De olho no sucesso: a jornada de Liliana Reis na Ortoqueratologia

LIliana Reis ORTOQUERATOLOGISTA

As pessoas à sua volta apelidam-na de “perfecionista”, mas o certo é que foi essa visão que conduziu Liliana Reis ao topo: é a única portuguesa entre os 155 melhores especialistas internacionais na área de Ortoqueratologia. Com três filhos, dois enteados e um cão, é uma mulher apaixonada pela forma como encara a vida, e, acima de tudo, por ajudar a que os outros também a consigam ver da melhor forma.

Durante o secundário, os testes vocacionais de Liliana Reis indicaram que tinha aptidão para muitas áreas. Poderia ser aquilo que quisesse, o que deveria ter sido algo positivo, mas não bo foi. Essa versatilidade deu origem à indecisão, a uma fase pautada pelo desafio: ao ter um leque amplo de possibilidades, era difícil saber qual caminho escolher.

Foi então que decidiu dar ouvidos às vozes que a circundavam. Praticamente nascida e criada no mundo da ótica, Liliana percebeu que talvez o seu percurso se traduzisse em manter o legado. “Cresci numa família de ópticos e oftalmologistas como amigos próximos da família, tive a possibilidade de assistir a consultas tanto de optometria como de oftalmologia e, a minha mãe (enfermeira), achou por bem vincar a importância da optometria”, conta. Admite que foi este “empurrão” que a levou a candidatar-se à Licenciatura em Optometria e Ciências da Visão, e, mais tarde, ao mestrado em Optometria Avançada.

“Todos merecem a liberdade de viver sem as restrições que a má visão impõe, e é neste sentido que vejo ORTHO-K como imenso potencial de transformar vidas.”

O interesse pela ortoqueratologia nasceu da sua própria experiência. Tendo crescido com miopia, Liliana Reis viveu condicionada pelas adversidades impostas pela má visão, desde constrangimentos em atividades físicas até “desafios académicos e sociais”. Quando, por intolerância às lentes de contacto normais, e por desorientação espacial com óculos, resolveu colocar Ortho-K, os benefícios foram “transformadores”. Garante que, pela primeira vez, tomou “consciência de limitações que nem sabia que tinha”, o que mudou por completo a sua qualidade de vida. Tratou-se de um ponto de viragem de onde floresceu uma nova paixão: “todos merecem a liberdade de viver sem as restrições que a má visão impõe, e é neste sentido que vejo ORTHO-K como imenso potencial de transformar vidas.”

Ortho-K é um projeto pioneiro em Portugal, que surgiu “muito naturalmente”, como resposta às necessidades específicas do tratamento ortoqueratológico, bem como para superar as dificuldades que Liliana enfrentava ao acompanhar os pacientes. Afirma que sentiu “a necessidade de criar um espaço dedicado a esta especialidade, que recebesse as pessoas com o cuidado e o respeito que merecem”, num “ambiente acolhedor, onde os pacientes possam sentir-se em família, tendo o tempo necessário para compreender todas as opções de tratamento”.

As lentes Ortho-K são uma opção amiga do ambiente, tal como a solução de desinfeção que utilizam. Comparadas com as descartáveis, que geram microplásticos e soluções químicas que podem poluir os oceanos, as lentes Ortho-K oferecem uma alternativa mais sustentável. Liliana Reis atenta que devemos olhar para este tratamento do qual fazem parte as lentes ou contenções Ortho-K e “nunca como uma venda de lentes de contacto isolada”. Desenhadas especificamente para cada pessoa e projetadas para restituir a visão enquanto a pessoa dorme, o objetivo das mesmas é para que, ao acordar, os utilizadores consigam ver claramente, sem precisar recorrer óculos ou lentes convencionais.

Este tratamento permite devolver a liberdade visual a pessoas com erros refractivos, como miopia, hipermetropia, astigmatismo e presbiopia. A profissional salienta ainda o quão crucial é este tratamento para crianças e adolescentes, pois “ao retardar significativamente a progressão da miopia, não só proporciona boa visão, como permite prevenir as patologias oculares secundárias à miopia”. Estas englobam: “descolamento de retina, degeneração macular miópica, glaucoma, catarata precoce, áreas de atrofia na retina e na coroide, buraco macular e retinopatia miópica, que podem levar a uma perda visual significativa, que representa atualmente a primeira causa de perda de visão não recuperável em todo o mundo (OMS)”. Deste modo, Liliana Reis assegura que a Ortho-k se apresenta como “uma escolha eficaz para pais que desejam proteger a visão dos seus filhos a longo prazo”, sublinhando ainda a necessidade de, antes de iniciar o tratamento, ser “realizada uma avaliação visual e ocular detalhada com um profissional especializado em Ortoqueratologia”.

