Por muito bem rodeados que estejamos, acho que é importante termos o nosso referencial interno. O que me motiva é ser fiel aos meus valores, superar medos, criar impacto positivo por onde me movo.”
Com mais de 15 anos de experiência nos sectores da Água e Energia, políticas climáticas e ecossistema internacional, Adriana Reais Pinto trabalha na Empresa Pública Águas de Portugal e é administradora não executiva da Águas do Tejo Atlântico. Possui mestrado em engenharia do ambiente, perfil Sanitária pela FCT NOVA e uma pós-graduação em gestão pela NOVA School of Business & Economics.
Foi adjunta no Ministério do Ambiente e Ação Climática e representante nacional no Diálogo de Alto Nível Energia das Nações Unidas, para o grupo de trabalho “Finanças e Investimento” (2021). Oradora em diversos eventos além fronteiras, como especialista em políticas internacionais para transição energética, foi recentemente homenageada na COP28 – Women in Renewables Dubai Dialogue e designada como Conselheira e representante Europeia da Women in Renewables Alliance.
A iniciativa “COP28 – Women in Renewables Dubai Dialogue 2023”, evento bilateral formal da COP28, trata-se de um importante encontro que reúne mulheres provenientes de diversas áreas das energias renováveis, promovendo sinergias, cultivando a comunidade, promovendo a educação e potenciando a liderança ao serviço de uma transição energética mais equitativa e sustentável. Este convite por parte da organização do “COP28 – Women in Renewables Dubai Dialogue 2023” surge pela colaboração de Adriana Reais Pinto como “Impact Campaigner” e a sua respetiva distinção da “Women in Renewables Alliance”: um prémio reservado a líderes notáveis da indústria que demonstraram uma dedicação inabalável à promoção de uma transição energética mais equitativa.
Devemos falar de “liderança feminina” ou só “liderança”?
Explorar o tema da liderança no feminino foi algo que surgiu no meu percurso de forma orgânica, em parte pelo que fui observando e impacto ao participar a nível de trabalho em ambientes multiculturais ou onde o papel das mulheres na sociedade é diferente do que estamos habituados. Percebi a importância da liderança além dos títulos, cargos ou hierarquias – trata-se de uma vida que influencia outra. Neste particular, importa recuperar o conceito em termos de gestão de “Transcendent Followership” (2010), na qual se considera a liderança como um processo em que pessoas diferentes, com distintos níveis de autoridade, participam na organização. Concordo com esta abordagem e tenho muita dificuldade em acreditar numa liderança eficaz sem colaboradores exemplares e envolvidos. Podemos relacionar três tópicos fundamentais: tipos de organizações, tipos de colaboradores e capital psicológico. Este último desenvolvido por uma comunidade de estudiosos que relaciona bons resultados e características como a gratidão, resiliência, relações positivas e outros atributos, permitindo explicar e criar um alto desempenho na organização (Positive Organizational Scholarship). A perspetiva mais humanista da gestão é mais comummente associada à liderança feminina e esta abordagem interdisciplinar promove uma compreensão mais completa e equilibrada do funcionamento das organizações, reconhecendo e promovendo o potencial humano e organizacional para o florescimento e o sucesso sustentável.
Qual a sua visão sobre as tendências na liderança feminina?
A gestão e liderança são temas que me apaixonam há muito e considero estarem intrinsecamente ligados com as tendências na liderança feminina que se refletem hoje. Essas tendências indicam um movimento contínuo em direção a uma maior representação e influência das mulheres na liderança em todo o mundo. No entanto, ainda há trabalho a ser feito para garantir que todas tenham oportunidades iguais de alcançar o seu pleno potencial. Esse trabalho requer esforços intencionais para enfrentar potenciais desigualdades e promover a participação ativa das mulheres, garantir que os processos de recrutamento sejam imparciais, que os salários sejam justos e que existam caminhos para a progressão na carreira das mulheres em setores em transição. A título de exemplo, de acordo com a análise do relatório “PwC’s Women in Work 2022 Index”, os homens estão atualmente significativamente melhor colocados do que as mulheres para tirar partido das novas oportunidades de emprego decorrentes da transição energética. Por outro lado, também considero que deve haver um especial cuidado na narrativa adotada nesta questão de igualdade de género e na concretização das quotas. Ao longo dos anos, as mulheres têm desafiado paradigmas e ultrapassados barreiras. E o que possa ter começado sob o pretexto do empoderamento, deve ser colocado em prática nos nossos dias com ainda mais seriedade. O alerta é para evitar o risco de se assumir como um fator condescendente, que diminui as mulheres e as julgam não pelas capacidades e meritocracia, mas pelo seu género como justificação para alcançar determinada posição. Ouso fazer uma analogia com a preocupação que os setores do ambiente e energia têm com o Greenwashing, o qual consiste em promover uma imagem de sustentabilidade de uma empresa ou produto sem que haja um compromisso real. Temos de ter cuidado com a narrativa associada à causa das Mulheres nas empresas ou corre-se o risco de ter uma espécie de Greenwashing versão 2.0.
