Isabel Rosado: “Estamos lá para lembrar que há motivos para acreditar, para ter esperança, para lutar”

Isabel Rosado, Palhaços d'Opital Créditos: Isidro Dias

Isabel Rosado foi, durante muitos anos, professora de Educação Visual e Tecnológica, onde ensinava alunos do ensino básico. Hoje em dia, é presidente da organização Palhaços d’Opital.

E para quem pensava que ambientes hospitalares não se podem associar ao humor, está na altura de equacionar a questão de uma forma diferente. Isabel Rosado é a prova disso mesmo. Fundou, no ano de 2013, a Palhaços d’Opital, uma organização que tem como fito primordial combater o “abandono hospitalar” dos mais idosos. Em 2021, cerca de um ano depois de assumir a presidência da organização, foi nomeada para o top 100 de empreendedoras sociais, segundo a Euclid Network, uma rede apoiada pela Comissão Europeia.

Ainda que, desde o início, a crença no valor do projeto fosse total, Isabel “não previa” tal distinção. Apenas entrou no mesmo com a missão de apoiar “o sonho” do marido, Jorge, sem nunca ter idealizado que o seu futuro profissional pudesse passar por aí.

“Quando comecei e ajudei o Jorge a colocar o projeto no terreno, eu achava que apenas o ia apoiar no seu sonho, mas que, quando o mesmo tivesse pernas para andar, iria continuar com a minha carreira de professora de Educação Visual e Tecnológica. No entanto, o que aconteceu foi que me apaixonei pela arte do Doutor Palhaço, pelo que, em janeiro de 2022, acabei por desistir de uma carreira enquanto professora de ensino básico.” – refere.

Como referido anteriormente, a Palhaços d’Opital leva humor em forma de arte, junto dos mais idosos, muitas vezes negligenciados pela sociedade. Ainda assim, mesmo sendo essa uma realidade que se continua a verificar, nos nove anos de existência da organização, Isabel sente que “algo tem mudado”.

“A pandemia veio trazer um despertar sobre aquela que é a importância dos mais velhos. Às vezes, forçado pelo facto de muitas famílias terem sofrido a perda de idosos em contexto pandémico, em que não foi possível fazer o luto nem prestar a homenagem às pessoas, como seria normal. Isso traz algum desconforto e obriga as pessoas a repensarem a sua maneira de estar.” – aponta Isabel Rosado.

Remontando àquele que foi o mais recente encontro internacional de “Doutores Palhaço” na cidade de Haia, nos Países Baixos, Isabel conta que foi referido “mais do que uma vez” que a sensibilização social para questões ligadas com as crianças é mais evidente do que para questões ligadas com os mais velhos. Ainda assim, Isabel Rosado destaca que, pela primeira vez, este encontro teve “dois plenários dedicados aos assuntos dos mais velhos, nomeadamente à demência”, o que, no seu entender, é obra do “trabalho pioneiro” da Palhaços d’Opital.

Mais do que levar sorrisos às unidades hospitalares, a missão da Enfermeira Belita (personagem de Isabel Rosado) e companhia é fazer com que as pessoas “se foquem na saúde”, enquanto “as equipas médicas cumprem o papel de lidar com o lado da doença”.

“Estamos lá para lembrar que há motivos para acreditar, para ter esperança, para lutar. Estamos lá para lembrar o braço que ainda está saudável. Estamos lá para lembrar a perna que ainda funciona. Mais do que procurarmos propriamente o riso, estamos lá para criar conexão com memórias que são de alegria, de humor, de afetos.” – explica.

Palhaços d’Opital

Num projeto onde a dimensão humana se encontra tão presente, Isabel confessa que “é muito difícil separar a esfera profissional da esfera pessoal”, motivo esse pelo qual o principal critério naquela que é a escolha dos “Doutores Palhaço” incide na predisposição dos mesmos para abraçar “a missão” que o projeto representa.

“Quanto à parte artística, os nossos Doutores Palhaço fazem, por ano, mais de 250 horas de formação interna e externa. A quarta-feira é toda ela dedicada à formação. De manhã, têm aulas de música e de canto. Da parte da tarde, criam as performances artísticas que levam para os hospitais.” – revela.

Ainda sobre a dimensão artística que a Palhaços d’Opital implica, Isabel Rosado recorda a sua experiência enquanto “Enfermeira Belita”, que, de acordo com a própria, simbolizava aquele que era o seu “lado mais bonito”.

“A minha personagem era extremamente radiante, positiva, bem-disposta! Via riso e alegria em todo o lado e era com essa energia que ela tentava contagiar as pessoas no hospital. Por outro lado, a Isabel não gosta de hospitais, tem medo de agulhas e, ainda há uns tempos, numa visita a um familiar, sentiu-se maldisposta. Apercebi-me do que era a diferença de ir trabalhar para o hospital como Belita ou ir para o hospital como Isabel.” – conta a cofundadora da Palhaços d’Opital.

