Uma das melhores memórias que tem dos tempos que já não voltam era observar a mãe a confecionar bolos e salgados para as pastelarias que servia em Lisboa, ansiando pelos fins-de-semana em que poderia ajudar a levar os tabuleiros. Esta foi a primeira vez que Cláudia Silva entrou em contato com o empreendedorismo e as vendas, ainda criança. A menina tornou-se mulher, mas mesmo com os imprevistos da vida, a paixão manteve-se sempre acesa.
Desde pequena que Cláudia Silva sempre viveu com o “bichinho” pelo empreendorismo e, apesar de ter ficado um pouco adormecido com o passar do tempo, nunca desapareceu. Na escola, angariava dinheiro para as viagens com a banquinha de bolos. Na faculdade, dava explicações e ia aos leilões para arranjar a “barraquinha” das festas.“A verdade é que tudo dava-me um prazer enorme”, confessa Cláudia.
Desde sempre nutriu um gosto por falar com as pessoas, organizar e gerir equipas. “Era instinto”, diz. Mas recuemos ao início, à época dos testes psicotécnicos do 9º e 12º anos. Sempre se mostraram inconclusivos, com empate técnico entre militar, ciências e gestão e economia. Quando Cláudia questionava o gabinete sobre qual a melhor solução, a resposta era “Bem, vai para o que te pode dar emprego” ou “É ires tentando para veres o que gostas. Senão vais trocando.” E assim o fez.
Começou a trilhar o seu caminho pela área das ciências, e rapidamente se apercebeu de que tinha acertado à primeira, pois “até gostava e tinha algum jeito”. Não é de se admirar que, mais tarde, no momento da candidatura à faculdade, tenha optado pela licenciatura em Engenharia do Ambiente. O seu futuro começava a se moldar à sua frente e Cláudia já se via a exercer na vertente de investigação. Mas foi sol de pouca dura.
Quando Cláudia Silva deu por terminado os estudos, sentiu que “não era de todo o que queria fazer para o resto da vida”. Estar dias inteiros fechada em laboratório ou em escritório fez com que tomasse consciência que não era e não seria feliz a realizar aquele trabalho. “Não foi fácil para alguém como eu, que com 18 anos tinha muito claro o que queria e que afinal com 23 já nem por isso”, afirma Cláudia. Conta que foi a primeira vez que se sentiu “completamente perdida”.
Queria tornar a encontrar-se, e por isso, nas suas palavras, decidiu dar um tempo a si mesma. Tentou explorar um bocadinho mais sobre a sua pessoa: procurou part-times e tinha ambição de fazer um estágio fora de Portugal. No meio dessa busca, deu de caras com a AIESEC, candidatou-se para ir de estágio, foi a uma entrevista e a resposta foi negativa. Mas frisaram que, se quisesse, poderia entrar na organização como voluntária/membro e que depois poderia surgir uma oportunidade. “Bem, posso dizer que estive lá quatro anos e meio e acabei por nunca ir de estágio”, admite Cláudia. “Não porque não o quisessem, mas porque naquele lugar, tinha encontrado o que me fazia realizada pessoal e profissionalmente”.
Em 2011, tornou-se Project Manager de um projeto ligado aos ODS (agora ODM), onde pôde aprender um pouco de tudo, desde gestão de equipa, gestão de orçamentos, vendas, marketing e planeamento. A líder vivenciou imensas experiências de liderança e de responsabilidade, tanto a nível nacional como internacional, que reconhece terem dado “uma bagagem enorme de conhecimento”. Destaca ainda as pessoas que teve a oportunidade de conhecer, tais como Conceição Zagalo e a Leonor Botto. Quatro anos mais tarde, Cláudia sentia que tinha chegado a altura de outro desafio, e, por isso, adentrou no mundo da consultoria e formação. “Para mim, foi um passo muito natural, tendo em conta tudo o que já tinha aprendido e realizado nos anos anteriores”.
“mesmo quando não sabia, as minhas paixões eram duas: a gestão e as pessoas”
Embora se sentisse bastante realizada, sentia que estava na hora de ouvir a sua criança interior e dar palco aos seus sonhos. Assim, a 28 de fevereiro de 2020, floresceu a Bring It On Consultoria. “Não posso dizer que 2020 foi um ano fácil, mas posso afirmar que foi um ano em que descobri e redescobri muita coisa de mim e do que queria para a empresa”, assegura Cláudia Silva. A líder acrescenta ainda que não há margem para dúvidas: “é o caminho que mais gozo me dá” e “não há um dia que me arrependa do caminho que segui”.
