O despedimento coletivo e a extinção do posto de trabalho

A pandemia de COVID-19 fez-se sentir na economia de uma maneira violenta. Muitas empresas viram-se obrigadas a reduzir efetivos ou, até mesmo, a fechar portas, recorrendo para isso aos mecanismos do despedimento coletivo e da extinção do posto de trabalho, que têm vindo a ser anunciados.

A título de exemplo, deparamo-nos frequentemente com falsos despedimentos “com justa causa” e com clientes que perdem processo de impugnação de despedimento porque aceitaram a compensação oferecida pela empresa, sem serem informados de que a aceitação desta compensação preclude o direito de impugnar o despedimento pelas vias judiciais e que, posteriormente, não têm verba para conseguir restituir os montantes que lhes foram entregues, sendo-lhes assim negado o acesso aos tribunais para resolução desta questão.

Estes problemas relacionados com o fim das relações laborais, demonstra-se cada vez de maior importância atendendo ao contexto pandémico em que nos encontramos a viver desde o início do ano 2020 e, cujo fim não se afigura para breve.

No entanto, a questão não é assim tão simples. O direito ao trabalho e as relações laborais encontram-se protegidos pelo diploma fundamental da República Portuguesa, a Constituição, o que significa que só é permitido recorrer a estes mecanismos nas situações para os quais foram previstos, sendo opções de último recurso. Assim sendo, sublinhamos o facto de que ninguém se pode ver forçado a assinar um acordo de revogação do contrato de trabalho apenas com justificação na pandemia em que vivemos.
A única maneira de prevenir estas situações, é fomentando informação fidedigna sobre estes temas e é isso que nos propomos fazer com a equipa SGP team, da advogada Sandra Gomes Pinto e da jurista Carla Antunes.

1. O que é a extinção do posto de trabalho?

Considera-se despedimento por extinção de posto de trabalho a cessação de contrato de trabalho promovida pelo empregador e fundamentada nessa extinção, quando esta seja devida a motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa.

Motivos de mercado: correspondem a uma diminuição significativa da atividade da empresa, motivada pela diminuição ou quebra total da procura de bens ou serviços. Exemplo prático: um hotel que deixou de ter turistas/clientes, em virtude da pandemia, houve uma quebra na procura daquele serviço; Motivos estruturais: correspondem a um desequilíbrio económico-financeiro, mudança de atividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes.
Exemplo prático: alteração do modelo de negócio/venda de determinado produto ou serviço por outro.

Motivos tecnológicos: correspondem a alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação. Exemplo prático: recurso a máquinas ou meios tecnológicos ao invés do recurso a trabalhadores, por exemplo nas caixas de supermercado, portagens com pagamento automático, ou outros cobradores de serviços.

A extinção do posto de trabalho só pode proceder quando:

a)Os motivos indicados não sejam devidos a conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
b)Seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
c) Não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas
correspondentes às do posto de trabalho extinto;
d) Não seja aplicável o despedimento coletivo.

2. No caso de existirem vários trabalhadores com a mesma categoria e funções, quais são as regras na escolha dos trabalhadores abrangidos?

a) Pior avaliação de desempenho – com critérios previamente conhecidos pelo trabalhador, mediante, por exemplo, a realização de uma avaliação de desempenho anterior pelo empregador;
b) Menores habilitações académicas e profissionais – trabalhadores com menos qualificações e habilitações académicas terão maior probabilidade de ser abrangidos;
c) Maior onerosidade pela manutenção do vínculo laboral do trabalhador para a empresa – trabalhadores com mais custos para a empresa terão maior probabilidade de ser abrangidos;
d) Menor experiência na função – trabalhadores com menos experiência terão maior a probabilidade de ser abrangidos;
e) Menor antiguidade na empresa – trabalhadores com menos “tempo de casa” terão maior probabilidade de ser abrangidos.

O empregador deve decidir tendo por base estes critérios e não outros discriminatórios. A decisão é feita pela ordem que estão enunciados.

