Começou como trabalhadora independente e, atualmente, tem o seu próprio escritório onde presta vários serviços. Para Ana Paula Borges, a contabilidade vai além das obrigações fiscais, a componente humana é tão essencial quanto os resultados financeiros. E se há algo que a contabilista apresenta, são resultados, provando que não basta perceber de números para se chegar à resposta certa.
Todo percurso académico de Ana Paula Borges foi sempre sendo trilhado dentro da área das Ciências Empresariais. Licenciou-se em Economia e, posteriormente, como gostava muito da contabilidade relacionada com empresas, procurou ter alguma formação dentro desse ramo mais específico. Resolveu enveredar pelo caminho do trabalhador independente, “porque trabalhar num gabinete não me satisfazia”. Ana Paula conta que “era obrigada a fazer uma tarefa repetitiva” e isso não a preenchia, contudo, sentia que “ainda não tinha as bases necessárias” para constituir já uma sociedade. Assim, foi tendo a oportunidade de trabalhar com alguns contabilistas e acredita que foi “uma experiência muito boa”, porque “a teoria é uma coisa e a prática é outra”. Em 2010, chegou a trabalhar numa SGPS, onde exercia funções de contabilidade e parte de gestão financeira.
Até que, em 2013, sentiu que já possuía “os alicerces necessários” para dar o próximo passo. Abraçou assim a ABToc, projeto que, 11 anos depois, ainda continua de pé e a ajudar vários clientes. Ana Paula Borges vê em todos os momentos da sua vida profissional um desafio. “Por incrível que pareça, não há um único projeto que eu possa dizer que eu entre e pense que vai ser fácil”, admite. Encara as transições do POC (Plano Oficial de Contabilidade) para o SNC (Sistema de Normalização Contabilística) como uma fase particularmente complexa, uma vez que “sair de uma estrutura padronizada” é árduo. No entanto, reconhece que o maior desafio já vivido foi mesmo o período da Covid-19. “Foi muito complicado lidar com o desespero dos gestores, dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, estar disponível, estando ausente do escritório, para os apoiar e tratar de todos os apoios que estavam a sair rapidamente”, confessa. Ana Paula Borges recorda que, nessa altura de confinamento, as legislações estavam sempre a mudar. “Era desesperante”, diz, ao ponto de existirem clientes que “ligavam muitas vezes só para desabafar”, porque não tinham a quem recorrer. Acrescenta ainda que “era muito triste” quando tinha de lhes informar que não poderiam beneficiar de certo apoio, “porque via-se o desespero”.
A própria criação do seu gabinete foi também um dos maiores desafios, mas hoje em dia tudo corre pelo melhor. Ana Paula Borges julga que aquilo que difere o seu escritório dos demais são as pessoas, porque “o trabalho tem de ser sempre feito, e ele é sempre feito da mesma forma, há regras estabelecidas”. Assim sendo, crê que o importante é a forma como na ABToc lidam e ouvem as pessoas, mas, principalmente:
“Como podemos sair um bocadinho de nós e colocarmo-nos no papel do cliente”.
Para a profissional, é fundamental “não se cingir apenas às obrigações fiscais, como um balancete ou um relatório” é também indispensável “ajudá-los a construir a própria empresa”. Vive para conciliar ambas as vertentes, pois como costuma dizer, “não há duas empresas iguais, e não há duas pessoas iguais”. Sublinha ainda que
“as empresas são geridas por pessoas. Nós [contabilistas] não somos o inimigo, quanto melhor eles estiverem, nós também estamos. A economia deles crescendo, a nossa também cresce e todos nós crescemos”
Quando iniciou a sua carreira, Ana Paula Borges confessa que olhavam para si como “a cobradora de impostos”. Era assim a forma como os contabilistas eram percecionados antigamente, contudo, atualmente, as pessoas já tentam obter mais informação. No último ano e meio, Ana tem assistido a “um crescente interesse pela consultoria” e repara que as pessoas antes de a procurarem pesquisam na internet sobre o assunto. O problema é que a internet muitas das vezes “não lhes explica tudo”, alerta Ana Paula Borges, alegando que têm chegado “casos graves de pessoas que viram na internet como se fazia a declaração de início de atividade”, por exemplo, “fizeram tudo muito direitinho, só que colocaram um valor incorreto”. Este tipo de situações torna-se complicado de regularizar e os prejuízos associados são “elevados”.
“MUITOS JOVENS QUEREM ABRIR A SUA ATIVIDADE COMO TRABALHADOR INDEPENDENTE, E NÃO TÊM A MÍNIMA NOÇÃO DOS CUSTOS QUE ESTÃO ASSOCIADOS, DAS RESPONSABILIDADES QUE TÊM”
Quanto à medida da literacia financeira que vai ser aplicada em sete escolas, Ana Paula Borges considera-a “tardia”. Embora compreenda que “a sociedade só agora permitisse” focar nestes temas, devido aos últimos anos atípicos, nota “que muitos jovens querem abrir a sua atividade como trabalhador independente, e não têm a mínima noção dos custos que estão associados, das responsabilidades que têm”. Ana Paula crê que, por não estarem devidamente informados, é uma medida que já devia ter sido implementada há mais tempo.