Para os profissionais de saúde visual, a Ortho-K representa “uma redução no número de complicações relacionadas ao uso prolongado de lentes de contacto”, como infeções oculares, irritações e secura ocular. Esta independência de correções visuais facilita o tratamento de pacientes em ambientes com condições adversas, “como ar condicionado ou ambientes estéreis”. Diferentemente das cirurgias refrativas, Ortho-K assume-se como “reversível e ajustável ao longo do tempo”, possibilitando “uma maior flexibilidade no acompanhamento e diminuindo a pressão sobre os pacientes”.

Ao longo de todo este percurso, e por exercer a profissão que exerce, Liliana Reis já viu e vivenciou muita coisa, mas afirma que o maior desafio se prende com a altura do nascimento do filho mais novo. “Trabalhava 10 a 12 horas por dia, seis ou mesmo sete dias por semana”, conta, revelando que, nessa época, o seu estado de saúde deteriorou-se bastante e foi aconselhada a não trabalhar. Só que nem sempre é fácil tirar o pé do acelerador. Liliana admite não ter conseguido “aceitar a necessidade de parar, dentro de mim tinha a responsabilidade de dar acompanhamento aos pacientes que acompanhava”. Tentou trabalhar três dias por semana, meio termo que a entidade patronal não aceitou. Viu-se assim “obrigada a despedir-me do local onde trabalhava e priorizar a saúde e a família”.

Em pleno contexto de covid, sem emprego, com uma depressão pós-parto, uma suspeita de fibromialgia, e três filhos e dois enteados para cuidar. Era esta a sua situação. Num piscar de olhos, Liliana Reis viu a sua vida virar de ponta cabeça, razão pela qual pensou abandonar a área e dedicar-se a, nas suas palavras, “nem sei bem ao quê, mas cujo grau de exigência fosse mais baixo”.

O certo é que o apoio do marido e de alguns pacientes impediu que Liliana Reis largasse a mão de uma área para o qual acreditam que ela tem um dom especial. Esta resiliência e força de vontade deram à luz a ideia de montar um consultório no escritório de casa, “com material comprado em segunda mão de consultórios e/ou ópticas que fechavam”. Pelo caminho, uma das pacientes de Ortho-k, cujo pai tinha óptica e consultório noutro distrito, convidou Liliana para exercer lá a especialidade, e um dos optometristas que a viu crescer e com quem trabalhou inicialmente, “disponibilizou o consultório um dia por semana para ver os meus pacientes”. Pouco a pouco, tudo começou a se endireitar: “Deus fechou uma porta e abriu uma janela na minha vida e ensinou-me a olhar para o trabalho de forma diferente”, crê Liliana.

E que janela, esta que Deus abriu. Se tivesse desistido dos seus sonhos, Liliana Reis não teria sido reconhecida como a única portuguesa entre os 155 melhores especialistas internacionais na área de Orthokeratology and Myopia Control. É uma conquista que se traduz numa “honra imensa” e um reconhecimento que valoriza profundamente, por ser “um reflexo do trabalho árduo” e da dedicação que tem investido na área. Lamenta apenas que este reconhecimento não se verifique dentro do seu próprio país como lá fora, mas confia que é:

“uma oportunidade para promover e divulgar o tratamento de ortoqueratologia em Portugal, inspirando outros profissionais”.

Além da divulgação do tratamento, ainda há muitas ideias a magicar dentro da cabeça de Liliana Reis. Idealiza publicar um livro infantil, com o objetivo de sensibilizar as crianças sobre a miopia, pois “gostaria que elas desenvolvessem uma consciência semelhante à que têm sobre outras partes do corpo que precisam de cuidado, ajudando-as a compreender a importância de uma boa visão desde cedo”.

O futuro é incerto, mas o presente é o culminar de uma superação de desafios. Na opinião de Liliana Reis, como mulher, mãe e esposa, para se ser uma líder de sucesso, é fulcral ser-se “autêntica, confiante e resiliente”. Acredita que é preciso “ter clareza sobre o seu projeto e aproveitar as suas habilidades únicas para comunicar e para gestão de relacionamentos, sem ter medo de pedir ajuda quando necessário”. Apesar de comumente ouvirmos falar em equilíbrio entre vida profissional e familiar, Liliana Reis encara esse tema por uma outra perspetiva. No seu entender, deve-se aceitar “sem crítica, nem culpa pessoal, que vamos ter períodos de mais intensidade de trabalho e, logo menos tempo para a família, e períodos com menos intensidade de trabalho e mais tempo de família”. Acima de tudo, a sua jornada de vida fez com que entendesse que, “para tratar dos outros, temos primeiro de tratar de nós”.