3. Qual é a diferença entre a extinção do posto de trabalho para o despedimento coletivo?
A diferença reside na quantidade de trabalhadores despedidos. Os motivos que fundamentam o despedimento coletivo e a extinção do posto de trabalho são os mesmos.
No despedimento coletivo, para além dos motivos alegados, se uma microempresa ou empresa pequena (2 a 49 trabalhadores) despede pelo menos 2 trabalhadores; no caso de médias e grandes empresas (no mínimo 50 trabalhadores), pelo menos 5 trabalhadores. Em ambos os casos os despedimentos têm de ser feitos no espaço de 3 meses (sucessivos ou simultâneos).

4. Quais são os procedimentos prévios que devem ser respeitados, sob pena de ilicitude do despedimento e incorrer em contraordenação?

a) Procedimento prévio na extinção do posto de trabalho:
– O empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e à associação sindical respetiva:
a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita;
b) A necessidade de despedir o trabalhador afeto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional.
c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir.

– Nos 15 dias posteriores a esta comunicação, qualquer daquelas entidades e o
trabalhador podem transmitir ao empregador o seu parecer fundamentado
sobre o despedimento.

– 5 dias depois desta comunicação, o empregador apresenta decisão final do
despedimento, na qual deve constar o seguinte:

a) Motivo da extinção do posto de trabalho;
b) Confirmação dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º;
c) Prova da aplicação dos critérios de determinação do posto de trabalho a
extinguir, caso se tenha verificado oposição a esta;
d) Montante, forma, momento e lugar do pagamento da compensação e
dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato
de trabalho;
e) Data da cessação do contrato.

b) Procedimento prévio no despedimento coletivo:
– O empregador promove mais intensamente a negociação e diálogo com o trabalhador.
– O empregador comunica a intenção de despedir, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.

– Na comunicação devem constar:
a) Os motivos invocados para o despedimento coletivo;
b) O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;
c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir;
d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e) O período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento;
f) O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos
trabalhadores a despedir;

Nos cinco dias posteriores à data daquela comunicação, o empregador promove uma fase de informações e negociação com a estrutura representativa dos trabalhadores, com vista a um acordo sobre a dimensão e efeitos das medidas a aplicar e, bem assim, de outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir, designadamente:

a) Suspensão de contratos de trabalho;
b) Redução de períodos normais de trabalho;
c) Reconversão ou reclassificação profissional;
d) Reforma antecipada ou pré-reforma.
– Celebrado o acordo ou, na falta deste, após terem decorrido 15 dias sobre a
comunicação da intenção, o empregador comunica a cada trabalhador
abrangido a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo e da
data de cessação do contrato e indicação do montante, forma, momento e
lugar de pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis
por efeito da cessação do contrato de trabalho, por escrito.

5. Qual é o prazo para o pré-aviso/pagamento dos créditos e compensação?

 15 dias, no caso de trabalhador com antiguidade inferior a um ano;
 30 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a um ano e inferior a cinco anos;
 60 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a cinco anos e inferior a 10 anos;
 75 dias, no caso de trabalhador com antiguidade igual ou superior a 10 anos.

6. Qual o valor da compensação?

– Varia consoante a data de início do contrato.

Para os contratos celebrados após 1 de Outubro de 2013 corresponde a 18 dias de retribuição base e diuturnidades nos 3 primeiros anos e 12 dias por cada ano completo de trabalho nos anos seguintes, sem prejuízo dos outros créditos a que o trabalhador tenha direito, que serão abordados no ponto.
– Para os contratos celebrados antes de 1 de Outubro de 2013 é necessário levar em linha de conta outros valores:
– Período de duração do contrato até 31/10/2012: 1 mês de remuneração e
diuturnidades por cada ano completo de antiguidade;

Período de duração do contrato de 01/11/2012 até 30/09/2013: 20 dias de
remuneração e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
As simulações dos valores podem ser feitas no site da ACT-
https://www.act.gov.pt/(pt-T)/CentroInformacao/Simulador/Paginas/default.aspx

7. Quais são os outros créditos exigíveis?

 Férias, se ainda não tiverem sido gozadas nesse ano;
 Subsídio de férias;
 Proporcionais de férias e subsídios de férias referente ao trabalho
prestado este ano;
Estes são valores que acrescem à compensação.