Já teve a oportunidade de colaborar ou negociar em países onde o papel social das mulheres é bastante diferente?
Nestes casos, optou por alguma estratégia própria? Uma das minhas principais funções nestes últimos anos foi identificar sinergias para a transição energética com vários países, organizações e potencial para cooperação internacional. Uma região que me fascina é a Ásia e o Médio Oriente. Quando tenho a oportunidade de interagir neste contexto, nomeadamente onde o papel social das mulheres seja bastante diferente do meu, tento adotar uma estratégia própria, naturalmente. Primeiro, pesquiso sobre a linguagem corporal e a cultura no ambiente de reuniões desse país, observo e adapto-me – entendo essa postura como sendo algo respeitoso para com o país que me está a acolher. Também me preparo tecnicamente da melhor forma possível e foco nos pontos de interesse comuns. Reunindo a vontade de partilhar e predisposição para aprender, estabelecer uma relação de confiança. E é muitas vezes, felizmente, duradoura. Quando tal acontece em contextos onde as mulheres estão frequentemente sub-representadas em posições de liderança no mundo empresarial, é algo que me orgulha bastante.
Foi a partir dessas experiências internacionais que surgiu a colaboração na “Women in Renewables Alliance”?
Sim, a “Women in Renewables Alliance” foi fundada em 2018, como a primeira ONG de mulheres na indústria de energia limpa da Ásia e hoje a sua ação estende-se por todo o mundo. A colaboração começou como “Impact Campaigner” desta plataforma internacional e desenvolveu-se na participação da iniciativa “COP28 – Women in Renewables Dubai Dialogue 2023”. Neste evento bilateral formal da Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (designada por COP28), onde participei em dezembro de 2023, tive oportunidade de ser oradora num painel dedicado às práticas globais na transição energética e igualdade de género, abordando as tendências na política climática, no desenvolvimento sustentável e experiência na cooperação internacional. Identifico-me com esta abordagem integradora e realista na forma de estimular a liderança feminina e incentivar o ecossistema empresarial. O facto de neste evento terem sido prestigiadas várias mulheres notáveis da indústria, mas também os designados “campeões masculinos” (male champions, no original), que partilharam ideias sobre a criação de um ambiente justo de desenvolvimento de carreira a partir de uma perspetiva executiva masculina, enfatizando a importância da humildade e da autoconsciência para ambos os sexos, é algo que considero muito relevante. Esta diversidade enriquece a visão do tema e acredito que Mulheres e Homens têm características complementares importantes no mundo dos negócios.
Nas várias sessões foram destacadas evidências muito interessantes, nomeadamente:
– As capacidades de liderança e empenho das mulheres são reconhecidas mas é necessário que tenham também a posição formal e serem envolvidas nos processos de decisão;
– As mulheres não arriscam tanto como os homens, e este é um dos aspetos no qual a organização onde se inserem pode ter um papel mais mobilizador e motivador.
– De acordo com o recente inquérito da IRENA (Associação Internacional de Energias Renováveis) realizado em 144 países, a taxa de emprego feminino na indústria global das energias renováveis é de 32%, mostrando progresso em comparação com os 22% no sector do petróleo e do gás.
Atualmente fui designada conselheira e representante Europa da “Women in Renewables Alliance” e tem sido uma colaboração muito gratificante.
