LIDERANÇA FEMININA NA APOTEC

Isabel Cipriano, Presidente da APOTEC
Isabel Cipriano é a primeira mulher presidente da APOTEC desde o 25 de Abril. Dedicada à associação há mais de duas décadas, começando como coordenadora do Jornal de Contabilidade, passou por várias áreas e cargos. Promete que o seu mandato será regido por determinação e ética e pretende melhorar a satisfação dos associados.

 

A APOTEC (Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade) celebra em 2022 quarenta e cinco anos. Um marco histórico se tivermos em conta que as entidades do setor social registam, em média, 19 anos. Conta com cerca de 5 mil associados espalhados pelo Continente, Regiões Autónomas, Macau e alguns países de expressão portuguesa.

Foi criada em 1977, no mesmo ano da Comissão de Normalização Contabilística (CNC). Desde cedo que a APOTEC integrou a CNC, mantendo-se atualmente como uma das poucas associações com assento na comissão. Tem contribuído desde então para a implementação e desenvolvimento de procedimentos contabilísticos e para a melhoria da informação e do relato financeiro das entidades.

As conquistas tem sido muitas ao longo dos anos – a APOTEC foi uma das entidades fortemente envolvidas na luta pela regulamentação dos técnicos de contas, que em 1995 alcançaram o estatuto próprio para os contabilistas (certificados). Continuaram a luta pela defesa e valorização das profissões em torno da contabilidade, como técnicos de contabilidade, escriturários, consultores e fiscalistas.

Também a liberdade de escolha da formação profissional dos contabilistas se deve à APOTEC. Em 2004, a então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, atual Ordem dos Contabilistas Certificados, publicou o Regulamento do Controlo de Qualidade, do qual resultava a obtenção de uma média anual de 35 créditos, nos últimos dois anos, em formação promovida pela própria ou por ela aprovada. Esta medida dificultava a entrada dos concorrentes no mercado.

Esta medida foi contestada, durante 10 anos, começando por uma queixa na Autoridade da Concorrência, passando pelo Tribunal do Comércio, Tribunal da Relação de Lisboa, Tribunal de Justiça da União Europeia, e por fim Tribunal Constitucional. Em 2015, a mudança foi refletida no estatuto de Contabilista Certificado, passando os profissionais a serem livres de escolher a formação profissional que entenderem ser necessária independentemente da entidade formadora.

Para os seus associados, a APOTEC oferece vários benefícios e atividades. Anualmente, elabora um extenso calendário de cursos, sessões de esclarecimentos, colóquios, congressos e jornadas. São várias as ações de formação disponíveis para quem pretende atualizar e aperfeiçoar as suas capacidades. Tudo isto por um custo mínimo, com o objetivo de ser acessível a todos.

Distribuído gratuitamente a todos os associados, o Jornal de Contabilidade é o periódico técnico e científico que dá a conhecer todos os aspetos das técnicas contabilísticas, fiscais e jurídicas. Esta publicação existe ininterruptamente desde abril de 1977, e é considerada um forte elo de ligação entre a APOTEC e os seus associados.

A maior vantagem que a APOTEC oferece é, sem dúvida, o serviço de consultório. Apoiado por assessores de reconhecido mérito, permite o esclarecimento de dúvidas contabilísticas, fiscais e jurídicas, no âmbito da atividade profissional. Estas podem ser apresentadas por escrito ou presencialmente.

Para além disso, a APOTEC possui uma biblioteca na sede, em Lisboa, que permite a consulta de uma vasta seleção de títulos nacionais e estrangeiros, que abrangem matérias como a contabilidade, fiscalidade, gestão, economia, matemática, informática e outros.

 

Os Protocolos assinados entre a APOTEC e vários parceiros nacionais e internacionais permitem ainda aos associados beneficiar de descontos e atendimento preferencial.

 

A APOTEC é também a mais antiga associação da península ibérica a instituir prémios de investigação, estudo e divulgação da contabilidade e a sua história e auditoria. Os Prémios anuais de Contabilidade e História da Contabilidade são geradores de incentivos a todos quanto se interessam pela investigação e produção teórica sobre a contabilidade.

“Temos a responsabilidade da agregação do conhecimento presente com o conhecimento da história, impulsionando o exercício contabilístico refletivo, e contribuindo para uma fiscalidade que faça também reflexo económico e social coletivo, de forma ponderada e harmonizada, tanto nas empresas como na sociedade em geral”, afirma Isabel Cipriano, atual presidente da associação.

Precoce na área da matemática, começou aos 9 anos, nas férias de verão, a auxiliar o seu pai a validar os seus recibos de vencimento. “Depois de tudo validado, disse-lhe que havia dois períodos no ano em que o somatório dos descontos eram quase 50% do total das remunerações do mês”, relembra.

Na faculdade, candidatou-se a informática de gestão, mas foi colocada em contabilidade e administração. “Um amigo ainda tentou animar-me com algo do género – se há alguém que percebe de instrumentos de gestão, são os contabilistas”, conta.

Entrou com expectativas moderadas e faltou logo no primeiro dia de aulas, mas a vontade de aprender superou a sua irreverência. Teve a sorte de conhecer professores e profissionais que influenciaram a forma como olha para os números e para a veracidade e fiabilidade das informações financeiras. Pessoas que a impactaram enquanto profissional e pessoa.

Ainda durante a licenciatura, começou a trabalhar numa entidade ligada à formação profissional e informática. “Nos anos 90, queríamos concluir rapidamente o curso e era uma área de fácil empregabilidade”, explica. “Havia também alguma ânsia em ganhar o mundo, perspetiva”.

