O LADO BOM – RITA REDSHOES

Rita Redshoes dispensa apresentações. Conhecida do público, com quatro discos editados, prepara-se para lançar o seu quinto no final do mês de setembro. O novo álbum, o mais pessoal até agora, espelha a sua jornada pela maternidade e pós-parto. Em conversa, conta-nos a realidade ainda masculina da indústria musical e como superou o período do confinamento.

O seu percurso musical começou cedo – ainda era Rita Pereira quando se tornou baterista no grupo de teatro da sua escola secundária. Mais tarde, fez parte de vários projetos musicais como autora e intérprete e colaborou em inúmeras bandas sonoras premiadas para teatro e cinema. Os discos de Atomic Bees, Rebel Red Dog, David Fonseca e The Legendary Tigerman conta- ram com o toque de Rita Redshoes.

O nome artístico surgiu em 2007, inspirado n’ O Feiticeiro de Oz e o clássico Let’s Dance de David Bowie. No ano seguinte apresentou o seu primeiro álbum, com 12 músicas exclusivamente cantadas em inglês.

Vários anos e 3 álbuns depois, irá apresentar agora o seu Lado Bom, nome do novo álbum que tem data marcada para 24 de setembro. O projeto foi escrito e gravado entre 2018 e 2019 e já tinha sido anunciado em 2020, mas a pandemia obrigou a adiar o lançamento. Apesar das pessoas estarem fechadas em casa, com disponibilidade acrescida para ouvirem música, faltava a componente dos concertos, que são “a parte essencial do processo de partilha”, segundo a cantora.

Rita apresenta o Lado Bom como o seu disco mais pessoal, um álbum que saiu das suas entranhas e que acompanhou todo o seu processo de gravidez e pós-parto. “Senti-me a renascer, embevecida com o milagre de gerar um ser humano e um medo tremendo de lhe falhar”, partilha. “A minha vida mudou, eu mudei e senti-me muitas vezes perdida nesse processo.” É um disco onde explora emoções desconhecidas, medos e dúvidas. É, acima de tudo, um álbum “muito honesto”, onde se questiona sobre o papel da mulher na sociedade, a capacidade de amar e ser amada, “cheio de luz e sombra”, um mergulho aos seus pensamentos mais profundos.

Foi durante o período de pós-parto que Rita descobriu que o seu organismo não produzia quantidades suficientes de serotonina, o que interfere diretamente com o humor. Desde jovem que lida com a depressão, chegou até a tirar a licenciatura em Psicologia Clínica, mas só aos 37 anos é que descobriu que existia também um motivo biológico para isso. Para além da terapia, psicanalise e medicação que tentou ao longo dos anos, a música surgiu como uma tábua de salvação na sua vida. “Tocar, compor e escrever tornaram-se numa terapia sem que eu tivesse consciência disso”, desvenda. Os instrumentos permitiram-lhe expressar-se, construir uma melhor autoestima e autoconfiança e encon- trar o seu lugar no mundo.

O Lado Bom será o seu primeiro álbum totalmente em português. Era um desejo que já tinha há algum tempo e uma ideia que foi explorando no disco anterior, Her, com 3 músicas em português. “Quando comecei a compor este disco tudo o que me aparecia era em português”, explica, “não contrariei, deixei fluir. Tinha chegado o momento”.

Deixar fluir é um passo importante no seu processo criativo que classifica como desorganizado e periódico. “Não estou sempre a compor. Passo muitos dias sem tocar ou cantar”, revela. Nesses dias aproveita para ver, ouvir e absorver o mundo à sua volta, que aponta como a sua maior inspiração. Mais do que as suas referências musicais, como PJ Harvey, Maria Callas e Nina Simone, que “pairam sempre como uma espécie de pontos cardeais”, Rita encontra inspiração na vida – nas pessoas que a rodeiam, as suas histórias e experiências de vida e o impacto que têm em si. Assim, a inspiração pode surgir a qualquer momento e de qualquer lado.

Quando, em 2016, lançou o Her, tinha 35 anos e muitas dúvidas, uma delas era se queria ser mãe ou não. Teve a sua primeira filha em 2018 e foi “a coisa mais maravilhosa” que lhe aconteceu. “Sinto-me muito mais inspirada, competente, autoconfiante e descomplicada”, confessa. “Ter sido mãe tornou-me uma melhor versão de mim mesma.” Desta forma, o Lado Bom é quase uma revolução do Her, retratando o crescimento de Rita a nível pessoal, espelhando a sua jornada de dúvidas até à maternidade.”

É também uma evolução no sentido em que reanima questões que já tinham sido retratadas no álbum anterior relativas a temáticas das mulheres e do universo feminino, porque Rita adora ser mulher. “Aqui entre nós, ser mulher é bem mais fascinante do que ser homem”, brinca. “Tivemos sempre muito mais desafios ao longo da história e continuamos a ter ao longo da vida”, explica. A versatilidade, a força, a capacidade de cuidar, de lutar e de ceder são características que encontra nas mulheres com quem se cruza e que considera extremamente inspiradoras.

Ser mulher sempre representou dificuldades acrescidas a vários níveis. Também na indústria musical se sente, ainda hoje, algumas diferenças de tratamento entre os géneros. Para além de cantar e escrever as suas próprias músicas, Rita também toca instrumentos, como bateria, guitarra e piano, e tem conhecimentos de música a nível técnico. Mesmo tendo experiência em todo o processo de produção musical, foram várias a vezes que se sentiu discriminada ou tratada de forma diferente, por pessoas que não trabalhavam diretamente consigo. Em reuniões, ensaios de som ou qualquer outra situação em que o ambiente fosse masculino, sentia-se muitas vezes “posta de lado”.

Apesar de existirem muitas mulheres com carreiras musicais de sucesso em Portugal, e da tendência ser aumentar, atrás do palco e das cortinas ainda é escassa a presença feminina o que propicia a discriminação. “Nos bastidores ainda há algum trabalho a fazer no que toca ao respeito e reconhecimento de competências”, realça.

Com o surgimento da pandemia, o setor cultural foi um dos mais afetados, tendo de parar quase por completo a atividade. Muitos artistas tiveram de procurar outros meios de subsistência ou apenas formas de superar a pandemia sem baixar a cabeça. Rita Redshoes tentou ao máximo não parar de produzir e criar. “Inventei tudo o que consegui para contrariar a ideia de estar fechada em casa sem poder exercer a minha profissão”, conta. Deu concertos para os vizinhos no quintal, criou um programa de atividades para crianças e até um podcast na rádio comercial, o Sonhos de Pessoas Quase Normais. Este podcast surge quase como um seguimento do livro que lançou em 2015, Sonhos de uma Rapariga Quase Normal. No podcast, narrado e sonorizado por Rita, ilustra os seus sonhos e dos ouvintes.

O sonho é uma parte importante dos seus dias, influenciando o seu humor e servindo também como fonte de conteúdo criativo, já que não existem limites no subconsciente. “É como se tivesse uma vida paralela onde acontecem coisas extraordinárias, umas vezes inquietantes, outras absolutamente cómicas”, diz Rita, que se lembra diariamente e de forma detalhada do que sonha durante a noite.

Aproveitou também este período para estudar e aprender coisas novas. “Propus-me a contraria a realidade”, afirma. Com o levantamento das restrições e o plano de vacinação a funcionar dentro do previsto, o futuro tem de ser visto com esperança. “Teremos de aprender a viver com estas novas circunstâncias, não temos outra opção”, alerta. Com consciência e civismo é possível prosseguir, porque “a vida está aí – aqui e agora” e precisa de ser vivida.