Exemplo 1: uma pessoa que recebe 2000,00€ de retribuição base, com contrato desde 01 de Outubro de 2014 (contrato por tempo indeterminado), que cessou, por extinção do posto de trabalho, a 01 de Outubro de 2020, tem a receber de proporcionais do subsídio de natal 1.502,73€; e de proporcionais do subsídio de férias 1.502,73€. No caso das férias não terem sido gozadas e o subsidio não tenha sido pago o valor corresponde ao da remuneração das férias e subsídio de férias, ou seja, 2000,00€ cada.

8. O que acontece se o despedimento for considerado ilícito?

No caso de o despedimento ser considerado ilícito pelo tribunal, o empregador
é condenado ao seguinte:
– Reintegrar no seu posto de trabalho ou indemnizar o trabalhador, num valor
que o juiz pode fixar entre 15 a 45 dias de retribuições base e diuturnidades
por cada ano completo ou fração de antiguidade (o trabalhador pode optar por
uma coisa ou outra até ao termo da audiência de discussão e julgamento).

– Pagar as remunerações intercalares e respetivos juros do trabalhador desde a
data do despedimento ilícito até ao transito em julgado da sentença que julgar
o despedimento ilícito. Neste caso, para efeitos de reforma ou antiguidade,
tudo se passa como se o trabalhador tivesse estado ao serviço da empresa.
– Indemnizar o trabalhador pelos danos patrimoniais e não patrimoniais
sofridos;

9. É possível ficar com a compensação e impugnar o despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho?

Não, o trabalhador deve devolver de imediato a compensação do despedimento ou extinção, se o pretender impugnar, sob pena da mesma puder ser rejeitada,

10. Pode o trabalhador impugnar o seu despedimento? Qual é o prazo e fundamentos?

Sim, no caso do despedimento coletivo tem o prazo de seis meses contados
da data da cessação do contrato.

O despedimento é ilícito se:
– Não se verificarem os motivos do despedimento;
– Não tiver existido comunicação ao trabalhador ou representantes;
– O empregador não tiver deixado ao dispor do trabalhador a compensação e
os créditos exigíveis no prazo determinado.

Nota: caso a compensação tenha sido disponibilizada, os trabalhadores devem devolver a compensação, sob pena de aceitação do despedimento.
No caso da extinção do posto de trabalho, o trabalhador deve apresentar requerimento junto do tribunal, no prazo de 60 dias a contar da comunicação de despedimento.

O despedimento é ilícito se o empregador:
– Não cumprir os requisitos para a extinção do posto de trabalho;
– Não observar a ordem de critérios para escolha do trabalhador;
– Não tiver feito as comunicações ao trabalhador, à comissão de trabalhadores
e/ou comissão sindical;
– Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo
de aviso prévio, a compensação por ele devida e os créditos vencidos ou
exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho

11. Sou empregador, posso recorrer à extinção do posto de trabalho e ao despedimento coletivo de forma livre?
A jurisprudência, na linha do que está constitucionalmente consagrado, tem vindo a considerar que a extinção do posto de trabalho está sujeita ao preenchimento de critérios económicos e financeiros. Isto porque a extinção do posto de trabalho e, por maioria de razão, o despedimento coletivo, devem ser utlizados como último recurso.

12. O facto de se tratar de um grupo de empresas tem alguma consequência na decisão de despedimento?
Por regra não. Ou seja, apenas se leva em linha de conta a situação do universo da empresa empregadora. Todavia, nem sempre será assim. Em casos excecionais nos grupos de empresa em que não foi respeitada a autonomia da empresa empregadora e em que existem situações abusivas, pode-se exigir que a motivação da extinção de posto de trabalho ou despedimento se afira em relação ao grupo de empresa. Esta é a posição que tem vindo a ser assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

13. A situação de pandemia pode ser causa de despedimento coletivo?
Sim. A pandemia por covid-19 teve um impacto brutal na economia e finanças da maioria das empresas, o que pode consubstanciar os motivos estruturais, de mercado,  tecnológicos supra referidos. Em especial, por exemplo, empresas ligadas ao turismo e restauração, em que as consequências financeiras da pandemia se fizeram sentir mais fortemente.