Na verdade, Cláudia Silva afirma que “mesmo quando não sabia, as minhas paixões eram duas: a gestão e as pessoas”. Por isso, ter saltado para a naturalidade. O desejo de ter um projeto da sua autoria sempre cresceu consigo, embora admita que, durante muito tempo, “não sabia o que seria, ou não me sentia preparada para dar esse passo”. Defende com unhas e dentes que “as pessoas têm talentos naturais” e que o “o que conta é o que fazemos com o que temos de talentos, como os potenciamos e como percebemos no que podemos ser mais impactantes na sociedade“.
Com um percurso profissional pautado por tamanha maestria, Cláudia assume que procura tirar aprendizagens de tudo o que faz, vê e ouve. “O facto de ter tido experiências diversas em quase todas as áreas de uma empresa, e que inclusive em alguns locais fui responsável, deu-me conhecimentos e casos práticos importantes, […] deu-me uma visão holística do que deve ser a gestão de uma empresa […]”, sublinha. A Bring It On Consultoria já soprou quatro velas. Ao longo destes anos, algumas ideias foram sendo implementadas, tais como a “certificação DGERT, a rede de parceiros diversificados […], diversificação de carteira de clientes, entre outras”. A empreendedora espera que a estas se juntem outras tantas que pretende levar a cabo. Uma coisa é certa: “ideias não faltam”.
“uma mulher é uma líder de sucesso se se sentir bem consigo própria e for fiel a si mesma, porque antes de ser líder de outros, é líder de si”
Quando deu as primeiras passadas em direção ao mercado de trabalho, Cláudia confessa que não se debruçava muito sobre metas a atingir. Confidencia que a única coisa que sabia era que “a partir dos meus 35 anos queria ter um projeto meu”. Mas a vontade era tanta que este sonho conheceu a luz do dia antes do tempo, pois foi com 32 que o concretizou.
Tendo desempenhado já várias funções em vários sítios distintos, Cláudia assegura que teve de enfrentar dois grandes desafios no decorrer da sua carreira. O primeiro diz ter sido quando liderou, pela primeira vez, um escritório com vários problemas financeiros. “Coloquei objetivos muito ambiciosos com a minha equipa e também a médio prazo, mesmo quando já não estivesse lá”, confessa Cláudia. Hoje encara esse ano como um período em que evoluiu e percebeu que “um líder inspira e também é inspirado pelas pessoas à sua volta”. Já o segundo maior desafio é o atual, até porque, nas suas palavras, “este é o desafio de fazer crescer um sonho e uma paixão”.
No decorrer destes anos, Cláudia Silva tem demonstrado que ser mulher e ter sucesso profissional podem sim caminhar de mãos dadas. “O que posso dizer é que sou um exemplo para a minha vida e que procuro ser um exemplo para as pessoas que me são próximas”, refere. A líder reforça ainda que “a igualdade de géneros deve continuar a ser falada de uma forma mais aberta e transparente”, pois “o reconhecimento deve ser feito por aquilo que são as competências e não pelo género”.
Na opinião de Cláudia Silva, “uma mulher é uma líder de sucesso se se sentir bem consigo própria e for fiel a si mesma, porque antes de ser líder de outros, é líder de si”.
“não há líderes perfeitos, até porque é na imperfeição que nos aperfeiçoamos e aprendemos mais na liderança”.
Enquanto mulher num cargo de liderança, não foram poucas as vezes que Cláudia Silva sentiu que foi questionada a sua capacidade para o lugar. Já chegaram aos seus ouvidos questões como “Mas é mulher e empresária?” e “Não é muito nova para ser empresária?”. Mas há uma que garante que nunca sairá da sua memória.
Conta que estava no início de uma reunião com uma potencial cliente, uma mulher num cargo de direção. A senhora apresentou-se e explicou como tinha lutado muito para lhe ser reconhecido o mérito e promoção para a função que desempenhava. Quando chegou a altura de Cláudia Silva se apresentar a si e à empresa, foi interrompida com a seguinte pergunta: “Que idade tem? Parece muito nova para ter a função que tem.” Cláudia não atribuiu grande importância à observação, respondendo que tinha 32 anos. Recebeu a seguinte resposta: “Você é muito nova para ser empresária e ainda por cima é mulher.” A líder conta que ficou tão confusa e que depois disso ainda escutou: “Não é um problema, mas não abona a seu favor.” “Uma mulher a dizer aquilo a outra mulher, foi um completo desrespeito”, salienta Cláudia.
Para Cláudia Silva, “não há líderes perfeitos, até porque é na imperfeição que nos aperfeiçoamos e aprendemos mais na liderança”. No entanto, destaca que valores como a empatia, capacidade de adaptação, assertividade, compaixão são essenciais para inspirar uma equipa e levá-la a bom porto.