
Suzete Costa lidera com método, escuta com atenção e transforma evidência científica em ação estratégica. Mas o que torna a sua história verdadeiramente singular é a fusão rara entre resiliência pessoal, visão estratégica e uma profunda empatia clínica. Nascida em Angola, crescida entre silêncios e desafios em Portugal, a nossa entrevistada traçou um percurso invulgar nas Ciências da Saúde, em investigação, consultoria, docência e liderança internacional.“Acho que somos o produto das circunstâncias — e daquilo que decidimos fazer com o que nos acontece,” revela. E fez acontecer. Com coragem, inteligência e uma missão: colocar os doentes no centro de tudo.
Há histórias que merecem ser contadas com tempo, profundidade e propósito. A desta líder na saúde cruza ciência, estratégia e paixão numa simbiose rara, e projeta luz sobre o que significa liderar com impacto real num sector exigente, complexo e por vezes pouco humano. Nascida em Angola e moldada pelas circunstâncias da guerra e da migração, transformou vulnerabilidade em resiliência. Em Portugal, reinventou-se. E com apenas 23 anos, assumia já responsabilidades institucionais que pedem experiência, coragem e visão. Desde então, não parou de construir, influenciar e transformar.
Raízes de Resiliência: A infância como ponto de inflexão
“Nasci e vivi em Angola. Depois a guerra chegou. Fugimos. Essa história dava um livro. Tinha 5 anos, mas não esquecerei.” Numa entrevista comovente e assertiva, revela desde o primeiro momento o quanto o passado influi no presente — não como destino, mas como força de reconfiguração. A infância interrompida, a fuga que marca, os primeiros anos em Portugal recheados de silêncios e adaptação — tudo isto moldou a sensibilidade, o pragmatismo e a força interior que hoje define o seu estilo de liderança. Suzete aprendeu cedo que a vida nem sempre oferece terreno fértil, mas é na forma como escolhemos semear que surgem os frutos duradouros.
Liderança que Acontece: Quando o caminho nos escolhe
“Encontrei-me em situações de liderança que não busquei, mas aconteceram.” Começa na associação de estudantes, onde o sentido de missão se alia à necessidade de organização e representação. Mas o salto maior dá-se na Ordem dos Farmacêuticos, com apenas 23 anos. Responsabilidades institucionais, contratações, projetos internacionais — um contexto técnico e político onde a jovem farmacêutica revela não apenas conhecimento, mas também estratégia e capacidade de negociação. A partir daqui a narrativa avança com episódios de inovação, com destaque para a implementação de práticas centradas no paciente nas farmácias, sempre acompanhadas por indicadores de impacto — uma obsessão saudável pela evidência concreta e mensurável. “Adquiri experiência para iniciar projetos do zero, o que me foi útil quando liderei a primeira equipa para implementar intervenções patient care nas Farmácias.”
Ciência ao Serviço da Estratégia: Onde a Liderança Ganha Corpo
O rigor científico é, para Suzete, não apenas ferramenta, mas também bússola. Cada decisão, cada projeto, cada proposta nasce da articulação entre dados concretos e sentido estratégico. Um dos pontos altos desta jornada foi a direção do centro de investigação da Associação Nacional das Farmácias, missão dupla: por um lado, desenvolver estudos que sustentassem a prática farmacêutica e, por outro, oferecer consultoria científica à indústria. Este papel exigia equilíbrio, inteligência emocional e capacidade de comunicar ciência com clareza aos diferentes stakeholders. E foi precisamente aí que se fortaleceu uma das suas competências-chave — a tradução da evidência científica em linguagem mobilizadora. “Temos de acreditar na Missão e rodearmo-nos de pessoas extraordinárias, melhores que nós. Tem sido esse o meu combustível.” Este tipo de liderança contagia. A capacidade de inspirar equipas técnicas e científicas, sempre com a missão em mente, é o que transforma conhecimento em impacto. Os estudos deixaram de ser apenas estatísticos para se tornarem motores de mudança.
