Muitas vezes me perguntam como consigo fazer “tudo”. Mas o que é isso do “tudo”? Fico a pensar na ideia que terão de mim quando me veem, leem ou ouvem, se estarão a comparar o que sentem por dentro com o que veem por fora, e depois se andam à procura de fórmulas mágicas para uma vida feliz para sempre… baseada na vida dos outros.
Quem me conhece sabe que palavras como “ideal”, “normal” ou “perfeita” dão-me urticária. Uma coisa são as normas que qualquer sociedade socialmente inclusiva precisa para funcionar democraticamente, outra são as escolhas de cada uma para si própria, e que só a cada uma fazem sentido. O que funciona para mim não tem de funcionar para outras.
Foi essa filosofia que continuei a seguir em 2024: não tentei ser perfeita, não me interessou o que os outros achavam das minhas escolhas, e contentei-me em fazer bem a 80%. 80% não significou má qualidade ou pouca ambição. Eu sou exigente comigo própria e elevo os outros ao meu redor. Mas não procuro a perfeição, escolho ter impacto e escolho ser feliz. Arrependimentos, para quê?
Sou muito fã de “lessons learnt”, de partilhar os meus resultados regularmente com métricas e reflexões com as minhas chefias, e de escrever uma carta para mim, à mão, ao princípio de cada ano, com aquilo que desejo fazer a nível pessoal durante o ano seguinte, para depois ler no fim do ano.
Também sou uma mulher com “no regrets”. Nunca entendi o tempo que os outros perdem a pensar em arrependimentos. O que está feito, está feito. Dá para remediar? Então repara-se. Não dá para remediar, então reconhece-se, assume-se e avança-se com uma nova lição na mala.
A perda de tempo é algo que sempre me incomodou, pois o tempo é o meu bem mais precioso e só eu o posso controlar. O tempo é talvez a relação mais complexa que temos connosco próprias, e por ser uma relação, pode ser tóxica ou saudável. Gostava que as pessoas pensassem mais nisso.
Em vez de me arrepender do que fiz, concentro-me no que me trouxe alegria e crescimento. Por exemplo, este ano, em vez de pensar em tudo o que não fiz, fico feliz com aquilo que consegui ler, ouvir, debater, pensar ou viver.
Ouvi podcasts como “A Bit of Optimism”, “Um Género de Conversa”, e “Um Homem Não Chora”. Li “Deixemo-nos de Tretas”, “Curso urgente de política para gente decente”, “Invisible Women”. Li diariamente: The Guardian, Le Monde, Al Jazeera, O Público.
Visitei Barcelona, os Châteaux de la Loire, Munique, Colónia, Bona, Chicago e Viena. Atravessei uma parte da Europa de carro, visitei museus e catedrais, perdi-me por ruelas, experimentei comidas novas e observei pessoas diferentes. Fui a manifestações pelos direitos humanos e contra guerras.
Fui a um retiro de mulheres em Alenquer organizado pela maravilhosa Cristina Almeida. Fui todos os meses a um concerto ou um teatro. Organizei festas e fiz jantares.
Vi a série “House of Cards” e comecei a “The Walking Dead”, para além dos filmes de adolescentes que partilhei com o meu filho. Fiz tudo normal e à perfeição? Claro que não, e ainda bem.
A minha roda da vida
Foi um instrumento que descobri há uns anos e que interiorizei no meu dia a dia. Para mim, é importante equilibrar o meu tempo entre a minha carreira, o meu filho, o meu companheiro, a minha família, os meus amigos, a minha saúde, as minhas causas, as minhas leituras, as minhas viagens, as minhas escritas, o meu interesse pelo mundo. Não há uma área mais importante que as outras. Às vezes choca quando digo isto, mas preciso de todas essas partes para me sentir realizada.
Equilibrar como? Aceitando que uns dias faço mais por uns do que outros, que organizo o meu calendário ao dia, à semana, ao mês e ao ano, e tenho-o cheio de cores representando cada seção da minha vida, para visualizar o equilíbrio. E depois estou muito focada na qualidade e não na quantidade do meu tempo. Sem querer ser tudo, sem perfeccionismos e sem arrependimentos.
E para isso, aceitei incomodar ou desiludir… muita gente. Porque haverá sempre alguém, pais, amigos ou até colegas a queixar-se ou a criticar. Mas o meu burnout em 2010 ensinou-me a focar-me no meu bem-estar e equilíbrio, até mesmo para poder ser melhor para os outros!
Ai a culpa!
