mulher num cargo de liderança numa área dominada por homens, é uma referência para outras mulheres. Com o objetivo de partilhar os seus conhecimentos, juntou-se ao Women Network em Portugal onde faz Empowerement Workshops que ensinam as regras informais do mundo empresarial. Trabalha ainda como mentora na Portuguese Women in Technology.
Para as jovens que pretendam ingressar na área, deixa alguns conselhos – escrever um currículo de que se orgulhem, aprender as regras informais da sua organização (como funciona, quem tem poder, quem toma decisões e como devem evoluir nela), e focar-se no que é urgente e não na perfeição. É essencial valorizarem-se e ter curiosidade pelo mundo à sua volta, mantendo-se informadas. A união é também um fator fundamental, através das Women Networks.
Acima de tudo, coragem – “a História foi feita por quem arriscou e não por quem consentiu com o seu silêncio”, realça.