OS DESAFIOS DE UMA GRÁFICA SECULAR NA ERA DO DIGITAL

Filipa Torres, Ana Ribeiro, Ana Torres
As irmãs Torres cresceram dentro da Gráfica Lousanense, rodeadas de cores, livros e máquinas. Atualmente estão à frente da empresa, sendo a 5.ª geração da família a gerir a empresa e pretendem passar o legado aos seus filhos. Para isso, têm de ultrapassar os desafios da digitalização.

A Gráfica Lousanense nasceu antes da 1.ª República Portuguesa e, apostando no desenvolvimento das mais rigorosas competências profissionais e técnicas, o que as torna, atualmente, uma empresa de referência no mercado. Ao longo de 136 anos, presenciou a Implantação da República, a instauração da ditadura Salazarista e o 25 de abril. Resistiu a duas guerras mundiais, a várias crises económicas e à evolução dos processos produtivos – passaram da impressão tipográfica manual, em que as palavras eram formadas manualmente, juntando letra a letra, para a impressão digital, que está à distância de um clique.

Fundada em 1885, apresenta-se como uma história de paixão e dedicação às artes gráficas. É dirigida pela mesma família desde 1898, ano em que Júlio Ribeiro dos Santos, um antigo funcionário da gráfica, a adquiriu e iniciou, sem se dar conta, uma dinastia da direção da empresa.

O testemunho passou através de gerações sucessivamente até aos dias de hoje. Ana e Filipa Torres, representam a 5.ª geração. Ambas cresceram envolvidas no ambiente da gráfica, rodeadas de livros e máquinas. Assim, aprenderam, antes dos outros meninos da escola, as cores primárias.

Nunca sentiram pressão familiar para seguir a área gráfica, mas desde cedo decidiram que esse seria o seu futuro. “É impossível não crescermos fascinadas pelo mundo colorido quando se entra gráfica adentro”, conta Ana Torres. Para complementar a “arte do saber” que cresceu com elas, escolheram cursos na Universidade que seriam benéficos para a empresa. Filipa estudou Gestão e Ana Gestão de Marketing com mestrado em Estratégia de Investimento e Internacionalização. Antes de entrarem efetivamente no negócio de família, decidiram passar por outras empresas, pois acreditam que “quanto melhor conhecermos o resto do mundo, melhor saberemos tomar decisões e definir caminhos.”

Desde pequenas que tem orgulho na gráfica, pela sua história de superação de desafios externos e internos. Quando começaram a trabalhar sentiram também uma grande responsabilidade porque, além das decisões do quotidiano de um gestor, acumulam a preocupação de marcar a empresa pelo positivo e permitir que os seus filhos tenham a possibilidade de escolher suceder-lhes. Este é o grande desafio das suas vidas.

Não existe uma solução mágica para o sucesso contínuo de uma empresa e a única certeza que têm é que “nada é permanente exceto a mudança”. Tentam diariamente honrar os seus antepassados, melhorando o saber-fazer, questionar e procurar soluções.

Em tempos de crises económicas, preparam a empresa para ser o mais flexível possível. Para tal é preciso saber reestruturar e renegociar, mas acima de tudo, ter os parceiros certos – “sem nunca esquecer de quem soube estar ao nosso lado quando mais precisámos e privilegiar sempre esses nas tomadas de decisões. Sejam eles fornecedores, clientes ou entidades bancárias”, explica Ana.

Essencial são também máquinas cada vez mais eficientes na produção e, sobretudo, uma equipa coesa e unida em todos os momentos. “E é neste ponto que mais sortudas no sentimos: somos duas na linhagem da família, mas somos 24 a dar o nosso melhor,” assegura.

É com esta equipa dedicada que a Gráfica se destaca. Mais do que o preço e a rapidez de resposta que competem com outras gráficas, acreditam que a escolha da Lousanense recai nos funcionários que procuram atentivamente ajudar e orientar os clientes em todo o projeto.

A Gráfica Lousanense assume-se como especialista em livros e foi por esta paixão que tudo começou. Aqui foram impressos livros de autores como José Saramago, Álvaro Cunhal, Mia Couto, Daniel Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa.

Ana relembra que quando José Saramago ganhou o Prémio Nobel da Literatura até ela e a sua irmã Filipa, ainda pequenas, foram ajudar numa produção em série noite e dia, um momento único na empresa.

A nível pessoal, o autor que mais marcou as irmãs Torres foi o Professor Doutor Rui Moreira de Carvalho, com o seu livro A Força das Coisas. “Um homem ímpar, um mobilizador de pessoas, um transmissor inigualável de conhecimento, que se cruzou no nosso caminho num momento difícil e soube retirar de cada uma de nós a força de que precisávamos para enfrentar os nossos desafios.” E por isso estão-lhe eternamente gratas.

No entanto, com a crise livreira, a gráfica deixou de se dedicar apenas a ficção e não-ficção. Longe estão os dias das grandes tiragens. Focam-se em ser competitivos com as médias e pequenas tiragens, ajustando para que os tempos de entrada da máquina sejam os menores possíveis. Hoje, em vez de fazerem 10 000 livros, fazem tiragens de 30, 50, 100, 500, 1000 ou 2000 exemplares, conjugando a impressão digital e o offset o  melhor possível.

A adaptação é essencial para o sucesso e por isso abriram horizontes na indústria gráfica. Atualmente fazem muitos materiais de comunicação, como catálogos, folhetos, revistas, autocolantes e cartões de visitas. Uma lista enorme de serviços, que podem ser acompanhados desde a pré-impressão aos acabamentos. A paixão pelos livros continua inabalável, segundo Ana, mas confessa que também gosta muito de produzir todo o que seja fora da caixa – “traz-nos muita disciplina e adrenalina ao nosso dia a dia.”

Cada geração ofereceu à gráfica algo de novo. “Se não fosse assim não estaríamos aqui para contar a história”, afirma Ana Torres. O desafio desta geração passa pelo e commerce e a digitalização de processos. Para o superar, têm vários projetos que “já saíram da gaveta” – uns em fase de análise outros de concretização. “Sabemos o que queremos, mas é essencial o equilíbrio económico-financeiro e é obrigatório colocarmos os vários cenários”, esclarece.

A Lousanense sempre teve uma componente feminina muito forte na sua gestão, começando pela bisavó das irmãs, seguida da avó e a mãe até chegar a sua vez. “Acreditamos que isto nos diferencia, mas não só nos define”, diz Ana. Os seus clientes apontam frequentemente a atenção que dão a todos os pormenores, o carinho que colocam nos projetos e na sua forma de interagirem. “Mas mais do que sermos mulheres, pensamos que tem muito que ver com os valores pelos quais nos regemos, e esses não foram passados apenas por mulheres, pois no nosso caso devemo-los também aos nossos avôs e pai”, acrescenta. Valores como o profissionalismo, seriedade e honestidade, que pretendem transmitir igualmente aos seus filhos.

Trabalhar com a família têm os seus prós e contras. Uma das adversidades é conseguir separar a vida pessoal da profissional, algo que Ana Torres admite ser complicado. Todos os domingos, juntam-se para planear a semana e fazer mapas de produção. “Outras vezes, estamos a almoçar e lá vem uma preocupação”, admite. Sendo a gestão da Gráfica o grande desafio das suas vidas, é difícil desligar do trabalho. “Mas somos, hoje, mais regradas em tudo o que à nossa vida pessoal diz respeito”, garante.