“Coaching: ir mais longe cá dentro”

A revista Liderança no Feminino foi conhecer Helena Anjos, presidente da ICF Portugal e Professional Certified Coach (PCC)

 

Como é que uma psicóloga clínica entra no mundo do coaching?
Enquanto psicóloga clínica, vivo cada sessão com paixão. Contribuir para resolver eultrapassar dificuldades que causam sofrimento é a Arte da psicologia clínica. E um dia,há 18 anos, encontrei outra Arte onde também habita a paixão de trabalhar com Pessoas que querem ser mais felizes. Esta outra Arte é o Coaching.
Mas antes de mergulhar nas Artes que me oferecem vida, parece-me importante revisitar um trecho do meu percurso que explica como é que estas Artes se cruzaram.
A minha história como psicóloga e coach.
Quando finalizei o curso decidi que gostaria de perceber e viver a doença mental.
Durante 18 meses estive no Hospital Miguel Bombarda, onde fiz o meu estágio
profissional. Ao longo desse período acompanhei um grupo de doentes crónicos.
Foram estes homens que me ensinaram a linguagem da dor escondida, o código dos
gritos, a falta de sentido com sentido dos sorrisos, sorrisos que surgem sem motivo
aparente.
E em cada um destes homens vi a história do Petit Prince. Conheciam os embondeiros
e cuidavam deles. Conversavam durante horas esquecidas com a Raposa, sabiam ser
solidários e solitários.
Ainda durante o estágio comecei a fazer consultas com supervisão. Para me sentir
emocionalmente mais sólida iniciei o meu processo de psicanálise. Mais tarde fiz a
formação de grupanálise e o mestrado em Psicologia Clínica.
Terminei o curso em 1979. Como já era mãe há um ano, senti a responsabilidade de
oferecer uma vida sem sobressaltos à família, e aceitei um convite para ir trabalhar
numa área de psicologia clínica numa grande empresa, sem nunca abandonar a clínica
privada, que exercia ao fim do dia. O projeto de apoio psicológico a trabalhadores
terminou quando houve uma das muitas reestruturações na empresa e passei a
trabalhar em seleção e recrutamento. Senti que não estava a cuidar do meu
embondeiro e isso fez-me procurar algo mais desafiante. É nesta altura que me cruzo
com o Coaching. Estávamos em 1999, e com o objetivo de desenvolver um programa
de mudança de atitudes e mentalidades, integrei a equipa da Rede Comercial. O
Coaching estava dar os primeiros passos em Portugal e aparecia como uma
metodologia de gestão de recursos humanos muito completa e estruturante, embora
ainda pouco conhecida.
O programa teve o seu batismo de voo no início de 2000. Nessa altura, os gestores da
área comercial estavam a ser pressionados para terem uma atitude mais proactiva. Era
essencial ter um novo olhar sobre o cliente e apresentar resultados com expressão.
Embora confrontados com diversos alinhamentos da gestão, não desistimos e
conscientes que o caminho para a mudança passava pela vontade dos atores,
avançamos com o programa de Coaching. Ainda hoje, contínuo convicta de que a
mensagem “Eu acredito!”, transmitida pela gestão de topo, foi decisiva para o
arranque e sucesso do programa.

Ser psicóloga clínica é estar com o paciente e conduzi-lo num processo de descoberta,
tendo em vista o seu bem-estar, o qual decorre da compreensão, aceitação e mudança
de olhar e de sentir relativamente ao que lhe causa inquietação, dor, auto-estima
deficitária, sensação de abandono e/ou rejeição. O psicólogo clínico sabe que está na
presença de uma pessoa que tem que revisitar o passado para se apaziguar com o
presente e o futuro.
Ser Coach, segundo a ICF, “envolve uma parceria entre o coach e o cliente, num
processo estimulante e criativo que o inspira a maximizar o seu potencial pessoal e
profissional.”
O Coaching é um processo de mudança que permite ao coachee (cliente) descobrir
oportunidades de evolução pessoal e profissional, mais ajustadas às suas necessidades.
Ajuda-o a compreender melhor quem é e o que quer ser, e, portanto, a “adquirir as
competências necessárias para chegar a sê-lo” (Hernández, 2003).
Apesar de, tanto o Coaching como a terapia, se focarem na mudança de
comportamento e na autoconsciência (self-awareness), de se basearem em fortes
relações de confiança e estarem centradas no cliente, potenciando o insight, a sua
essência é completamente diferente. A terapia é mais orientada para resolver e
ultrapassar dificuldades e patologias, enquanto o Coaching tem o seu foco de atuação
no desenvolvimento de competências.
A terapia tem um maior enfoque no passado, o coaching trabalha o presente,
projetando o futuro.