14. Sou empregador e pedi apoio ao Estado no âmbito das medidas de apoio às empresas. Posso recorrer ao despedimento coletivo/extinção do posto de trabalho, ainda assim?
Durante o período em que a empresa ou estabelecimento é beneficiário destes apoios e nos 60 dias seguintes, o empregador não pode fazer cessar contratos de trabalho recorrendo ao despedimento coletivo, extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, em relação aos trabalhadores abrangidos ou não por aqueles apoios. Esta proibição aplica-se durante período de duração inicial dos apoios durante as eventuais prorrogações.

15. A extinção do posto de trabalho dá direito a subsídio de desemprego? Durante quanto tempo e qual o valor?
Sim. No entanto, há um conjunto de condições que, para além do despedimento, devem encontrar-se preenchidas, nomeadamente:
– Ser residente em Portugal;
– Não estar a trabalhar;
– Ter tido emprego com contrato de trabalho;
– Estar inscrito, à procura de emprego, no Serviço de Emprego mais próximo;
– Ter pedido o subsídio no prazo de 90 dias consecutivos (seguidos) a contar da data de desemprego;
– Cumprir o prazo de garantia – ter trabalhado como contratado e descontado, nesta qualidade, para a Segurança Social durante pelo menos 360 dias nos 24 meses imediatamente anteriores à data em que ficou desempregado.
O subsídio varia consoante o período de desconto anterior ao pedido do subsídio e da idade do trabalhador.
Exemplo: um trabalhador 50 anos, que em 31.02.2012 ainda não tivesse o
prazo de garantia, e com 15-24 meses de descontos para a SS anteriores, o
subsídio tem duração de 270 dias.

O montante diário do subsídio de desemprego é 65% da remuneração de referência (RR), calculado na base de 30 dias por mês, sem prejuízo da aplicação do limite mínimo ou máximo previsto na lei.

16. Existem limites máximos ao montante do subsídio de desemprego?
Sim. O valor mensal do subsídio de desemprego não pode ser superior a duas vezes e meia o valor do IAS (Indexante do Apoio Social) (1.097,03€), não podendo ultrapassar 75% do valor líquido da remuneração de referência que serviu de base de cálculo ao subsídio.

17. E mínimos?
Também. O valor do subsídio de desemprego não pode ser inferior ao IAS (438,81€). Porém, nos casos em que 75% do valor líquido da remuneração de referência seja inferior ao valor do IAS, o valor do subsídio de desemprego é igual ao menor dos seguintes valores: IAS ou valor líquido da remuneração de referência.

18. Como se calcula o valor do subsídio?
1. Somam-se todas as remunerações declaradas à Segurança Social nos primeiros 12 meses dos últimos 14 meses anteriores ao mês em que ficou desempregado. Por  exemplo, se ficou desempregado a 7 de janeiro de 2018, somará as remunerações de 1 de novembro de 2016 a 31 outubro de 2017.
2. Ao valor anterior soma-se o valor dos subsídios de férias e de Natal declarados e devidos durante estes 12 meses (no máximo, um subsídio de férias e um subsídio de Natal).
3. Divide-se o total da soma por 12 (R/12). Este valor é a remuneração de referência ilíquida.
4. Multiplica-se o valor obtido por 0,65 e obtém-se o montante mensal do subsídio de desemprego.

19. Que documentos devo apresentar no caso de pedido da extinção do posto de trabalho?

Formulários da SS e declaração da entidade empregadora que comprova o desemprego e indica a data da última remuneração (RP5044-DGSS).
Neste caso, para o pedido do subsídio, para além dos formulários próprios da SS e outros documentos, o trabalhador deve apresentar a comunicação escrita do empregador da necessidade de extinção do posto de trabalho.

20. Os valores/indemnização e compensações recebidos estão sujeitos a IRS ou descontos para a Segurança Social?
A tributação em sede de IRS e descontos para a SS relativamente aos créditos já vencidos que o trabalhador teria direito a receber em sede do contrato de trabalho é igual.
Nos créditos a receber em sede de compensação por extinção do posto de trabalho, a regra é a seguinte: fica excluído de tributação o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na empresa.

Se pretende esclarecer alguma dúvida, sobre este ou outro tema, envie um mail para redacao@liderancanofeminino.org ou sgp@sandragomespinto.com