ASTRID SAUER “SEM ARTE E CULTURA, A VIDA NÃO TERIA SENTIDO”

Astrid Sauer, CEO da State of the Art

Apaixonada pela arte e cultura desde sempre, é atualmente CEO da State of the Art, empresa de marketing cultural que pretende valorizar e democratizar a cultura em Portugal. Astrid fala-nos sobre o seu percurso e sobre como o setor cultural sofre com preconceitos e com os efeitos da pandemia.

Astrid cresceu em Salzburgo, no berço de Mozart, e logo em criança aprendeu a tocar violino, piano e a cantar no coro da escola. Músicos e artistas eram uma presença regular na sua casa. “Tive a sorte de ter pais igualmente interessados em arte e cultura e, desde que me lembro, acompanhei-os à ópera, concertos, teatro ou exposições de arte”, relembra. Aos 18 anos, começou a colecionar arte, principalmente de artistas contemporâneos. “A arte e a cultura têm a capacidade de provocar reflexão, gerar empatia, criar diálogo e fomentar novas ideias e relacionamentos. Para mim, sem arte e cultura, a vida não teria sentido”, afirma.

O seu currículo académico e profissional é bastante internacional – passou por Viena, Marselha e Londres antes de se instalar em Lisboa. Desde pequena que acompanhou o pai em viagens internacionais de negócios e fazia também viagens em família durante as férias. “Esta apetência por viajar só cresceu ao longo dos anos, alimentando a minha paixão pela arte, pela cultura e pelas línguas”, comenta Astrid. Este contacto com pessoas de distintas nacionalidades, culturas, crenças e convicções foi algo muito positivo, pois “coloca as nossas próprias opiniões em perspetiva, tornando-nos seres humanos melhores e ajudando-nos a ser mais criativos a pensar em ideias novas.”

Decidiu vir para Portugal por amor e acabou por se apaixonar pelo país. Conheceu o seu namorado da altura enquanto estudava na London School of Economics e, em 2004, mudou-se para Lisboa, começando a trabalhar na consultora PwC. Passado um ano a relação terminou, mas o seu coração já tinha abraçado Portugal e decidiu ficar. Pouco tempo depois, conheceu o seu marido que a convenceu a escolher Portugal como a sua “casa permanente”.

Depois de vários anos a trabalhar como consultora financeira e estratégica na PwC e Roland Berger, fundou em 2009 a State of the Art (SOTA), com o objetivo de juntar os seus conhecimentos de consultoria à sua grande paixão: a arte e a cultura.

A State of the Art começou como uma startup que alugava arte às empresas e fazia a integração em programas de comunicação e responsabilidade social, mas logo no primeiro ano Astrid percebeu que havia uma necessidade no mercado de proporcionar às empresas “soluções de comunicação, únicas e criadas à medida, na área da cultura.” Atualmente, a State of the Art é especializada em ativações de marketing cultural e têm como objetivo “proporcionar às empresas e organizações soluções de comunicação elevadas pela cultura”, pois acreditam no elevado potencial da cultura para gerar relações, reconhecimento, afetos e negócios. Para além da ativação de marketing cultural, fazem ainda exposições e instalações de arte, ações de responsabilidade social, comissões de arte pública, programação cultural, bem como concursos de fotografia, design ou arte.

Muitas dessas instalações são feitas em espaços menos convencionais, como centros comerciais, proporcionando a democratização da arte e da cultura. “Levar a arte para espaços menos habituais e acessíveis a toda a gente é muito gratificante e é nosso objetivo fazê-lo com grande dignidade e respeito pelas obras de arte e artistas, envolvendo habitualmente um equipa de agentes culturais, designers e arquitetos que contribuem para o sucesso dos nossos projetos”, explica a CEO.

