Se há uma década nos dissessem que um simples software poderia analisar “curricula vitae”, prever a saída de trabalhadores, processar centenas de salários em segundos, ou até mesmo, sugerir formações personalizadas para cada trabalhador, certamente pensaríamos que tal só seria possível num futuro distante. A verdade é que esse futuro chegou de forma inesperada e mais rápido do que podíamos imaginar, mostrando que a Inteligência Artificial (IA) está longe de ser apenas uma tendência passageira.
Apesar de ser frequentemente percecionada como algo recente, as bases para o desenvolvimento da IA foram lançadas há décadas, com os primeiros estudos sobre a possibilidade de termos máquinas capazes de aprender e tomar decisões. No final de 2022, o lançamento do ChatGPT trouxe um misto de entusiasmo, receios e incertezas pois, se por um lado, havia a promessa para a otimização de processos e para o aumento da produtividade, por outro, havia o receio de funções executadas por humanos serem substituídas por algoritmos.
A célebre máxima de Fernando Pessoa, “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”, utilizada numa campanha publicitária para uma marca globalmente reconhecida no setor de bebidas, reflete a forma como a IA tem, gradualmente, conquistado o seu espaço nas nossas vidas, promovendo uma verdadeira revolução no mundo do trabalho, com significativo destaque na Gestão de Pessoas.
O Papel das Universidades na Formação dos Futuros Profissionais
Quando falamos em Gestão de Talento, é essencial considerar também aqueles que estão prestes a ingressar no mercado de trabalho destacando-se, assim, a importância e a responsabilidade dos estabelecimentos de Ensino Superior nesta matéria.
Se, inicialmente, a chegada do ChatGPT foi encarada como uma ameaça a tudo aquilo que se defende e que impera neste setor, as Universidades perceberam que, em vez de limitarem o acesso a esta e outras ferramentas semelhantes, teriam de adaptar-se e reconfigurar os seus métodos de ensino, sob o risco de formarem profissionais desatualizados.
Hoje, as Universidades veem-se obrigadas a reestruturar os seus programas, face às atuais necessidades do mercado de trabalho, cada vez mais influenciado pela Inteligência Artificial (IA), dotando os seus estudantes de novas competências técnicas e pessoais e, simultaneamente, a impulsionar uma mudança de mentalidades nas suas equipas e corpo docente. Assim, reestruturar programas – incluindo disciplinas sobre IA, machine learning e automação, mesmo em áreas não tecnológicas, como Direito, Gestão e Saúde -, oferecer certificações em IA; incentivar o uso destas ferramentas e promover debates sobre ética, transparência e proteção de dados, podem ser algumas das medidas a implementar. Estimular o pensamento crítico e a criatividade devem, também, estar presentes nos objetivos destes programas, garantindo que os estudantes sejam capazes de validar informações e utilizar a IA de forma ética e inovadora.
O Impacto da IA nas Empresas e na Gestão de Pessoas
No que toca às empresas, a chegada da IA levantou muitas questões sobre o futuro do trabalho, nomeadamente, se eliminará postos de trabalho ou se facilitará a otimização das funções. A resposta a esta questão dependerá da forma como encararmos esta transformação. Embora ainda existam muitas dúvidas quanto ao que o futuro nos reserva, é certo que a IA eliminará algumas funções, mas também criará oportunidades, sendo a requalificação da força de trabalho essencial para acompanhar esta mudança. Em vez de substituirmos pessoas, a solução passará por combinar as capacidades humanas com as capacidades da IA, um conceito conhecido como “Inteligência Aumentada”. A título de exemplo, hoje, no campo da medicina dispomos de ferramentas, tecnologicamente muito avançadas, que permitem o diagnóstico precoce e mais preciso sobre as doenças, permitindo aos profissionais de saúde tomarem decisões com maior precisão e agilidade. Outro exemplo, são os assistentes virtuais no atendimento ao cliente, que solucionam questões simples, libertando os profissionais para a resolução de temas mais complexos ou de maior sensibilidade.
Se, inicialmente, começámos por falar da importância das Universidades na preparação dos futuros profissionais, é evidente que um dos grandes desafios das empresas passa pela requalificação da sua força de trabalho e, por esta razão, os conceitos de “reskilling” e “upskilling” tornam-se fundamentais para garantir que os profissionais se mantêm atualizados e competitivos no mercado. A capacidade de adaptação às novas tecnologias será uma competência-chave para o futuro e as empresas que souberem integrá-las nos seus processos ganharão uma vantagem competitiva significativa.
E nós, Profissionais de RH?
No dia a dia das equipas de RH, a Inteligência Artificial (IA) já se destaca como uma poderosa aliada. Atualmente, dispomos de softwares que abrangem todas as áreas de prática, sendo possível, através de algoritmos avançados, selecionar perfis com maior precisão, decifrar padrões de comportamento, antecipar o turnover, desenhar estratégias eficazes para a retenção de talentos e interpretar grandes volumes de dados que nos apoiam na tomada de muitas decisões. Simultaneamente, chatbots e assistentes virtuais são uma excelente aposta para respostas ágeis e eficientes a questões sobre políticas, benefícios e processos internos. A Inteligência Artificial está a redefinir o nosso trabalho, trazendo eficiência para os processos administrativos. A automação de tarefas mais administrativas permite-nos focar no que realmente importa, “as pessoas”. As reuniões individuais deixam de ser um luxo e passam a ser uma prática regular, que nos permite estar mais próximos das nossas equipas, promovendo um clima organizacional mais humanizado. A Inteligência Artificial (IA) pode, ainda, ajudar na promoção do bem-estar, através de ferramentas preditivas, que identificam sinais de burnout ou desmotivação, permitindo uma intervenção proativa e preventiva.
Em suma, a Inteligência Artificial (IA) está a transformar profundamente a Gestão de Pessoas, trazendo uma nova dimensão de eficiência e precisão para as tarefas que antes consumiam grande parte do tempo das equipas de Recursos Humanos. Ao delegarmos tarefas mais operacionais na tecnologia, podemos investir mais tempo nas pessoas, fortalecendo as relações humanas e promovendo um ambiente de maior proximidade e empatia.
Visto que o equilíbrio é sempre a melhor opção, o futuro na Gestão de Pessoas deverá passar pela combinação harmoniosa entre as inteligências, a humana e a artificial , onde a tecnologia impulsiona a inovação sem desvalorizar o papel essencial das relações interpessoais. Encontrar o equilíbrio entre automação e humanização e adotar a Inteligência Artificial (IA) de forma estratégica, será essencial para que as empresas se posicionem face aos futuros desafios, criando ambientes de trabalho mais produtivos e inclusivos.
Posto isto, estamos preparados para equilibrar a inovação tecnológica com a empatia humana e construir um futuro onde a tecnologia e a humanização caminhem lado a lado?
BIOGRAFIA
Gestora de Talento e de Formação na DCM Littler e na InnovEmployment. É Licenciada em Gestão de Recursos Humanos pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e Pós-Graduada em Gestão e Avaliação da Formação pelo ISLA-Lisboa. A sua carreira incidiu sobre as áreas da Gestão da Formação e da Consultoria em Gestão de Recursos Humanos. Nos últimos anos exerceu várias funções no Ensino Superior, nomeadamente, na Formação de Executivos, Empregabilidade e Academia.