Administradora Executiva da Glintt, Filipa Fixe conta-nos como a tecnologia e a medicina são indissociáveis e como a tele-saúde é o futuro. Fala ainda sobre a falta de representatividade das mulheres no mundo das TIC e o que se pode fazer para mudar a situação.
Segundo um estudo do Eurostat, em 2017, dos 2,7 milhões de pessoas a trabalhar na área das TIC na UE, 83,7 % eram do género masculino. Filipa Fixe fazia parte dos outros 16,7%. Licenciada em Engenharia Química, Mestre em Engenharia Bioquímica e Doutorada em Bio/Nanotecnologia no desenvolvimento de chips de DNA, o percurso académico de Filipa foi motivado pela paixão pela componente laboratorial de experimentação, investigação e a possibilidade de novas descobertas na área. Ao longo da licenciatura, descobriu uma ligação muito forte com a saúde e é nessa área que trabalha atualmente enquanto Administradora Executiva da Glintt, liderando a unidade de negócios Healthcare.
Esta diferença acentuada das mulheres no mundo das TIC é para Filipa também uma questão cultural. “Na grande maioria dos lares portugueses, a mãe ainda continua a ser a figura central na dimensão familiar. Existe ainda muito preconceito relacionado com o papel e responsabilidade da mãe, que importa contrariar ou que, pelo menos, não deve constituir uma barreira na progressão da carreira”, esclarece. Para isso é necessário que as organizações criem condições de equilíbrio, através de medidas concretas, seja formações especializadas ou simplesmente, ”promovendo boas práticas como “proibir” a marcação de reuniões a partir de determinada hora, não obrigando nunca a pessoa a optar por uma ou outra dimensão da sua vida”.
Filipa Fixe realça um estudo de 2020 da Harvard Business School – “The Old Boy’s Club” que concluiu que homens liderados por homens têm promoções mais frequentes na carreira do que as mulheres lideradas por homens. Já quando são as mulheres a liderar, a percentagem de homens e mulheres promovidos é muito similar. Esta conclusão pode ser explicada pelo networking feito nas “pausas sociais” ou fora do ambiente de trabalho.
Apesar de já se perceberem claras mudanças na sociedade portuguesa, com mais mulheres em cargos de gestão e de topo e mais homens a estenderem as suas licenças de paternidade, ainda há muito por fazer. Nesse sentido, a Glintt criou em 2019 o Programa TECH WOMEN do qual faz parte a iniciativa – Glintt Women Tech Talks, que pretende ser palco para partilha de experiências, num momento descontraído de networking entre os colaboradores e colaboradoras da Glintt, e os oradores(as) convidados(as).
Enquanto Administradora Executiva, Filipa Fixe é, desde 2018, responsável pela vertical de Healthcare, gerindo a área comercial, desenvolvimento e consultoria de negócio e o desenvolvimento do produto da área hospitalar. As soluções tecnológicas da Glintt são utilizadas em mais de 200 hospitais e clínicas e em 14 mil farmácias na Península Ibérica. Um dos maiores desafios do cargo é “garantir a motivação das diferentes equipas e que cada uma entenda o propósito do que faz no seu dia-a-dia”, conta Filipa Fixe. Outro desafio é “procurar, de forma contínua, que a inovação proporcionada pela saúde e tecnologia seja adotada pelos nossos colaboradores e incorporada pelos nossos clientes através das nossas soluções.” A Glintt acredita que a tecnologia é um dos alicerces para melhores cuidados de saúde, com mais equidade a custos controlados.
Filipa Fixe é também membro da direção da APSDI (Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade de Informação) e é professora convidada da Universidade de Lisboa. Gerir o tempo é um desafio diário – “é importante que todos os dias consigamos percecionar o valor que conseguimos aportar, sentir que fizemos acontecer, que cumprimos o nosso objetivo.” Trabalhar na área que faz os olhos de Filipa “brilhar” torna a sua jornada mais fácil.” “Se tivermos gosto pelo que fazemos e se formos capazes de reconhecer o impacto que estamos a criar, seja no mundo académico, seja no profissional, acordarmos de manhã para ir trabalhar fica muito mais fácil. Isto é já 50% da energia que precisamos para o resto do dia!”, revela.
“Mesmo antes do COVID-19 surgir, Portugal já tinha investido na área da saúde e do digital. São exemplos disso: as teleconsultas, a linha do SNS24 ou a prescrição eletrónica de medicamentos, tal como exemplifica Filipa.” A pandemia obrigou à agilização do processo – “ o que tipicamente demoraria anos, aconteceu em semanas ou meses”.
Não obstante as exigências colocadas, o SNS conseguiu adaptar-se com a celeridade que a pandemia exigia. Foi criado um novo sistema online de triagem no site do SNS, específico para a COVID-19 e existem vários grupos de médicos voluntários que prestam apoio gratuito à população, por telefone, email ou videochamada em várias áreas da saúde. Muitos foram os profissionais da área que se mobilizaram e se reinventaram, marcando uma forte presença no mundo digital.
Tendo em conta a alta taxa de transmissão do vírus, é essencial otimizar a assistência à saúde e utilizar novos modelos de assistência populacional. Neste contexto, a teleconsulta e a telemonitorização são fundamentais para evitar as deslocações aos hospitais e diminuir assim a sobrecarga, atuando como fortes aliados do SNS.
“Já não é possível falar de saúde sem considerar o papel da tecnologia”, afirma Filipa. Desde os hospitais às farmácias, “os softwares que existem, hoje em dia, permitem criar perfis e acompanhar cada utente, desde a fase da prevenção ao tratamento, possibilitando assim melhores cuidados de saúde, a custos controlados. A tecnologia assegura, cada vez mais, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e o caminho é este.”
A tecnologia pode facilitar os processos hospitalares, como é o exemplo das triagens nas urgências. “É possível que a triagem possa ser feita, por exemplo, por um algoritmo pré-definido e/ou com um chatbot, dependendo da severidade, que identifica se o utente tem de ir para uma sala de urgência ou se pode ser atendido, remotamente, ou se é preferível dirigir-se ao centro de saúde“, diminuindo assim o tempo de espera e agilizando todo o processo.
No entanto, segundo o Barómetro de IA e Telesaúde, desenvolvido pela Glintt em conjunto com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), apesar de 87% dos hospitais públicos recorrerem à telemedicina, apenas 44% dos profissionais de saúde estão, realmente motivados para a sua utilização. Filipa acrescenta que existe ainda “uma visível falta de know-how e de infraestruturas de TI adequadas nesta valência.” Para Filipa Fixe, agora, mais do que nunca, faz sentido o desenvolvimento e adoção de soluções digitais neste setor.
É, contudo, necessário ter em atenção que o aumento da tecnologia na medicina pode aumentar o risco da perda da ligação entre o paciente e o médico e levar à alienação de pacientes que não tenham acesso a recursos digitais ou literacia digital. Para tal, é “ fundamental apostar na formação contínua na área do digital, na literacia em saúde e na definição de processos que permitam implementar de forma transversal as novas tecnologias na área da saúde bem como, transmitir a todos os envolvidos que se há aspeto que a tecnologia nunca irá substituir é o contacto humano”, explica Filipa Fixe.
“O futuro da saúde passa por promover uma vida saudável e ativa, evitando o aparecimento de doenças, através da descentralização, da monitorização e da personalização, capacitando o cidadão e habilitando os profissionais de saúde”, aponta Filipa Fixe.