A CIG celebrou, este ano, 40 anos de existência. Fale-nos dos maiores contributos na nossa sociedade.
Os últimos 40 anos foram de transformações profundas na sociedade portuguesa, também no que se refere ao estatuto e ao papel das mulheres. E o papel desempenhado pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade (CIG) é inquestionável. Desde logo, as alterações legislativas que vieram garantir a igualdade entre mulheres e homens em todos os domínios da vida social, de que são exemplos a abolição das restrições ao voto das mulheres e ao ingresso a todas as profissões, a revisão do Código Civil que veio garantir a igualdade de estatuto entre mulheres e homens no casamento, ou a lei que veio garantir a igualdade entre mulheres e homens no trabalho e no emprego, resultaram de iniciativas da CIG, então Comissão da Condição Feminina, fundamentadas num diagnóstico rigoroso sobre as desigualdades então existentes na lei. A CIG foi igualmente pioneira ao chamar a atenção para o fenómeno da violência doméstica, que há algumas décadas era praticamente invisível, ou mesmo “naturalizado”. A evolução da forma como é visto este atentado aos direitos das mulheres é muito significativa: de uma posição que se baseava no princípio de “entre marido e mulher não metas a colher”, chegou-se à aprovação de uma lei que garantia a proteção adequada às mulheres vítimas de violência, sendo que, posteriormente, a violência doméstica passou mesmo a ser enquadrada como “crime público”. Foi igualmente a CIG que estimulou a reflexão sobre a escassa participação das mulheres na tomada de decisão política, o que conduziu a que em 2006 fosse publicada a chamada Lei da Paridade, que estabelece que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais sejam compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos.
Em 2016, voltou a assumir o papel de Presidente da CIG. Quais os maiores desafios?
A minha entrada, em 2016, coincidiu com a aproximação da celebração dos 40 anos da CIG, o que propiciou uma reflexão sobre o seu papel ao longo deste período, e sobre a forma como, ao longo da sua existência e através da promoção da igualdade entre mulheres e homens, tem contribuído para o aprofundamento da democracia. A mesma reflexão serviu para identificar os desafios para o futuro, e sobre a forma como se devem hoje enfrentar esses novos desafios. Foi igualmente muito estimulante o processo de preparação da nova Estratégia para a Igualdade, que está em vias de ser publicada, e que se segue aos Planos nacionais de política pública na área da cidadania e da igualdade de género, que terminaram a sua vigência no final do ano passado. A nova Estratégia apresenta traços muito inovadores, sublinhando-se o seu alinhamento, temporal e substantivo, com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e a definição de 4 Eixos, que se assumem como as quatro grandes metas de ação global e estrutural até 2030 para a consecução da igualdade e a não discriminação.
Na sua opinião, o que significa igualdade?
A igualdade entre mulheres e homens significa que todo o ser humano é livre de desenvolver as suas capacidades e de proceder às suas escolhas, sem as limitações impostas pelos papéis tradicionalmente atribuídos às mulheres e aos homens, e que os comportamentos, aspirações e necessidades das mulheres e dos homens são considerados, valorizados e tratados de igual forma. A igualdade pressupõe o reconhecimento do igual valor social das mulheres e dos homens e do respetivo estatuto na sociedade, e implica a participação equilibrada de homens e mulheres em todas as esferas da vida, incluindo a participação económica, política, social e na vida familiar.
Porque é que é tão difícil liderar no feminino?
Desde logo, somos condicionadas desde a nascença pelos estereótipos de género, que têm a ver com as crenças amplamente partilhadas pela sociedade sobre o que significa ser homem ou ser mulher. Logo na infância, as roupas que vestimos, os brinquedos e os livros que nos oferecem, a forma como nos tratam e esperam que nos comportemos, são diferentes consoante se é rapaz ou rapariga. E isto tem consequências. A conciliação entre a vida familiar e doméstica e a carreira profissional continua a ser associado essencialmente às mulheres, de quem ainda se espera, na maior parte dos casos, que sejam as principais responsáveis por assegurar a vida quotidiana das famílias. Esta sobrecarga de horas de trabalho, pago e não pago, tem consequências sobre as reais possibilidades de as mulheres alcançarem posições de liderança. Sabe-se que muitas decisões importantes são preparadas em contextos informais, de relações sociais, fora das horas “de expediente”. Ora as mulheres ficam muitas vezes fora destes circuitos de comunicação informal: no fim do trabalho vão para casa, cuidar da família e das tarefas domésticas, não têm efetivamente tempo para cultivar este tipo de redes informais, que são fundamentais como via de acesso ao poder.
Qual o papel das empresas na promoção da igualdade de género?
Cada vez mais as empresas reconhecem os benefícios diretos e indiretos de terem uma força de trabalho diversificada do ponto de vista do género, nos vários níveis da organização, incluindo na tomada de decisão, tanto mais que estudos recentes demonstram que 70% das decisões de compra de produtos e serviços para o agregado familiar são tomadas por mulheres. Por outro lado, tendo em conta que atualmente as mulheres são academicamente mais qualificadas do que os homens, nomeadamente nas gerações mais jovens, os especialistas da gestão reconhecem a importância de as organizações valorizarem o seu capital humano com o contributo das
mulheres.
No mercado laboral são muitas as disparidades salariais. Como podemos contornar este problema?
É um facto que a diferenciação salarial, que em 2015 era de 16,7% em desfavor das mulheres, é um fenómeno persistente e preocupante. A melhor qualificação académica das mulheres não tem tido impacto na melhoria das suas remunerações médias, quando comparadas com as dos homens, sendo intrigante que as disparidades salariais entre mulheres e homens sejam mais altas entre detentores de nível de instrução superior, como são mais altas nas categorias de pessoal dirigente. Como forma de tentar combater as disparidades salariais, é de referir que foi apresentada ao Parlamento pelo atual Governo uma proposta de lei prevendo medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens, por trabalho igual ou de igual valor. Esta proposta prevê a criação de um regime que estabeleça um mecanismo de informação, avaliação e correção de assimetrias salariais que tenham por base a desigualdade de género.
Teresa Fragoso, Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género