O MUNDO PRECISA DE LIDERANÇA DIGITAL NO FEMININO

Rita Veloso, Vogal Conselho Administração Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, Young Executive Leader International Hospital Federation

Ser líder no feminino já é por si só um grande desafio. Quando falamos em liderança feminina nas áreas tecnológicas, o desafio torna-se ainda maior. Poderia soar a contrassenso,mas efetivamente não o é, são cada vez mais necessárias qualidades humanas e de gestão de pessoas para conseguir uma efetiva e desejada transição digital na nossa sociedade, devendo lembrar que tornar digital não é desumanizar e virtual não significa distante.

 

Felizmente em Portugal, nestas áreas em particular, são várias as empresas, inclusive, multinacionais, que são atualmente lideradas por mulheres de excelência e sobejamente competentes, mas deveríamos ser muitas mais. O mundo digital proporciona de longe um potencial muito maior para promover a igualdade de género, ser menos preconceituoso e mais inclusivo do que o mundo “tradicional” e, no entanto, o mundo digital ainda é maioritariamente liderado pelos homens. Porquê?

O “Glass Ceiling” ainda é uma barreira invisível que impede as mulheres de chegarem às posições superiores e de liderança. Os homens ainda são vistos como os líderes por defeito, mais acentuado ainda quando falamos em tecnologia, reforçando a visão de que existe a competência de “pensar, pensar masculino”. Então, as mulheres que aspiram a liderar, devem passar a “pensar como um homem”?

Um estudo da Harvard Business Review comparou a liderança masculina com a liderança feminina tendo em conta 16 competências que estão associadas a uma maior eficácia geral da liderança. Os resultados vão ao encontro do estereótipo de que as mulheres “cuidam” – as mulheres obtiveram pontuações mais altas do que os homens no estabelecer de relacionamentos, inspirando e motivando os outros, potenciando o autodesenvolvimento. No entanto, ao mesmo tempo, travou o estereótipo de que os homens “assumem” – revelando que as mulheres superaram os homens ao mais alto nível nestes dois traços: tomada de iniciativa e orientação para obter resultados.

Então, se as mulheres serão mais competentes, segundo os traços anteriormente descritos, do que os homens, por que razão o número de mulheres em cargos de direção continua a não ser equilibrado? Será afinal uma questão de perceção de confiança e não de competência efetiva? Porque é que parece ser tão fácil para alguns homens “incompetentes” tornarem-se líderes? E por que será tão difícil para as pessoas “competentes” – especialmente muitas mulheres “competentes” – assumirem a liderança?

Geralmente interpretamos erradamente as demonstrações e perceções de confiança como um sinal de competência, somos levados a acreditar que os homens são melhores líderes do que as mulheres. Definitivamente, e respondendo à pergunta anterior, as mulheres não devem pensar nem agir como homens, mas devem talvez perceber como podem demonstrar a mesma confiança para cargos de liderança como um homem. E não me parece, como também alguns apontarão, que as mulheres não ambicionem este tipo de lugares. E digo-o por convicção, mas também porque tenho tido o privilégio de lidar ao longo dos anos com muitas mulheres que aspiram um dia assumir justamente lugares de liderança. Nesta era cada vez mais digital, o facto de as mulheres parecerem superar os homens na inteligência emocional, assume uma importância crucial no capítulo da liderança. Os homens tendem a ter um melhor desempenho quando o foco está na gestão de tarefas, enquanto as mulheres tendem a ter um melhor desempenho quando o foco está na gestão das pessoas, e disso não tenho dúvidas. E como se espera que a Inteligência Artificial automatize a maioria dos componentes de liderança orientados para as tarefas, podemos esperar que os melhores gestores de pessoas sejam procurados, e abrir espaço para mais mulheres em cargos de liderança. E temos a nosso favor duas forças inabaláveis: intuição e paixão. E muitas vezes, como sabemos, na gestão de topo somos confrontados com situações que exigem resposta imediata e em que o bom senso e a intuição são as ferramentas de que dispomos naquele momento.
Já Daniel Kahneman, prémio nobel da Economia em 2002 na sua obra “Pensar, Depressa e Devagar” defende a existência de “dois cérebros”: um que efetivamente pensa depressa e outro que pensa devagar, e todos nós recorremos a ambos nas nossas diferentes tomadas de decisão.

Quando precisamente falamos de um mundo digital, acelerado por esta Pandemia que nos afeta a todos, foram precisamente as características pessoais de empatia, proximidade, rapidez nas tomadas de decisão, reconhecimento, suporte emocional, liderança pelo exemplo, que fizeram com que as Instituições experienciassem de forma diferente esta nova realidade e se adaptassem melhor, ou pior, pela capacidade de motivar as suas pessoas e equipas e capacidade de continuar a fazer acontecer, mesmo em cenários exigentes e adversos como este. Quem me conhece sabe. Os afetos, os carinhos, os abraços, a partilha, contam e muito. Percorrer os corredores, reconhecer um sorriso ou lágrima, ter a porta aberta para escutar as nossas Pessoas, mas garantindo o encontrar de soluções conjuntas para desenvolver a autonomia e a resiliência necessárias para ultrapassar as adversidades, tem de, inevitavelmente fazer parte da nossa rotina inconsciente, como o simples respirar. Não pode ser forçado, não pode ser programado, tem de ser sentido.

Assim é também a liderança feminina, algo que não se explica, sente-se.