Culpa de não ser a mãe perfeita, culpa de não cozinhar saudável todos os dias, culpa de não ter as contas em dia, culpa de chegar atrasada, culpa de perder a paciência com o adolescente, culpa de não acudir a todas as amigas, culpa de não ir almoçar com a família idosa ao fim de semana, culpa de não responder a mensagens, culpa de errar num relatório, culpa de esquecer um compromisso, culpa de falar alto ou demais, culpa de dizer o que penso e o que não penso, culpa de me atrasar nas vacinas, culpa de não levar o carro à oficina, culpa de não ter lido mais livros, culpa de não ter escrito mais artigos, culpa de não ouvir mais podcasts, culpa de não sair mais, culpa de não ser mais magra, culpa de não ir ao ginásio, culpa de não renegociar o aumento do empréstimo há meses, enfim culpas e mais culpas.
Se a culpa me elucida para pedir desculpa, é para fazer logo no momento, sentida e autenticamente, e passar à frente. Agora, passar a vida a viver com culpa ninguém merece!
Eu senti essas culpas todas e umas quantas mais ao longo de 2024, mas mal elas me batiam à porta da consciência, agradecia-lhes a preocupação mas mandava-as ir passear ao ar livre que lhes fazia bem. O livro “Taming your Gremlin” foi uma lição para a vida.
Carreira aos 47
Sempre tive ambição, mas nunca planeei a muito longo prazo. Na vida pessoal também. É uma filosofia de vida, porque gosto de viver o momento e o percurso presentes. Isso nunca me impediu de negociar promoções e aumentos salariais, nem de procurar desafios maiores.
Percebi a importância de me adaptar à realidade dos tempos em que vivo e não me comparar aos outros. As pessoas são únicas e mudam, as circunstâncias mudam, as empresas mudam, a economia muda, a sociedade muda e cabe-me a mim encontrar-me e deixar o meu marco pessoal.
Daí o meu fascínio com o tema da “cultura” das empresas. A cultura é feita por pessoas que evoluem todos os dias. Basta ir a um museu e ver a evolução da cultura. Achar que uma cultura se cria e depois tem de ser imposta com propaganda deixou de me fazer sentido. Para mim, a cultura é como fazemos os outros sentirem-se, como dizia a grande Maya Angelou.
Cada vez mais procuro áreas de negócio que estão alinhadas com os meus princípios e propósito. Já estive em muitas funções, das vendas à gestão de clientes, grandes transformações digitais, com várias indústrias, equipas e empresas de tecnologia. Agora dou-me ao luxo de escolher sabendo que quero manter o meu equilíbrio e trabalhar com pessoas com princípios.
Este ano tive 3 funções distintas: comecei na equipa de liderança das contas estratégicas internacionais, depois liderei um Service Improvement Plan com uma conta cliente global e recentemente integrei a equipa de Global Customer Experience, um grupo totalmente dedicado à experiência de clientes e parceiros, das vendas à implementação de projetos e ao retorno no investimento da tecnologia.
Gostei de refletir e de criar, mas também de liderar equipas de terreno, com clientes, com a realidade. Acho que muitas falhas de liderança são devidas a chefias que se perdem na ascensão ao poder, que se focam mais nos jogos de ego internos do que nos clientes e nos colaboradores, que são o motor de qualquer negócio.
Outra coisa que passei a usar conscientemente foi o meu sentido de humor. Provavelmente algo que aprendi durante os 20 anos com os Britânicos: um pouco de ironia e sarcasmo no momento certo são uma ótima receita para desanuviar tensões ou quebrar o gelo, até mesmo com clientes. Acho que as mulheres por vezes têm medo de não ser levadas a sério, mas um bom sentido de humor (de qualidade) é sinal de inteligência e ótimo para unir pessoas.
As mulheres da minha vida
A equidade para chegarmos a sociedades realmente justas e inclusivas continua a ser a minha Estrela Polar. Rege tudo o que faço diariamente, seja com clientes, com chefias, nos Employee Networks, em casa ou na fila do supermercado.
Este ano, aprendi com três managers mulheres estilos de liderança feminina distintos. Procurei, em equipa, dar mais espaço e voz a quem precisava, fazer refletir os que acham que já sabem tudo e mostrar a todos que não existem verdades absolutas. O poder que nos é permitido com certos cargos permite-nos mostrar um caminho diferente, e por isso digo que gosto de ter poder.
Concluí que o modelo hierárquico piramidal já está ultrapassado e que todos, independentemente do título, precisam de se consultar e de se considerar uns aos outros. Gerir crises tem essas vantagens: as pessoas perdem rapidamente as suas máscaras e conseguimos pô-las a trabalhar diariamente em conjunto, sem egos, na mesma direção. É mesmo uma arte onde se mostra o quão é possível mudar quando se quer.