Embora para o público comum possa parecer que o trabalho de um Doutor Palhaço seja simples, o que é facto é que isso não poderia estar mais longe da verdade. Quando o projeto começou a ser desenhado, “fizeram-se formações na área da demência, do Alzheimer”, o que levou a um intenso trabalho de introspeção e de busca pela melhor forma para trabalhar com um público mais velho.

“No início, trabalhamos mais em lares e percebemos que o abandono era muito maior em hospitais. Parece-nos mais lógico trabalhar para o segmento onde há mais abandono, mais solidão” – revela.

Desde a construção da performance, aos castings de seleção, tudo é pensado criteriosamente, sempre com o intuito de oferecer o melhor serviço possível a quem mais precisa. Em relação aos próprios figurinos dos Doutores Palhaço, Isabel Rosado conta que, segundo um intenso trabalho de pesquisa que realizou, aprendeu que “as memórias mais frescas são as dos primeiros 20 anos de vida das pessoas”, pelo que “[tentou] perceber os hábitos em Portugal, nas décadas de 50 e 60”, de forma que as próprias roupas de performance sejam o mais representativas possível da realidade, nessa altura.

Quanto ao passado, já não se pode mudar nada. Assim sendo, Isabel Rosado prefere aproveitar o presente para falar do “futuro”, no qual todos estamos “destinados” a envelhecer. Quando se tem essa perceção, a cofundadora da Palhaços d’Opital acredita que o presente, também ele, será construído “de uma maneira diferente”.

“Devemos focar-nos mais naquilo que podemos construir, do que naquilo que podemos desconstruir. As próprias redes sociais, por vezes, fomentam a vontade de comentar tudo, de criticar, de dar a opinião, mesmo não sabendo o que está por detrás das coisas. A mim, preocupa-me viver numa sociedade em que nos esquecemos das consequências dos nossos atos e do facto que todos nós temos o poder de mudar a vida dos outros.” – expõe.

À data de hoje, ainda não existe uma definição certa para aquele que é o sentido da vida. No entanto, para Isabel Rosado, existe algo que é muito claro: “a vida é um livro que se lê ao contrário”, motivo esse pelo qual “só se entende as voltas que a vida deu, depois de passar pelas coisas e de ter a capacidade para refletir sobre elas”.

Isabel Rosado, formada para ser Professora em Educação Visual e Tecnológica, dedica-se hoje, inteiramente, à Palhaços d’Opital. Em jeito de recordação, lembra, com carinho, um momento em que “[deu] um beijo a uma paciente e a mesma ficou espantada por não ter nojo de lhe dar um beijo”.

Quanto aos desafios de trabalhar com idosos, Isabel Rosado assegura que os mesmos “não vêm dos próprios, mas da sociedade”. Sociedade essa que lhe gera “desconforto”, por fazer os mais velhos sentirem-se “extremamente abandonados e insignificantes”.

“Onde é que nós nos perdemos para fazermos as pessoas sentirem-se assim? Como é que nós nos esquecemos do valor de uma pessoa só por ter uma certa idade? A pessoa encontra-se doente, sozinha, num estado de fragilidade, e a sensação que lhe passamos é que já é dispensável… que já não tem valor? Os desafios de trabalhar com os mais velhos vêm da necessidade de mudar a nossa mentalidade sobre o que é realmente importante na vida. É o vestido que eu visto ou a maneira como vou lidar com os outros? São os comentários que deixo nas redes sociais ou o impacto verdadeiro que tenho com quem me encontro?” – interroga.

Sendo a Palhaços d’Opital uma organização que, tal como o nome indica, opera em contexto hospitalar, teve, também ela, de se adaptar a uma realidade pandémica, que surgiu em Portugal, de forma mais direta, em março de 2020.

“Vimo-nos forçados a reinventar-nos. A descobrir novas formas de estarmos presentes. Optamos pelo digital, tendo criado, em poucos dias, a D’Opital TV. Uns gravavam com o telemóvel, outros com a câmara de filmar. Fizemos inúmeras reuniões de Zoom, para ver o que funcionava melhor, de forma a continuarmos perto das pessoas.” – esclarece.

Quanto a próximos passos, o objetivo passa por “alargar a equipa”, o que facilita a “estabelecer protocolos com mais hospitais”, chegando assim a mais pessoas. Num caminho que, não sendo muito longo, já se revela de enorme sucesso, Isabel Rosado manifesta ainda o deseja de “ter, um dia, representação a nível nacional”, sem nunca perder aquela que é a qualidade do trabalho desenvolvido”.