“POR DEFINIÇÃO, TODO ATO MÉDICO DEVIA TER COMO OBJETIVO FINAL A “CURA”

Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Ana Moreira é mais que apenas médica. Fundou o Centro de Medicina Integrativa, Dra. Ana Moreira e é Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Integrativa.

 

Com uma família numerosa que é o seu orgulho, a medicina surgiu desde cedo. Com a certeza inabalável de que aquele seria o caminho a seguir, pisou pelas levadas do pai e do avô que, como médicos que eram, sempre a motivaram a “ver se doía a barriga às bonecas e dar-lhes xarope.”

Ativista da felicidade, sempre procurou conquistas profissionais. “Nunca tive dúvidas, quando chegou a idade de escolher uma profissão. Não me lembro de querer ter outra ocupação a não ser médica. Desta forma, licenciei-me na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, com 24 anos, e fui para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia para ingressar na especialidade de patologia clínica, tal como o meu pai e o meu avô. E depois, durante esse percurso, entrei para esta área que se chama Medicina Integrativa e Funcional. Primeiro fui ao Brasil fazer uma pós-graduação em Medicina Estética, depois fiz uma pós-graduação em Medicina Antienvelhecimento e por fim fiz um mestrado em Medicina Biológica e Antienvelhecimento. E a partir daí comecei a trabalhar nesta área médica, que se denomina Medicina Integrativa e Funcional”, revela. O seu papel da medicina não ficou limitado ao que à carreira hospitalar diz respeito, sendo aí que a reviravolta surgiu. “Foi o destino, aquilo que chamamos vida, que me colocou no caminho de outras leituras, de outras filosofias e de outras abordagens médicas, com as quais me identifiquei e para as quais senti uma vocação. A partir daí comecei a estudar esta dinâmica, esta diferença de raciocínio e pensamento médico, que se traduz na melhoria da qualidade de vida do paciente como objetivo final; porque se baseia em conceitos modernos de epigenética, neuroplasticidade, neurocardiologia, psicoimunologia e medicina ortomolecular. Por definição, todo ato médico devia ter como objetivo final a “cura” (e a cura é muito mais do que a ausência de sintomas).”

Foi desta forma que percebeu que a vida a colocou em contacto com diversas e distintas abordagens que despertaram nela a consciência do chamamento, pesasse embora fazer sentido que se procurasse a causa dos sintomas que levam a uma doença. “É isso que o paciente nos traz quando vem a uma consulta (…) mas para mim, a procura destas causas (a maioria das vezes desconhecidas) podem ser, por exemplo, a sobrecarga de metais pesados, o excesso de radiação eletromagnética, a toxicidade da matriz extracelular ou, simplesmente, um NICO a nível dentário. Ir à fisiopatologia da doença dos nossos pacientes fez todo o sentido para mim e, a partir daí, decidi dedicar-me a integrar estas abordagens médicas modernas com a prática médica convencional.”

A decisão de ter uma atividade clínica surgiu concomitantemente com a decisão de abandonar a carreira hospitalar. Para iniciar a carreira clínica em Medicina Integrativa, precisava de um local físico onde pudesse atender pessoas, o que se revelou uma dificuldade. “Era um local pequenino, na cidade do Porto. À medida que o tempo foi passando e que outros profissionais de saúde na área da Medicina Integrativa se foram juntando à equipa, houve a necessidade de arranjar um sítio maior e, dessa forma, “foi lógica e natural a decisão de ter um centro médico, multidisciplinar, onde pudéssemos estar todos com o mesmo “nome”, com a mesma filosofia, com a mesma missão de vida: Com o mesmo objetivo de ajudar as pessoas, a melhorarem os seus quadros clínicos, tendo em conta esta versão holística”, assume.

No que respeita à presidência da Sociedade Portuguesa de Medicina Integrativa, Ana Moreira conta com carinho como chegou a um cargo quase “político” na área da saúde: “Ao assumir um papel “político” na saúde quando aceitei a presidência da Sociedade Portuguesa de Medicina Integrativa e aceitei ser membro da Comissão Executiva da Sociedade Europeia da Medicina Integrativa, sabia que me estava a meter “em trabalhos”. Estes são papéis “políticos” na saúde integrativa e que me tomam muito tempo, mas que também me dão muito prazer, exactamente pela missão pedagógica que eu penso ter nesta vida, além disso são totalmente pro bono.”

