Há uns tempos, quando apresentava a simulação final para completar o Certificado de Competências Pedagógicas, senti um frio a percorrer o meu corpo. Os meus colegas falavam de coisas importantes, de construção de notícias, de realização de programas televisivos, de reportagens multimédia, de fotojornalismo e eu estava ali a brincar com palavras. Respirei tão fundo até o ar chegar aos pés e deixar o meu coração prestes a rebentar. “Faz o que tu sabes, Mónica, faz com toda a tua paixão.”
E fiz. E o sorriso na cara dos meus colegas, o entusiasmo com que completaram o desafio que lhes propus, fez-me pensar: “E se, Mónica…”É, tantas vezes, nos “e se” dos nossos dias que a vida avança. A minha avançou quando tudo era um monte de pontos de interrogação. Trabalhava como jornalista há mais de duas décadas. Tinha escrito para jornais e revistas, e ainda tinha passado pela televisão, a pesquisar conteúdos para programas. Quando era miúda, sempre disse que queria ser escritora, mesmo quando nem sabia muito bem o que era isso de juntar palavras e encher páginas e páginas de frases, vírgulas e pontos finais. Escolhi estudar Comunicação Social porque acreditei que era o que mais se aproximava de uma contadora de histórias. Nos tais 20 anos em que trabalhei, tantas vezes feliz, outras tantas sem paixão, senti que os anos avançavam, mas ainda não era “aquilo”, não era o jornalismo que me ia encher o peito de amor profissional. Uma situação de desemprego forçado levou-me, primeiro a uma tristeza profunda e a um bater no fundo no que toca a autoestima, mas, anos mais tarde, percebi que tudo acontece por uma razão. Claro que é fácil pensar assim agora, quando a dor de não ter trabalho e de me sentir inferior aos que me rodeavam já não está colada a mim. Hoje agradeço profundamente ter ficado desempregada. Não fosse aquele 28 de junho de 2010, dia em que, ironicamente, o meu filho mais velho festejava cinco anos e o jornal onde trabalhava, terminava, eu não estava aqui, agora, a escrever que o meu sonho é deixar pessoas apaixonadas por palavras. A Escrita Criativa entrou na minha vida quando eu tinha 30 anos. Fiz um curso na “Escrever Escrever” e percebi que brincar com as palavras não era só coisa de miúdos. Os exercícios ficaram a marinar na minha cabeça e na ponta dos meus dedos. De formanda passei a formadora. Nervosa, sem certeza alguma do que estava a fazer, ainda sem estrutura, ainda sem grande convicção. Parei por uns tempos. Criei, juntamente com a minha mãe, as “WordCookies”, uma empresa que junta bolachas a palavras. A minha vida começava a ganhar um novo rumo. De repente, passei a lidar com fornecedores de caixas, de ingredientes, com departamentos de marketing a pedir orçamentos, com olhares de pena – “oh coitada, era jornalista e agora faz bolachas” -, com idas constantes aos correios, com questões de contabilidade…
Comecei a escrever livros. Os meus, os das empresas, os de quem não tem tempo ou habilidade para o fazer. As palavras, sempre as palavras coladas a mim. E sempre aquela ideia, às vezes em ebulição, outras completamente adormecida: tenho o sonho de deixar as pessoas apaixonadas por palavras. Então decidi voltar a dar formação. Preparei-me e o melhor possível. Estudei, testei e duvidei todos os dias de mim. “Será que as pessoas precisam mesmo de aprender a brincar com as palavras, Mónica?”, questionava-me constantemente. Até que entrei numa sala de formação. 13 pessoas. Um número de sorte que me mostrou, sem qualquer tipo de incerteza que sim, era, é este o meu caminho. Percebi isso quando a Mafalda chorou ao ler o texto dedicado aos avós. Percebi isso quando a Paula deixou os colegas com dores de barriga de tanto rir por culpa de um tomate armado em político. Percebi isso quando a Marta escreveu sobre a dor de perder um bebé, quando a Elsa arrancou a raiva de ter sofrido violência doméstica, quando o Fernando criou personagens em forma de vírgulas, quando o Zé pôs uma melancia a arrumar tupperwares, quando a Rita começou a trabalhar no seu primeiro livro, quando a Andreia criou diálogos entre colheres e chávenas, quando o Francisco percebeu que podia escrever cartas aos amigos, quando a Rafaela voltou a publicar textos no blogue, quando o Daniel escreve sobre o tempo que lhe escorre de forma desenfreada pelas mãos, quando a Marta sentiu que escrever não dói, quando o Bruno contou todas as peripécias que passa nas lojas dos chineses, quando a Karla, a Sandra, a Ida, a Lídia, a Daniela, a Belinda, o Michael, a Catarina, o Jorge, a Nádia, a Sara, o Luís, o Tiago, a Ana, a Dina, o Mário, a Mariana, o Nuno, a Sylvia, a Susana, a Cristina, a Inês, a Telma, a Raquel e tantos, tantos formandos choraram e riram à minha frente. O talento é de cada um deles, mas percebi que todos precisaram de um empurrão para criar esses textos. Para dar esse passo.
Chamo-me Mónica, tenho 42 anos e hoje tenho a certeza de que a minha missão é deixar as pessoas apaixonadas por palavras.