Pouco depois, foi convidada para a área financeira de um grupo de empresas do setor têxtil, líder do mercado no seu segmento. “Foi um período intenso, desafiante e gratificante”, recorda, onde contactou com o mercado europeu e americano.

Com os centros comerciais portugueses em expansão, o grupo aumentou as lojas de venda direta, aumentando consequentemente a responsabilidade social, as necessidades tecnológicas e de financiamento, entre outras. Foi nessa altura que decidiu ingressar em auditoria, visto a necessidade de mais controlo interno. Quase simultaneamente, foi convidada para Chefe do Departamento de Contabilidade, cargo que recusou.

No mesmo período, foi desafiada a coordenar o periódico técnico editado pela APOTEC, o Jornal de Contabilidade, e dotar a organização de meios e processos tecnológicos mais dinâmicos que respondessem às necessidades dos associados. A APOTEC tornou-se assim a primeira entidade com presença web.

“Quando vim para a APOTEC, no final do ano 2000, pensava que seria muito menos complexo e moroso, mas acabou por se transformar numa (fantástica) oportunidade”, afirma. Colocou “em prática todo um conhecimento e experiência adquirida, dotando a associação de procedimentos e processos mais céleres, com fiabilidade e evolução tecnológica”.  Aprendeu e retribuiu essa aprendizagem.

Passou pela reorganização administrativa interna, aos meios tecnológicos e comunicação, à digitalização e incremento de ferramentas, conhecimento e competências, até assumir, em 2007, a direção executiva. Em 2016 foi eleita vice-presidente da APOTEC, ser presidente foi o próximo passo lógico. “A responsabilidade é quase idêntica à que já tinha, mas acrescida”, diz. Sente o peso de suceder presidentes que marcaram fortemente a associação e a profissão de contabilista em Portugal, bem como a honra de ser a primeira mulher presidente da associação desde o 25 de abril.

É para si um privilégio e uma oportunidade de “contribuir para o desenvolvimento, elevação e reconhecimento das profissões em torno da contabilidade e da fiscalidade”, vivendo numa liberdade associativa com inscrição facultativa e sem vínculos corporativos. Um espaço que categoriza como plural, de ensino e partilha de conhecimento, de apoio técnico especializado e multidisciplinar. “Há que lidar sempre com empenho, de forma colaborativa e responsável, e com humanidade”, diz.

“Não creio que tenha sido por uma questão de género, apenas nunca houve uma lista encabeçada por uma mulher”, afirma. “E talvez porque era até há bem pouco tempo, uma área profissional com mais homens que mulheres.”

Apesar de, segundo dados disponibilizados pela Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), a nível nacional a profissão de Contabilista Certificado ser desempenhada maioritariamente por mulheres, representando em 2018 já cerca de 53% dos profissionais, e de nos últimos anos a adesão ser maioritariamente de mulheres, os homens estão em maioria na APOTEC – 57% da massa associativa.

Ao longo da sua carreira, Isabel Cipriano nunca sentiu qualquer tipo de discriminação de género. “Fui, em muitas reuniões/conferências/ seminários profissionais, das pessoas mais novas, e em algumas sessões, a única mulher presente, e sempre senti o respeito e a consideração das outras partes”, acrescenta.

Para a presidente, igualdade de género é um argumento político. “Não há géneros iguais. O que se poderá pretender igualizar é a oportunidade de um tratamento semelhante em reconhecimento, remuneração e valorização, pela capacidade e competência”, explica. Assim, deve-se valorizar o mérito e não a categorização de género.

Em termos de progressão de carreira, “não se pode desconsiderar que a mulher tem em si uma particularidade de género, que não é transmissível”. Para ser contabilista e mãe é necessário um balanceamento equilibrado, “porque qualquer que seja o desajuste de um dos lados, há o comprometimento tanto na esfera pessoal como na atividade profissional.”

Isabel olha para este cargo como um grande desafio. Seja pela conjuntura económica e social, como pelas readaptações que já se fazem sentir nos profissionais do setor.

No início da pandemia, como todas as organizações, a associação teve de se readaptar à nova realidade. “Em duas semanas transformamos o conceito formativo da APOTEC”, revela. Era essencial dar resposta às necessidades dos associados, de forma online, em termos de conhecimento, apoio e valorização através da formação, para que estes pudessem continuar o seu trabalho nas organizações.

Esta partilha de informação e formação na transição digital é um dos pilares que Isabel quer implementar no seu mandato. Com profissionalismo, determinação e ética, mas “indo mais além”, no apoio técnico e associativo, nas ferramentas e sistemas e na partilha de informação, procurando uma maior satisfação do desempenho profissional dos Associados.

A verdade é que existem cada vez menos profissionais a ingressar na profissão. Existem quebras sucessivas na adesão ao ensino superior e, consequentemente, uma diminuição dos candidatos à profissão. Por outro lado, tem se verificado um aumento das obrigações fiscais e parafiscais na prestação de serviços dos contabilistas. Assim, “torna-se imperativo, por um lado, uma mudança nos processos declarativos de forma a haver reciprocidade entre os profissionais e a administração pública, e, por outro lado, recentrar as atividades do contabilista, enquanto parceiros estratégicos das empresas”, realça.

Esta necessidade torna-se mais vital tendo em conta o estado do tecido empresarial nacional afetado pela pandemia.

“Temos de conseguir dar condições para um desempenho saudável, gratificante e progressivo da profissão e que seja, em simultâneo, mais atrativa aos jovens, e menos desgastante para quem vive e exerce esta profissão, em especial no feminino”, sublinha Isabel Cipriano.