Dadas as tendências da política climática, do desenvolvimento sustentável e da igualdade de género, qual é a área que escolhe destacar e desenvolver?
Cooperação global. É interessante que é um dos traços frequentemente associados ao estilo de liderança feminina! É frequente mencionar que a implementação eficaz das políticas é fundamental para avançar na transição energética. Os países acumularam experiências diversas e o que já é reconhecido a nível global sobre a criação de mercados para cadeias de valor estratégicas é que a cooperação internacional é fundamental. Os outros pilares são Estratégia, Implementação, Financiamento, bem como investimentos sustentados em Inovação. Assim, quando consideramos as tendências emergentes em matéria de política climática, desenvolvimento sustentável e igualdade de género, penso que a colaboração global é a área crucial a focar:
– A colaboração internacional garante que as políticas sejam coordenadas e alinhadas para alcançar resultados positivos à escala global;
– Aumento da colaboração entre países, organizações e partes interessadas para partilhar as melhores práticas e lições aprendidas na integração das perspetivas de género na ação climática;
– A cooperação internacional pode facilitar o desenvolvimento de estratégias abrangentes que atendam às diversas necessidades de diferentes comunidades. Esta partilha de conhecimentos, de forma estratégica e estruturada, contribui para soluções mais inclusivas e eficazes. Acresce que as líderes femininas muitas vezes são capazes de se adaptar rapidamente a novas situações e mudanças, sendo que esta flexibilidade lhes permite liderar de forma eficaz em ambientes dinâmicos. E se há setor dinâmico é o da energia!
E o setor da Água?
O setor da águaé mais maduro, consolidado em Portugal, apresentando níveis de desenvolvimento do setor reconhecidos internacionalmente como de excelência. Mas é também onde encontramos características de cariz mais conservador nas empresas a nível nacional. Um dos desafios, que também constitui uma oportunidade, é aliar a eficiência energética e descarbonização para a sustentabilidade ambiental e económica do setor da água, contribuindo para os esforços globais de mitigação das alterações climáticas.
Estas opções no ciclo urbano da água podem abranger operações que permitam reduzir significativamente as emissões de carbono associadas à produção de energia, através da utilização de energias renováveis; diminuir o consumo de energia e as emissões de carbono com tecnologias mais eficientes e sistemas de gestão de energia; melhoria de infraestruturas, reutilização de água e programas de monitorização ao consumo de energia e emissões de carbono associadas às operações. Divulgar a importância da eficiência energética e descarbonização neste setor, aliado a parcerias e colaboração com outras entidades, pode facilitar a implementação de soluções inovadoras e compartilhar recursos para alcançar objetivos comuns de eficiência energética e descarbonização.
A Águas do Tejo Atlântico reúne enorme potencial de contributo nestas matérias e pretende ser a empresa de saneamento em Portugal com a menor pegada de carbono no exercício da sua atividade. Enquanto administradora não executiva da Águas do Tejo Atlântico, tenho bem presente estes objetivos de implementação de uma forma integrada e ofereço o meu conhecimento sobre questões estratégicas e governança que possam ser adotadas, com base numa maior diversidade de experiências para o Conselho de Administração. Acredito que a independência e perspetiva de quem não está envolvida nas operações diárias da empresa, mas está igualmente comprometida com o seu sucesso, promove a diversidade e a inclusão na tomada de decisões corporativas, levando a uma tomada de decisão mais abrangente e eficaz. Um dos objetivos também deve ser contribuir para uma melhor governança corporativa, bem como ajudar a reduzir conflitos e promover uma cultura de transparência e responsabilidade.
Qual o seu lema?
Liderar pelo exemplo.
Possui boas referências femininas? Quem a inspirou/inspira?
Por muito bem rodeados que estejamos, acho que é importante termos o nosso referencial interno. O que me motiva é ser fiel aos meus valores, superar medos, criar impacto positivo por onde me movo. Em termos de inspiração extra, sou fã da Coco Chanel! Uma mulher de negócios, cheia de personalidade. Inovou com o conceito de roupa adequada às necessidades da mulher do século XX, libertando-a de trajes rígidos e criando um estilo mais confortável e prático. Roubou peças ao vestuário masculino, tal como as calças, mantendo a classe e elegância feminina. Uma mulher à frente no seu tempo!