Por entre vitórias e sucesso, também os desafios tiveram lugar no caminho trilhado por Ana Moreira. A área de Medicina Integrativa enfrenta, ainda, algum desconhecimento e desinformação, acabando por ser subvalorizada. “Profissionalmente, as maiores dificuldades que enfrentei estiveram relacionadas com colegas da mesma profissão, ou seja, os outros médicos que, por desconhecimento ou desconfiança, não sabem sobre a área da Medicina Integrativa e Funcional, logo nem a reconhecem como válida. No início, quando comecei a trabalhar nesta área, tinha muito medo da falta de reconhecimento dos “pares”, dos meus colegas e amigos. Também tinha tristeza que a minha família não reconhecesse a mudança que eu estava a fazer – na realidade, naquela altura, eu estava a mudar para o desconhecido – estava a trocar o “certo” pelo “incerto”. Com o tempo, renderam-se às evidencias e tenho, inclusivamente, duas irmãs a trabalharem comigo”, confessa.

Também a gestão de tempo entre diversos trabalhos, conjugando ainda com a vida familiar, se revela desafiante. “A conciliação é com alguma dificuldade e deve ser com muita mestria, como para qualquer mulher que seja mãe, profissional e esposa. E principalmente evitarmos a “culpa”. Esse foi um sentimento que tive muitas vezes no passado, quando estudava tinha filhos pequenos e já exercia atividade médica. Culpa de não conseguirmos “ter tempo para tudo”. Devemos evitar este sentimento, porque quase sempre, fazemos o melhor que sabemos e que podemos.”, diz, levantando o véu. No extremo oposto deste espectro, Ana fala com carinho do reconhecimento dos pacientes, que é o seu maior agrado: “Eles são a minha maior fonte de inspiração, a minha vocação e a minha missão, e o reconhecimento da ajuda e do trabalho que fazemos diariamente é o verdadeiro prémio.”

Não obstante o lugar de destaque que a medicina ocupa na vida da Drª Ana Moreira, a comunicação também faz parte do seu quotidiano e tem um espaço no coração de alguém que desde cedo se considera atriz, estudou teatro e tem uma aptidão vincada no que à comunicação e oralidade dizem respeito. Neste sentido, atua como oradora e usa a sua voz para dar voz. “Influenciei o destino quando comecei a ter uma voz mais ativa em termos pedagógicos, porque por volta de 2014 / 2015 senti que não ia chegar, com as minhas mensagens, a todas as pessoas que eu gostaria. Com isto quero dizer que através das minhas consultas individuais, humanamente, não iria conseguir chegar a todas as pessoas que gostaria de ajudar e senti que devia falar e expor publicamente as mensagens do que estava a estudar e assim ensinar outras pessoas as melhorarem as suas vidas com estes ensinamentos.Comecei a fazer palestras que, na altura, eram mensais. Alugava anfiteatros e fazia palestras gratuitas em que apenas pedia às pessoas para levarem fraldas, alimentos ou livros, para depois serem entregues a instituições de solidariedade. Eu “dava aos outros” e “os outros que me ouviam davam, por sua vez, a outros.”

Com a chegada da pandemia de Covid-19, passei a fazer as palestras online. Isto é algo que gosto imenso de fazer, além disso acho que tenho imenso jeito e, portanto, é algo que vou continuar a fazer! Acho que é a minha versão de atriz médica, esta função pedagógica.” Com todas estas facetas e ofícios, sem descurar ainda a vida pessoal e familiar, Ana Moreira considera-se alguém com “estrelinhas de mérito e de sorte” que a permitem fazer uma gestão de tudo com alguma facilidade. “Ainda assim, reconheço que na sociedade em que vivemos tudo isto é dificultado pela condição de ser mulher, de ter um “útero”, de ter sido mãe de duas consciências, de ter que as acompanhar durante a sua infância, o seu desenvolvimento, o seu crescimento, e isso exige tempo. Esse tempo foi retirado à parte profissional, obviamente. Portanto, o equilíbrio entre ser mãe, ser mulher e ser profissional, é o equilíbrio mais difícil nesta sociedade em que vivemos, embora eu seja uma sortuda, porque embora tenha existido uma altura na minha vida em que isso foi muito difícil, agora consigo fazê-lo com com relativa facilidade. Tento ser bastante equilibrada na gestão do tempo para a clínica e para a família; e para a organização do 14º Congresso Europeu de Medicina Integrativa, de 30 de setembro a 1 de outubro na cidade do Porto que sem dúvida este ano de 2022 é o que está a consumir a maior parte do meu tempo.”