Quais os maiores desafios em ser Presidente da International Coach
Federation?
Quando assumi o cargo de presidente da ICF Portugal, estava consciente que o meu
maior desafio passava por servir a comunidade de coaches. Era importante consolidar
as boas práticas concretizadas nos dois anos anteriores, em que fui vice-presidente,
assim como produzir interessantes momentos de aprendizagem.
Para tal, decidimos, em equipa, apostar fortemente em ganhar a confiança dos
membros. Esse trabalho foi feito com o foco no envolvimento dos mesmos em
atividades que trouxessem mais valor para o Chapter. E sim, digo-o com orgulho, está
a acontecer! Os artigos de opinião que saem na nossa newsletter mensal são escritos
por membros ICF. O conteúdo e a condução dos eventos também são da
responsabilidade de membros que se oferecem para o fazer, ou dos que são
convidados.
Manter em níveis elevados a motivação, compromisso e envolvimento da equipa é um
desafio sério. O nosso trabalho é pro bono e envolve muitas horas de dedicação.
E um dos maiores desafios passa por criar um caminho que nos permita continuar a
estar no mapa da ICF, no mapa do Coaching profissional.
O reconhecimento da profissão é outro dos grandes desafios desta Direção.
Para tal, estamos a consolidar a Task Force que, em conjunto com o nosso advogado e
a ICF Internacional, vai criar as condições possíveis para valorizar o Coaching
profissional, mas com a chancela de uma “profissão reconhecida”.

Divulgar o Coaching junto das Universidades é um desafio que já começamos a
abraçar.
Criar uma zona de conforto em que as escolas de Coaching, acreditadas pela ICF,
possam conversar saudavelmente, é outro desafio.
E o maior desafio passa por divulgar, junto das empresas e individuais, as vantagens do
Coaching profissional.

Objetivos tem para a ICF?
Fazer obra capaz e de impulsionar o Coaching profissional para níveis de excelência.
Um dos objetivos já está a acontecer, e passa por contribuir para que o Chapter da ICF seja a entidade com maior credibilidade e reconhecimento, a nível nacional.
O nosso programa inclui um objetivo que já referi de forma sumária, e que me apaixona:
envolver os membros no Chapter, permitir que sintam que pertencem a uma comunidade
sólida e que quer continuar a construir momentos de aprendizagem e partilha de saberes.
Esses momentos passam por fazer tertúlias e outros eventos que cheguem aos participantes, que toquem as suas necessidades, que abrandem os seus receios, que lhes permitam confiar na solidez deste projeto.
Fazemos 2 eventos mensais. Um deles é um Ciclo de Conversas sobre “O Coach também tem dúvidas”. Lançámos o desafio e constituiu-se um grupo de coaches interessados, grupo esse que se mantém coeso e presente em cada sessão. Trazem dúvidas e pedem ajuda. Refletem em grupo e as respostas internas começam a aparecer com contornos de aceitação; O outro é um Workshop temático, que responde às diferentes necessidades dos coaches. Como exemplo, podemos dedicar 2 horas a falar do poder do silêncio em Coaching, um tema difícil mas muito poderoso, mas também podemos passar 2 horas a falar das diferenças entre membro certificado e credenciado, e das particularidades e vantagens de cada um destes estatutos.
Continuar a divulgar o livro “Coaching: ir mais longe cá dentro”, um verdadeiro manual de
Coaching, escrito por 24 Coaches credenciados, é outro dos objetivos.
Aumentar o número de membros, que podem usufruir dos benefícios de ser membros ICF, tem sido um objetivo pelo qual luto em cada dia.
A criação de Comités com voluntários de luxo, membros da ICF, era outro dos nossos
objetivos, solidamente conseguido, assim como a parceria com universidades e a partilha de boas práticas com os Chapters da região EMEA.
Manter vivo o Comité de Coaching Solidário, dando contornos a um projeto internacional de Coaching pro bono que está a ser feito com as pessoas que trabalham com refugiados e que estão sujeitas a elevados níveis de stress. A ICF está a investir em processo de Coaching probono com 30 famílias que recorrem à Cozinha com Alma, que lhes oferece alimentação. Estas famílias estão em fases de vida difíceis e sem suporte.
Lutar pelo reconhecimento da profissão é o nosso ex-libris quando falamos em objetivos.

