RITA VELOSO: LIDERANÇA. UMA PALAVRA NO FEMININO

Rita Veloso e a filha Francisca, no "dia da resiliência"

Sempre gostei de ouvir e ler histórias onde se revivem e se sentem Pessoas. Verdadeiras lições de vida.

Relembro de ler, noite após noite, “O Principezinho”, deitada junto da minha Francisca. Uma frase ressaltou: “(…) tornamo-nos eternamente responsáveis por aqueles que cativamos.”

Mais à frente na vida “real”, ao passarmos para o campo da gestão de pessoas, não duvidaremos de que nos tornaremos eternamente responsáveis por aqueles e aquelas que um dia lideramos. E poder-se-á dizer que um dia também começará pelos nossos filhos.

Cresci a acompanhar uma mãe empreendedora, trabalhadora frenética e exemplar com vários turnos mãe/chefe/filha/amiga/colega/mulher/ mãe (outra vez), um verdadeiro role model para quem (eu) já naturalmente respirava a paixão pelas relações interpessoais. Fui aprendendo a gerir e a compatibilizar a vida familiar, social e o trabalho, posso dizer, desde que nasci. E esse equilíbrio necessita inevitavelmente de gestão, de inúmeras tomadas de decisão e consome (e devolve) imensa energia.

E a história, humildemente, repete-se com a minha Francisca. Cedo me acompanhou pelos corredores do IPO do porto, sempre observou e acompanhou a gestão diária de alguém que é apaixonada pelo que faz, mas acima de tudo, apaixonada pelas Pessoas que integram as suas equipas e que as rodeiam. Fizemos e fomos família. Estou certa de que a Francisca poder-se-á não recordar de cada uma delas (já foram tantas no meu percurso) mas o sentimento de partilha, carinho, confiança, seguramente ainda persistem na sua memória. E repetem-se por onde passamos.

Durante muitos anos pratiquei ballet, uma das minhas paixões. Logo, assim que a Francisca começou a caminhar, decidi (por ela) que iria praticar também ela ballet. Frequentou três escolas diferentes. Pediu sempre para sair, e eu rendi-me ao facto da Francisca ter o direito de fazer opções desde cedo com base na sua vontade. Fez assim outras escolhas, seguiu outros percursos e eu reforcei a minha consciência de que não somos clonáveis (e ainda bem!) e que estes tipos de apetências não se podem, nem devem, impor ou obrigar.

Alguns anos mais tarde, a mesma Francisca, ou devo dizer antes, “outra” Francisca, chega a casa e tranquilamente na sala me diz “mãe, afinal quero estudar dança”, precisamente alguns (muito poucos) dias antes da data das audições para o ano letivo seguinte. Tinha 9 anos. Há anos que não praticava, o número de alunos inscritos para a audição era enorme e as vagas em número muito reduzido. Calçamos as duas as sabrinas e em duas horas treinamos em conjunto a confiança, experimentamos o cenário e acreditamos que poderia ser possível. A segurança psicológica é, sem dúvida, a chave para avançarmos em momentos de avaliação e de tensão.

Durante a audição, a Francisca passou horas a ser avaliada ao lado de outras crianças que praticaram intensa e ininterruptamente durante vários anos, muito mais bem preparadas para os exercícios em causa e com a mesma vontade em seguir este percurso, este sonho. No final da tarde, a diretora da escola reuniu connosco, a Francis – ca tinha sido admitida, como explicou, não pela técnica ou perfeição da execução dos exercícios, mas por competências demonstradas como a liderança, a criatividade, o trabalho em equipa, a resistência e a resiliência. Na audição estavam presentes psicólogos que ajudaram na avaliação. Tinha revelado o que, na vida de adulto chamamos de soft skills, o resto, como transmitiu a diretora, a Francisca com a prática chegará lá.”
Hoje acompanhei a Francisca numa audição numa das melhores escolas de ballet. Fui uma privilegiada: durante uma hora pude observar (só para mim) a Francisca a fazer o seu trabalho, de forma espontânea perante um cenário completamente novo e a ser liderada por alguém com quem nunca havia contactado. Vi-a a ser liderada com mestria e humildade, mas, mais importante, vi-a a autoliderar-se e essa, acredito, é verdadeiramente uma característica distintiva e diferenciadora dos grandes líderes.

No caminho para casa questionei-a se, na sua perceção, o facto de acompanhar de próximo (sem ser de perto) o meu trabalho e as minhas rotinas, as minhas tomadas de decisão e a forma como lido com as pessoas que me rodeiam, teria impacto nas suas atitudes e forma de assumir os desafios e respeitar o trabalho (nosso e dos outros). Respondeu de forma autêntica e em três segundos “não tenho dúvidas (…) tu mostras sempre que é possível encontrar o tempo certo para fazer o que realmente é importante para ti.”

A Francisca não quer ser igual à mãe, quer ser igual a si própria, fazer o seu próprio caminho e estará á altura de fazer as suas próprias escolhas, mas não tenho dúvidas, a sua demonstrada capacidade de se autoliderar estará sempre lá para ajudar a ultrapassar as dificuldades, a manter o seu equilíbrio e o seu bem-estar. E este é um legado pelo qual vale a pena cada segundo do nosso esforço e que sei que a Francisca será ela própria um role model se, por sua opção, for um dia também ela mãe.

Ao meu filho Ricardo, uma nota, a liderança não tem género. Um dia partilharei os teus enormes feitos.