A assinatura da SOTA é “Culture is everyone ‘s business”. Por outras palavras, a cultura, num sentido abrangente, é o que nos define. Para Astrid, “é a nossa língua, é a gastronomia, são as histórias que passam de avós para netos e são expressões artísticas que nos fazem pensar enquanto sociedade, que nos fazem evoluir e crescer, que nos distanciam e aproximam.” Por isso mesmo, deve ser uma preocupação comum, já que nos representa a todos.

Portugal tem uma história e cultura muito rica, com artistas singulares em todas as áreas culturais. “Este é um dos poucos países é um dos poucos países em que, ainda, encontramos pessoas autênticas e fiéis às suas crenças que fazem algo por convicção e não por interesse económico. Esta pureza e autenticidade é um dos atributos que valorizo mais nos Portugueses”, revela.

Acredita que os Portugueses têm motivos para se sentirem orgulhosos, “começando pelo Fado e a sua preservação e interpretação contemporânea com talentos como Mariza, Ana Moura ou Cuca Roseta, passando por artistas extraordinários como Paula Rego, Julião Sarmento, Nadir Afonso ou Joana Vasconcelos, por músicos como Maria João Pires, arquitetos como Souto Moura e Siza Vieira e mesmo em campos mais mainstream como a publicidade.”

Apesar disso, o setor cultural continua a ser visto como um setor subsídio-dependente e não essencial. Para a CEO, exemplo disso é o facto de o governo, inicialmente, não ter dedicado um capítulo ao setor no Plano de Recuperação e Resiliência (PPR). Só em abril deste ano foi aprovado o estatuto de profissional da cultura, definindo o enquadramento legal de várias profissões do setor da Cultura, Artes e Espetáculos. “Em Portugal ainda há muito trabalho a fazer”, conclui.

Astrid realça que para além do papel importante da cultura na formação do pensamento crítico da sociedade e na preservação da identidade cultural coletiva, este setor também contribui significativamente para evolução da economia. As Indústrias Culturais e Criativas (ICC), que incluem a publicidade, a arquitetura, o setor audiovisual, livros, música, jornais e revistas, rádio, artes performativas e artes visuais, contribuíram, em 2019, para a economia da União Europeia com uma faturação de 643 mil milhões de euros e um valor agre- gado total de 253 mil milhões de euros, representando 4,4% do PIB da UE em termos de volume de negócios total e empregando mais de 7,6 milhões de pessoas na UE. A contribuição económica das ICC é maior do que a das indústrias das telecomunicações, alta tecnologia, farmacêutica ou automóvel.

O investimento de €243 milhões anunciado no âmbito do PRR nem sequer ascende a 1,5% da verba total do PRR (€16,644 milhões), enquanto o setor contribui em mais de 3,6% para o PIB nacional. Ou seja, continua a não ter equivalência em termos económicos”, reitera Astrid.

Para além disso, quase 50% das pessoas empregadas em Portugal nas ICC têm menos de 39 anos – representam as futuras gerações, “ futuras famílias que têm a chave para o crescimento coletivo como sociedade para o crescimento da inovação e da criatividade, e por isso, também para o crescimento económico.”

Segundo o estudo “ Reconstruir a Europa”, da consultora EY, o setor cultural foi o segundo setor económico mais afetado pela crise do COVID-19, estando em primeiro lugar o setor da aviação. Estas consequências económicas terão repercussões durante os próximos tempos.

Também a State of the Art foi afetada pela pandemia de forma significativa, sendo obrigados a adiar e cancelar vários projetos e eventos. Conseguiram minimizar o impacto reformulando alguns projetos. “Em vez de exposições em espaços limitados, criámos instalações de arte ao ar livre ou suspensas evitando assim o aglomerado de pessoas”, explica. Ou seja: projetos mais direcionados ao mundo digital.”

Com o desconfinamento e a diminuição das restrições, o setor pode respirar de novo. “Estou feliz por começar a ver o setor a recuperar de poucos aos poucos e ver a apetência das pessoas em ir visitar exposições, irem ao teatro ou concertos, mesmo com todas as restrições de distanciamento social em vigor”, confessa.