“A RESILIÊNCIA E A CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO SÃO PALAVRAS-CHAVE PARA PROFISSIONAIS COM CARREIRAS INTERNACIONAIS”

Rita Vilas-Boas acaba de terminar mais uma etapa profissional, desta vez no mercado angolano. Encara a sua saída com orgulho por, em conjunto com a sua equipa, ter obtido excelentes resultados nas ações de campanha do Grupo Castel.
Os novos desafios passam por adquirir mais competências em tecnologia e na transformação digital. E, Rita Vilas-Boas afirma que é fora da zona de conforto que se encontram as maiores oportunidades de crescimento.

ATUALMENTE É RESPONSÁVEL PELO MARKETING ESTRATÉGICO DO GRUPO CASTEL, UM DOS PRINCIPAIS GRUPOS DE BEBIDAS DO CONTINENTE AFRICANO. DE QUE FORMA ABRAÇOU ESTE PROJETO?

Acabo justamente de concluir este ciclo da minha vida. As categorias de cervejas, refrigerantes e bebidas sempre me fascinaram pela emoção que comportam, pela proximidade e capacidade que temos de impactar os consumidores. São áreas em que a comunicação se faz muito de emoções, e isso agrada-me. Por isso tem sido uma área importante na minha carreira.

É fantástico ter tido a oportunidade de trabalhar num dos maiores grupos mundiais do setor, especificamente o terceiro produtor mundial de vinhos e o segundo player de cervejas em África.

Por outro lado, tenho também muito orgulho em ter preparado uma equipa para dar continuidade ao trabalho desenvolvido. Não posso, por isso, deixar de estar muito orgulhosa, quer do legado que deixo, quer do percurso feito, mas – acima de tudo – dos resultados que os estudos mostram sobre a qualidade e o reconhecimento que as ações e campanhas tiveram junto dos consumidores e da população.

JÁ TRABALHOU EM VÁRIAS EMPRESAS DE RENOME COMO, POR EXEMPLO, NUVIBRANDS, SOGRAPE, SUMMERGATE, PROCTER & GAMBLE E L’ OREAL. QUE BALANÇO FAZ DA SUA EXPERIÊNCIA NO MERCADO INTERNACIONAL?

De facto, às vezes reflito sobre as diferenças entre estes mercados: Europa, Ásia, África, com passagens pelos Estados Unidos. Uma experiência global, cheia de diversidade, de desafios e de aprendizagens enriquecedoras a todos os níveis.

Este mês termino esta experiência no continente africano. Mais uma experiência, mais um mercado, mais uma categoria. Desta vez, num mercado desafiante como angolano, no setor das cervejas. Antes os vinhos, a cosmética, as pilhas… Transporto acima de tudo a noção que estas experiências nos mercados internacionais me permitiram aprendizagens que não teria de outra forma, em particular a capacidade de lidar com a diversidade. Diversidade de contextos, de línguas, de pessoas, de culturas, de formas de trabalhar, de empresas…é claramente um dos maiores enriquecimentos que a experiência internacional me tem trazido.

Também a resiliência e a capacidade de adaptação são palavras-chave para profissionais que optam por carreiras internacionais. De cada vez que nos integramos num projeto e num país diferente, tudo muda. O contacto, o mercado, a forma de chegar aos consumidores, os métodos de trabalho…É necessária uma boa dose de abertura e de humildade para que sejamos capazes de desempenhar os nossos papéis com sucesso.

Cada experiência, em cada país, marcou-me de forma distinta, mas muito positiva. Ao olhar para trás, posso afirmar que sou a profissional e mulher que sou hoje graças às oportunidades que tive de ver o mundo e de poder trabalhar com tantos contextos, culturas e pessoas diferentes, com quem pude aprender e evoluir.

Tenho refletido sobre a quantidade de vezes que es- tas mudanças e estes “novos ciclos” já aconteceram na minha vida. Apesar da diversidade, as vezes que atravessei países, continentes e oceanos, em busca de novos desafios, foi sempre com um propósito comum: colaborar para a inspiração, para os resultados e para o desenvolvimento de empresas, marcas e pessoas.

ALGUMA VEZ SENTIU DISCRIMINAÇÃO OU SENTIU RECEIOS POR TRABALHAR EM EMPRESAS LIGADAS, A UM SETOR PREDOMINANTEMENTE MASCULINO?

É evidente que o tema da afirmação da mulher num mundo de homens é complexo e sentido de diversas formas em muitos contextos e culturas. Há logicamente um enorme caminho a percorrer nesta matéria, mas acredito que para tal é necessário que as mulheres continuem a acreditar que são tão capazes quanto os homens.

A nossa afirmação – pessoal e profissional – faz-se da capacidade de entrega e da nossa capacidade de diariamente não deixarmos que nos diminuam, as nossas capacidades e competências.

As dificuldades do contexto – sejam elas quais forem – são apenas variáveis com que temos de lidar.

O meu desafio sempre foi mais focado em afirmar-me como profissional e não como mulher. E é assim que acredito que as mulheres devem pensar. Quando acreditamos nas nossas capacidades e lutamos pelos nossos objetivos, somos capazes de conquistar o nosso lugar no mundo.

QUAIS OS SEUS PLANOS PARA O FUTURO?