Liderança Global: De Portugal para o Mundo
Se há algo que distingue líderes visionários é a capacidade de conectar contextos aparentemente distantes. Ao longo da carreira, acumulou experiências internacionais que contribuíram para alargar horizontes: funções na Organização Mundial de Saúde — Região Europa, no Grupo Farmacêutico da União Europeia, na Federação Internacional Farmacêutica. E até um estágio na Kaiser Permanente, Colorado, EUA, onde observou in loco uma das maiores referências em gestão integrada de cuidados de saúde. Cada uma destas experiências trouxe uma nova lente para olhar os sistemas de saúde — desde a saúde comunitária até à consultoria estratégica com impacto regulatório. Essa vivência internacional alimenta a sua visão abrangente e confere autoridade às suas propostas. A internacionalização não é um capítulo isolado da sua vida: é uma forma de estar e pensar, refletida nas equipas que lidera e nas metodologias que aplica.
A Voz dos Doentes: Evidência que Respira
O virar de página na carreira surge com o desafio para integrar a equipa EMEA da IQVIA Patient Centered Solutions. Aqui, a evidência científica assume um novo rosto — o rosto de quem vive a doença, o tratamento e os impactos emocionais, físicos e sociais. “É o poder da voz dos doentes que depois transformamos em evidência.” Ao recolher relatos diretos de pacientes em ensaios clínicos internacionais — e também na vida real — esta líder contribui para construir narrativas que influenciam decisões críticas, como a comparticipação de medicamentos ou até alterações nas afirmações legais (label claims) aprovadas pela FDA. Os estudos que coordena combinam metodologias qualitativas e quantitativas, num equilíbrio perfeito entre estatística e subjetividade. E, acima de tudo, desafiam a indústria farmacêutica a ouvir — verdadeiramente ouvir — quem mais importa: os doentes.
Empatia Estratégica: Ouvir para Transformar
Num mundo movido por dados, algoritmos e processos, é a capacidade de escutar que se revela cada vez mais rara — e valiosa. Esta líder entende que a escuta ativa é mais do que uma ferramenta: é uma forma de liderança. Ao ler as transcrições das entrevistas com doentes dos ensaios clínicos, aproxima-se da dor, da esperança e da experiência subjetiva de cada um. “Percebemos as suas expectativas, o que sentem, os sinais, sintomas e os impactos físicos e psicológicos da doença e do tratamento neles próprios e nos familiares.” Este tipo de escuta — sensível, profunda, responsável — transforma decisões. A empatia é aqui aliada da estratégia: ajuda a prever riscos, melhorar adesão ao tratamento, humanizar o cuidado e refinar posicionamentos empresariais. Onde muitos veem apenas dados, ela vê histórias. E onde há histórias, há oportunidades de inovação.
Resultados Reais: A Evidência que Muda o Mundo
Quando se fala em impacto, é impossível não mencionar os estudos que conduziram a alterações concretas nas label claims aprovadas pela FDA. Trata se de afirmações legais sobre os efeitos de um medicamento, que podem ser incluídas na sua bula e marketing — e que têm de ser validadas por entidades reguladoras. A sua equipa conseguiu que a experiência reportada pelos doentes, recolhida com rigor e sensibilidade, fosse suficiente para mudar essas afirmações. Não é apenas ciência. É transformação. É dar voz ao doente, à sua vivência e à sua dignidade, e fazer com que essa voz influencie decisões que moldam o futuro dos cuidados em saúde. “A FDA valoriza muito os estudos com base na experiência reportada pelos doentes.” Este tipo de evidência, muitas vezes negligenciada ou considerada “menos robusta”, está agora a conquistar o seu lugar nas decisões de peso. É o reconhecimento de que há ciência também na experiência subjetiva — e que a saúde, no seu âmago, é uma vivência individual.
Liderança Feminina: Entre Barreira e Alavanca
Ser mulher na ciência e na liderança ainda é um exercício diário de superação. Mas há barreiras que se transformam em alavancas quando são enfrentadas com inteligência, humor e estratégia. “Temos de trabalhar o dobro, cumprindo com tudo o resto, para progredir na carreira.” A entrevistada não apenas enfrentou desafios por ser mulher num meio técnico, mas também por ser “a mulher de alguém” — expressão que aqui ganha peso simbólico. Quando o cônjuge assumiu a presidência da organização onde ambos trabalhavam, o ambiente tornou-se desconfortável, exigindo contenção, resiliência e reinvenção. “Foi muito difícil para mim em termos de progressão. Tive de aceitar algumas situações menos justas.” A resposta? Inscrição num doutoramento. Um gesto de autocuidado e projeção. Um investimento silencioso com frutos sólidos. “Quando a vida nos dá limões, fazemos limonadas. Mas se possível… um gin tónico!” Este sentido de humor — ácido, inteligente, libertador — revela uma líder que não se deixa definir pelas adversidades. Mas que as usa como catalisador.
