O QUE MUDA APÓS O PARADIGMA COVID-19? COMO GERIR AS EMOÇÕES E A SUA IMPORTÂNCIA COM O BEM ESTAR FÍSICO E PSÍQUICO DA POPULAÇÃO SÉNIOR?
Cristina Pires, nascida em 1981, cresceu com valores conduzidos pela humildade, justiça, criatividade e solidariedade. Foi atleta de alta competição de ginástica rítmica desportiva, um dos principais motivos pelo qual privilegia o trabalho em equipa. É na conexão com a natureza que se refugia para cuidar do seu bem-estar. É especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, pós-graduada em Cuidados Continuados e Paliativos. Em 2007 começou por colaborar com equipas comunitárias de saúde mental no Hospital de São Francisco Xavier. Mais tarde, foi responsável por realizar rastreios à Demência na comunidade, num projeto da consulta de Gerontopsiquiatria do respetivo hospital. Percorreu instituições de solidariedade social de Lisboa a Sintra, com o objetivo de identificar casos subdiagnosticados de Demência, de modo a puderem ser encaminhados para a consulta médica.
“SEMPRE ME MOVEU COLABORAR EM PROJETOS COM IMPACTO SOCIAL”
Recorda que na altura, mais de metade dos idosos institucionalizados tinham critério para serem assistidos na consulta, quer por défices cognitivos ou por síndrome depressivo, mas por falta de suporte social ou familiar não lhes era permitido chegar a essa assistência médica. O projeto foi levado a diversos pontos do país, tendo mesmo sido apresentado num congresso internacional, com a emergência de chamar à atenção para o número de prevalência de Demências e as escassas respostas psicossociais. Há 6 anos que dedica a sua prática clínica a unidades de cuidados continuados e paliativos, consultório privado e é ainda Consultora Psicogeriátria em projetos comunitários com palhaços terapêuticos altamente qualificados, que intervêm em prol do envelhecimento ativo e no combate à solidão da população sénior, um projeto com uma visão do artístico para o terapêutico. Muitas vezes me perguntam como consigo trabalhar com a fase terminal da vida e a resposta é simples: os que vão morrer ensinam-nos a viver. Nesta fase observam-se transformações profundas, muitas vezes uma infinita ternura numa ocasião de inesquecível intimidade. A sociedade ocidental precisa de rever as suas atitudes perante a morte, enfrentando o medo e aceitando-a como fase de processo da vida. Cada um de nós é um sobrevivente todos os dias, não somos vítimas da COVID-19, somos sobreviventes porque enfrentamos desafios que a vida nos coloca e esforçamo-nos para encontrar estratégias dentro dos nossos recursos internos para conseguir lidar com as situações. O panorama da COVID-19 veio sobretudo alertar para temas que há muito mereciam atenção por parte da sociedade, como a saúde mental ser tão importante como a saúde física e os cuidados paliativos. Sabemos que para a OMS a saúde é muito para além da ausência de doença. É um estado completo de bem-estar, físico, social e mental. Neste momento, do ponto de vista psicossocial, estamos apenas a ver a ponta do iceberg. Daqui a uns meses, quando nos sentirmos em maior segurança, vai ser possível ver o impacto real de toda esta circunstância. Vamos aproveitar para clarificar o papel dos cuidados paliativos que visam a prevenção e alívio dos sintomas físicos, psicológicos, psicossociais e espirituais de pessoas em situação de doença crónica avançada, irreversível, bem como no acompanhamento à família e cuidadores. Este tipo de prestação de cuidados, não pode ficar esquecida, tendo em conta que serve os mais fragilizados em termos de saúde e parecem apresentar um elevado risco de desenvolver a infeção COVID-19. No momento atual, a chave para melhorarmos a nossa capacidade de lidar com a ansiedade e medos perante a circunstância, é existir perceção de controlo da situação. Numa fase inicial, avaliar numa perspetiva de identificação dos fatores que estão no nosso controlo e os que podemos alterar. Planear uma intervenção de acordo com os nossos recursos humanos, comunitários e tecnológicos. A possibilidade de acesso às videochamadas vai continuar a ser essencial para o conforto dos utentes e famílias, tendo em conta que os utentes desde o início da pandemia encontram-se confinados nos seus quartos pelas normas da Direção Geral da Saúde. Do ponto de vista da psicologia sabemos que alguns dos fatores protetores para este momento são a ocupação física e mental, o ajuste das rotinas, dar respostas às necessidades básicas, o distanciamento físico por questões de segurança e a solidariedade. Promover o distanciamento social pode ser negativo e estigmatizante, principalmente na população idosa. A incerteza do futuro, particularmente o facto de não saberem quando voltam a ver a sua família, pode desencadear não só sentimentos de solidão e angústia como também sintomas de ansiedade e depressão. Nos familiares surge muitas vezes sentimentos de culpa por lhes ter sido proibido as visitas, causando a sensação de os estar a abandonar. Importante lembrar também que ao longo do estado de emergência os funerais tiveram um grande impacto afetivo, uma vez que foi apenas permitido um número reduzido de pessoas. Na nossa cultura vivencia-se os funerais e os velórios com carga emotiva. A sua ausência pode perturbar o modo como se processa o luto, podendo tornar-se ainda mais doloroso, tendo em conta que foram realizados sobre normas completamente distintas daquelas que seriam há 3 meses. Não ter a possibilidade de fazer uma despedida, de acompanhar o ente querido na hora da morte, é algo que abala a forma como as pessoas vão integrar esta experiência no retorno à nova realidade.
O QUE MUDA DEPOIS DO PARADIGMA DA COVID-19?
Numa fase posterior de recuperação será essencial trabalhar no sentido de potencializar a resiliência da sociedade. Neste momento sabemos que nos temos de ajustar. Vivemos uma situação anormal, fora da nossa perceção do controlo sobre o futuro, e é natural sentir ansiedade, tristeza, irritabilidade, dificuldade por vezes em dormir, alterações no apetite, mesmo em pessoas com estabilidade emocional. Contudo, é importante lembrar que esta situação não vai ficar assim para sempre. Será esperado uma oscilação de emoções, com intensidades diferentes, no caminho para o ajuste natural de uma nova realidade. Gostava de acreditar que toda esta crise trará mais humanidade à sociedade, nomeadamente nos contextos da prestação de cuidados de saúde, dando devida importância a certificação dos técnicos. Num momento como este, existir uma intervenção especializada é fundamental. O psicólogo nos cuidados continuados e paliativos, intervém numa fase crítica da vida das pessoas, quer no autocuidado da equipa prestadora de cuidados, quer com as famílias ou na recuperação do estado de saúde dos utentes. Dar mais ênfase às competências relacionais nos contextos de saúde, como a empatia, compaixão, gentileza e uma melhor capacidade de comunicação com o utente e famílias. Um dos princípios da intervenção num momento de crise é não causar mais dano do que o evento já casou. É importante apelar ao cuidado da nossa saúde psicológica da população e adotá-la como um hábito de higienização das nossas rotinas, pois apostar na prevenção da saúde mental possibilita tornarmo-nos mais resistentes aos danos nos momentos de crise e capacita a população para uma melhor recuperação.