Os meus próximos desafios passam por desenvolver mais competências em tecnologia e na transformação digital. Para a minha geração, o salto tecnológico – desde a altura em que estudamos na universidade até aos dias de hoje – é enorme. Conseguir acompanhar essa transformação é um desafio que impus a mim mesma, porque é claramente um dos temas que me poderá preparar melhor para os próximos ciclos.

É um desafio que me colocará em zona de desconforto, mas entendo isso como positivo, pois permite-nos continuar a desafiarmo-nos, a aprender. É fora da zona de conforto que encontramos as maiores oportunidades de crescimento e evolução, quer como profissionais, quer como pessoas.

A RITA VILAS-BOAS CONTA COM MAIS DE 20 ANOS DE EXPERIÊNCIA, NO SETOR DOS FAST MOVING CONSUMER FOODS. QUAIS AS MAIORES MUDANÇAS NA COMUNICAÇÃO DAS MARCAS?

Creio que quando comecei a ver televisão, a campanha “O melhor para o homem” da Gillette foi talvez a que mais me marcou. Uma campanha emotiva, geracional, de valores.

A partir do final dos anos 90, as marcas começaram a focar mais em produto, atributos, tecnologia, entre outros, e sinto que foi em 2009, quando Simon Sinek fala do “golden circle” e “start with why”, que sinto que a comunicação sofre uma viragem, para um foco grande no propósito. Um dos exemplos disso foi o surgimento de campanhas memoráveis. Por exemplo da P&G, “thank you mom”, ou agora recentemente no Natal, campanha da Vodafone de Natal, “abra o presente”, que nos trazem muito mais do que um produto, trazem-nos memórias, emoções, e é a isso que devemos voltar.

Sinto que estamos a voltar a esses momentos de quando comecei a ver televisão. A uma comunicação mais emotiva, mais próxima, mais sensorial. Menos focada no propósito da venda e muito mais ligada às sensações, experiências e emoções. A evolução do mundo e, em particular, através da tecnologia veio mudar totalmente a forma como a comunicação é feita. De repente, a comunicação está em todo o lado, ao mesmo tempo, com infinitos formatos e feitios.

Somos inundados por estímulos a todos os momentos do nosso dia. O consumidor mudou e tornou-se mais exigente, mais informado e menos paciente. Muito mais do que o produto em si, hoje valoriza-se a forma como é feito, de onde vem, que sensações e experiências proporciona…este conjunto de mudanças veio mudar a forma como as marcas chegam aos seus consumidores.

No entanto, a base da gestão das marcas e dos negócios – os estudos de mercado, o conhecimento dos consumidores, a proximidade com os clientes – são alicerces que se devem manter inalterados. Devemos ter as “máquinas” ao nosso serviço, mas somos humanos e seres que nos relacionamos e não nos devemos esquecer disto.

O QUE REPRESENTA, PARA SI, ESTAR NUM CARGO DE CHEFIA NUM MERCADO INTERNACIONAL, NUMA EMPRESA DE RENOME?

É uma grande responsabilidade e também um grande orgulho estar num cargo de chefia numa empresa tipicamente gerida por homens, seja em que mercado for.

Paralelamente, é também uma enorme oportunidade de crescimento. Por cada empresa onde passámos e em cada função que desempenhamos temos algo a aprender. E devemos aproveitar ao máximo para absorver e integrar todas essas experiências, para tornarmo-nos profissionais cada vez mais completas.

OS BONS EXEMPLOS DE LIDERANÇA NO FEMININO SÃO AQUELES QUE…

São aqueles que não precisam de género para se afirmarem. Aqueles que nos inspiram. Que nos dão vontade de nos superarmos a cada dia e a cada projeto. Aqueles que nos desafiam. Que nos fazem evoluir. Que nos fazem sentir um frio na barriga. Aqueles que nos tiram das nossas zonas de conforto, que nos permitem desenvolver as nossas capacidades ao máximo e sabem tirar partido delas. São aqueles que acreditam nas suas pessoas e nas suas equipas e que acreditam que o sucesso está na soma das partes.

Os bons exemplos de liderança no feminino estão em todo o lado, e é com orgulho que assistimos de forma progressiva e encorajadora a um número cada vez maior de mulheres a chegar a cargos de decisão, um pouco por todo o mundo.

NO ÂMBITO DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER, QUE MENSAGEM GOSTARIA DE DEIXAR ÀS PROFISSIONAIS QUE AMBICIO- NAM SER LÍDERES E/OU CONSOLIDAR A LIDERANÇA?

Não tenham medo de ser ambiciosas. Lutem. Acreditem. Superem-se. Caiam, mas levantem-se e continuem firmes. Transformem os erros em aprendizagens. Nunca se esqueçam de que são capazes. Tão capazes como qualquer homem.

Estou firme de que são as mulheres que devem querer ocupar os lugares de liderança. E se os quiserem, devem fazer-se ouvir. Sem receio de exigir mais, de quererem sentar-se à mesa. É preciso que as mulheres executivas continuem a deixar as suas marcas nas empresas por onde passam. Quanto mais bons exemplos de liderança no feminino o mundo tiver, mais equilibradas serão as oportunidades de progressão nas carreiras.