Diversidade e Inclusão: A Força de Equipas Multiculturais
A consultoria científica internacional, especialmente na área de Life Sciences, é um campo exigente — mas também fértil em inovação. Esta líder atua num contexto onde a diversidade é não só valorizada, como essencial. A colaboração em equipas multiculturais, vindas do Reino Unido, México, Estados Unidos, Índia, Espanha, França ou Holanda, cria um ecossistema rico de ideias, talento e abordagens complementares. “A geração dos 50 é muito valorizada na consultoria científica internacional.” Na sua equipa, há espaço para todas as vozes — desde consultores juniores a seniores — num modelo que respeita a pirâmide de experiência, mas que quebra barreiras etárias e culturais. O trabalho remoto veio acelerar esta mudança. Contratar talentos à escala global exige tecnologia, flexibilidade e confiança. Mas também oferece resultados: equipas mais criativas, mais eficientes, mais conectadas. “Não se pense que as empresas perdem o controlo com o trabalho em remoto. A maioria não sabe é trabalhar nesse contexto e tem ideias pré-concebidas.” Além disso, há espaços seguros de escuta e reflexão: grupos de networking para mulheres, comunidade LGBTQIA+, minorias étnicas, doentes ou familiares. Estes grupos não são apenas ferramentas de inclusão — são pontes de retenção de talento e inovação.
Liderança do Futuro: Inspirar e Formar
O que distingue uma líder visionária daquelas que apenas respondem às exigências do presente? É o que Suzete chama de “mix”: flexibilidade, curiosidade, capacidade de resolver problemas e inspirar equipas.” A liderança do futuro é feita de atitude, estratégia e generosidade. Contratar pessoas extraordinárias — melhores do que nós — e ajudá-las a crescer, partilhar conhecimento, formar novas gerações. Não há lugar aqui para egos inflacionados ou centralização de poder. O papel da líder é desbloquear, alavancar, entusiasmar. “Ver oportunidades onde os outros veem problemas. Ajudar os outros a crescer. Formar futuras gerações.” Esta visão humanista e ambiciosa constrói culturas organizacionais saudáveis, prepara sucessão, e mantém a energia criativa dos projetos vivos. É a diferença entre “gerir” e “liderar”.
Mensagem Final: Para Mulheres que Estão a Começar
A trajetória de Suzete é feita de coragem, reinvenção e paixão. E para todas as mulheres que agora se iniciam em investigação, consultoria ou inovação em saúde, o conselho é claro: “Ter uma atitude can-do. Abraçar a formação ao longo da vida. Estar disponível para colaborar pro bono. Ajudar as chefias e os colegas a brilhar. Procurar um bom mentor. Always go the extra mile. It is never crowded out there.” É a arte de ir mais longe. De construir pontes mesmo quando o caminho parece estreito. De acreditar — mesmo quando duvidam de nós.
Missão Ética e Impacto na Comunidade
Para além da carreira institucional e empresarial, a entrevistada mantém uma prática ética e comunitária exemplar. É professora auxiliar convidada na Faculdade de Medicina, co-orienta alunos de Mestrado pro bono, participa nas empresas familiares e nas farmácias com funções não executivas, e colabora em projetos de patient care com estratégia e visão. Este equilíbrio entre impacto académico, empresarial e social é raro — e valioso. E mostra que a liderança verdadeira se faz nos bastidores, no voluntariado, na mentoria e no cuidado invisível dos outros.
A Voz que Fica
Há pessoas que marcam pelo que constroem. Outras, pelo que transformam. E há aquelas que fazem ambos — com graça, inteligência e uma clareza que desafia limites. Esta história não é apenas sobre sucesso. É sobre visão, escuta, e a capacidade de colocar a ciência ao serviço de quem mais precisa. A líder que aqui apresentamos deixa um legado onde liderança, empatia, estratégia e impacto real se entrelaçam. Num mundo em constante mutação, ela ensina-nos que é possível liderar com coragem — e com alma.