O coach contribui para um mundo mais humanizado?
Esta não é uma pergunta fácil. O número de clientes de Coaching tem vindo a
aumentar claramente, mas ainda não é significativo para tomarmos como certo que o
coach contribui para um mundo mais humanizado. Contudo, se nos focarmos nos
benefícios do Coaching, seja ele pro bono, ou pago, eu digo, no imediato, que sim.
Quem faz Coaching profissional são pessoas que sabem “cuidar” de pessoas, que lhes
facilitam processos de mudança necessária para que possam sorrir porque se
reencontraram.

Lembro-me de um coachee que acompanhei em sessões de Team Coaching e Coaching
Individual. Era um homem que gritava com os colaboradores de tal maneira que
“sentia a cabeça a explodir”. Mas conseguia o que queria: tinham medo dele e
tentavam não cometer erros! Sentia-se um verdadeiro chefe! Quando iniciou o
processo de Coaching estava resistente porque sentia orgulho nos seus resultados. Á
medida que o processo foi avançando, este cliente começou a questionar a sua
metodologia enquanto “líder” e deixou de gritar, tornou-se inclusivo e respeitador de
cada trabalhador. Dizia-me muitas vezes “a Helena mudou a minha vida”, “a minha
mulher e os meus filhos andam com medo que eu esteja doente”. Como resultado do
processo de Coaching, este homem passou a ter uma coach atitude, e a ser estimado e
reconhecido pela sua equipa. E ainda é assim!

Qual a função do coaching no contexto profissional?
O Coaching tem vindo a integrar a cultura das empresas. O mundo corporativo não só
reconhece o seu valor, como quer trazer as mais-valias do Coaching para dentro da
empresa.
De acordo com a minha experiência, e acompanhei processos de Coaching numa
grande empresa durante 18 anos, o Coaching permite que o individuo, que aceita fazer
esta caminhada de descoberta interior, desenvolva o seu potencial adormecido.
Sim, uma cultura de Coaching é passível de promover a confiança no potencial e nas
capacidades dos “atores” para se superarem; promove uma cultura de aprendizagem;
a informação e o saber- fazer e saber-pensar são postos ao serviço da performance
global da empresa; a comunicação é mais fluída, eficaz e geradora de energia e
motivação: a qualidade da escuta ativa é ampliada e as novas ideias são incentivadas e
acolhidas com curiosidade e interesse (inspirado no capítulo 20 do livro da ICF, Ir mais
longe, cá dentro, página 231).
E assim posso partilhar como é possível mudar de perspetiva e encontrar outra atitude
para viver a vida! Uma atitude que nos conduz à excelência, que nos enche a alma
porque é feita de descobertas e do orgulho dos compromissos satisfeitos.
6. As empresas estão preparadas para investir nos seus colaboradores?
Em Portugal, já existem muitas empresas que estão dispostas a investir no seu
potencial mais nobre, as pessoas!
É interessante dizer-se que muitos Diretores de Recursos Humanos, destas empresas,
são coaches e investem com espirito guerreiro no bem-estar das pessoas.
Nestes casos temos empresas humanizadas, com uma cultura de Coaching
consolidada. Olhamos para a porta de entrada e vemos rostos sorridentes e leves.
É evidente que existe sempre um lado obscuro neste mundo das empresas: ainda
temos muitos gestores que não valorizam o saber sentir, mas apenas o fazer rápido.
Essas empresas não oferecem aos seus trabalhadores momentos inspiradores e de
pertença. Não oferecem motivação, oferecem inquietação e somatizações da angústia.
Se as empresas estão preparadas? Umas sim, outras não.
Se em Coaching a ferramenta mais poderosa é o coach, nas empresas o timoneiro
escreve o dia-a- dia dos colaboradores, que se pode traduzir por: “tenho uma excelente
carta marítima, sei para onde vou” ou “estou sem remos”.

Em que medida o coach desafia a mudança?
Na última sessão de Coaching, Florbela, gestora, perguntou-me se podia dar feedback
sobre o que tinha vivido ao longo de 12 sessões, e disse-me: “O Coaching alterou o
centro do meu mundo. O meu foco mudou. Deixei de estar focada nas atividades, nos
processos e nas metas e passei a focar-me nas pessoas (…). Deixei de sentir
necessidade de fugir dos medos, das inseguranças e dos conflitos. Os meus pontos
fracos, por estarem a ser trabalhados, são pontos em constante melhoria. Sinto uma
maior satisfação, tanto a nível pessoal como profissional, e todos ganharam com isso:
eu, a minha família, a minha equipa de trabalho, a minha empresa. Sou mais feliz!”