O nosso Women Network evoluiu com novas colideranças que trouxeram dinâmicas e ideias diferentes, como um D&I Women Council com outras empresas. Os nossos voluntários sentiram-se mais confiantes para arriscar, negociar e questionar.
É uma comunidade realmente coesa que vibra com cada evento, cada feedback e até prémios que recebemos, porque sentimos que estamos a ter impacto. Por exemplo, este ano recebemos empreendedoras durante o Web Summit através da Embaixada Francesa, participámos num brainstorm de liderança com a Associação de Mulheres Embaixadoras, liderada pela Embaixadora do Canadá, levámos o programa Do It Girls on the Road às escolas, tivemos oradores sem papas na língua a inspirar-nos e demos vários workshops de empoderamento internos.
Um grande destaque pessoal foi ser oradora na grande conferência de liderança feminina da Executiva sobre o meu tema preferido “As regras informais do mundo empresarial”, que até deu direito a um artigo no Público. As gargalhadas da plateia de quase 600 pessoas e o feedback foram maravilhosos.
E, por fim, o meu grupo de WhatsApp “As Mulheres da Minha Vida”. Um grupo de mulheres com quem me fui cruzando, umas amigas de longa data, outras conhecidas em eventos. Somos umas 100, falamos de tudo, somos motor de pesquisa para qualquer tema ou questão, damos opinião sobre economia ou política, choramos pelas mulheres maltratadas, financiamos projetos humanitários, encontramos mulheres para falar em palestras e conferências. Somos CEOs e donas de casa, cientistas e sexólogas, jornalistas e gestoras, professoras ou juristas, umas de esquerda, outras de direita, umas nos seus 20 anos e outras nos 60, umas em Portugal e outras sempre a viajar. Temos dois ou três encontros anuais na casa de uma ou de outra em que refazemos o mundo por uma liderança mais inclusiva, e é com aquela anarquia social diária que eu conto. São elas a minha fonte de inspiração, de motivação e de muito bom humor.
Os homens na minha vida
Passei mais tempo a falar com homens, para perceber mais a perspetiva, visão e opiniões deles. Não vamos chegar à equidade se não percebermos que os homens estão a precisar de ajuda para evoluir tal como as mulheres tiveram nos últimos 100 anos através de vários movimentos.
Nem sempre estivemos de acordo, mas foi importante eu perceber como esses homens pensavam, que modelos tinham interiorizado, até porque ainda são eles a maioria em posições de poder e de chefia. Por exemplo, aprendi muito daquele meu mentor que explicou que não há que gostar ou desgostar de alguém, há que ver as pessoas onde nos podem ajudar, quando nos podem magoar ou quando não interessam para nada, sabendo que uma mesma pessoa pode ser cada uma dessas três em função da circunstância.
Graças a essas conversas, leituras e podcasts, percebi que existem cada vez mais homens que procuram abertamente organizações e sociedades mais inclusivas, transparentes e justas, seja nas reuniões, na gestão de pessoas, como pais ou companheiros. Foi por isso que abrimos um capítulo no Women Network para maior inclusão dos homens nestas temáticas.
Se há algo que também aprendi na vida foi a escolher o companheiro certo para mim. Tal como se valoriza um currículo com experiências diversas, acho que as mulheres também deviam ter várias experiências amorosas, para saberem o que querem. Este ano, como nos anos anteriores, encontrámos tempo para namorar, falar, partilhar, pensar, debater, discordar e viver. Todos os dias, todas as semanas.
E claro, o meu filho. O meu maior desafio e o meu maior orgulho. Por ele e por mim. Porque ser adolescente, por ser parecido, por ser diferente, por se interessar por política e humanidades e por me obrigar a perceber a sua geração. Porque quero criar um futuro homem como gostaria que todos os homens fossem: corajosos, inclusivos e com capacidade de pensar e amar com generosidade.
A liderança como modo de viver
A liderança é um modo de estar na vida constante e requer inteligência e adaptabilidade. Por exemplo, em vez de explicar que a equidade é (obviamente) uma questão de justiça social e humana, mas só nos focarmos em falar com mulheres, porque não abordar os homens em termos de mercado potencial de crescimento de negócios?
Experimentei esta abordagem em 2024, explicando o quão mais sucesso podiam ter as empresas a inventar, produzir, comercializar e implementar produtos e serviços pensando em metade do mercado potencial, as mulheres, precisamente com mulheres nessas áreas todas de uma empresa para ter ideias adequadas, assegurar a qualidade, evitar erros comerciais e diferenciar-se da concorrência. Imaginem aplicações de saúde a pensar nas mulheres, carros a pensar nas mulheres, investimentos a pensar nas mulheres.
Fez-se luz em muitas cabeças.
Liderança é luz, e fez-se muita luz este ano e por isso que venha mais luz ainda em 2025.