Após tantos anos a lidar com clientes, aquilo que vai percebendo é que “as pessoas têm muita aversão à contabilidade e à fiscalidade e fogem”. No seu entender, essa não devia de ser a postura a adotar e considera estes temas muito pertinentes a serem abordados em contexto de sala de aula, com exemplos práticos, para que “consigam compreender as situações”.
Só com esses conhecimentos sólidos é que os mais novos têm os ingredientes necessários para se tornarem bons empreendedores. É por isso que, a todos os jovens que tenham o objetivo de abrir uma empresa, Ana Paula Borges aconselha a pararem para refletir e responder às seguintes questões:
“eu quero esta empresa porque…”, “o objetivo desta empresa é…”, “qual é o impacto que ela vai ter na minha economia particular”, “o que é que eu posso contribuir e ganhar com esta empresa?”
Acredita que este exercício é fundamental, pois encara a empresa como “um projeto de sustentabilidade, tem uma vida útil, finita, e só deve existir enquanto for rentável e eu dela conseguir usufruir”.
Quando empresas são concebidas sem estas noções, Ana Paula Borges garante ser “um erro, porque vão começar a cair”. Uma das questões que julga serem mais graves e que assiste acontecer com alguma frequência é o dinheiro na conta ser encarado como propriedade própria. “A empresa não é nossa. Eu costumo dizer isto, a empresa tem vida própria. Encarem a empresa como um bebé que cresce e que precisa de nós para a gerir”, explicita a contabilista. Adiciona ainda que “as pessoas acordam um dia e pensam ‘vou constituir uma empresa’ porque alguém lhes disse que era muito bom, e depois apercebem-se que afinal há muitos impostos para pagar. A questão é mesmo essa, a criação de uma empresa acarreta impostos e nós temos de estar preparados”.
“A COMPONENTE HUMANA É FUNDAMENTAL, SE NÃO, UM COMPUTADOR FAZIA O SERVIÇO”
Nota-se que Ana Paula Borges é apaixonada pelo que faz, mas o amor à camisola que veste não a impede de ver o lado menos bonito da profissão. Para quem tem o sonho de um dia ser chamado de contabilista, a profissional adverte que, “acima de tudo, tem de gostar do que está a fazer e ter algum espírito de sacrifício”. É necessário estar preparado para lidar com todas as obrigações fiscais, porque, por muitos avanços que tenham sido consagrados, por vezes ainda não existe “uma sensibilidade para compreender as situações”, como é o caso do justo impedimento. Ana Paula é grata pelo “ganho importantíssimo”, mas conta que “muitas das repartições de finanças ainda não estão a ser aplicadas, e estão a sair coimas, para nós e para muitos colegas que usufruem disso”. Este e outros cenários leva a que os contabilistas desanimem.
“Nós temos a nossa vida particular, mas a profissional tem de estar sempre acima, porque nós temos os prazos para cumprir. Portanto, não é uma profissão fácil. Aqui exige muito de nós. Além de exigir um constante conhecimento, há uma alteração legislativa muito grande. E isto tudo dá um desgaste muito grande, é uma profissão muito desgastante”
Conta que, um dia, um dos administradores do SPS lhe disse “tu tens um grande problema, tu pensas com o coração”. E onde um homem viu um problema, Ana Paula Borges viu uma mais valia. É da opinião que é preciso “olhar com racionalidade, mas ao mesmo tempo olhar para o meio” onde se encontra, tentando não focar “só nos números”.
É essa vertente mais humana, esse pensar com o coração, que faz da ABToc muito mais do que apenas um escritório de contabilidade. Afinal, tal como Ana Paula Borges refere, “nós estamos aqui há 8 horas, isto é uma casa. Eu até costumo brincar e dizer que eles são os meus filhos, porque são. Passo muitas vezes menos tempo com a minha família do que com eles”. O seu lema passa por se recordar de que “nós somos pessoas e nós aqui completamo-nos”, e que “o negligenciar isto é o que faz com que, muitas vezes, as empresas não sobrevivam, porque não há este cuidado com as pessoas”. Numa sociedade que, aos seus olhos, está cada vez mais egoísta, Ana Paula Borges considera fulcral “voltar um bocadinho para trás”. Foi criada na aldeia, numa casa onde se deitava com as portas abertas. Se os vizinhos às 8h da manhã quisessem entrar, entravam. É por este “convívio, o aceitar e o olhar e confiar” que luta todos os dias e que crê ser importante começar- mos a recuperar.
Fala, pensa e age como uma líder, mas não se acha uma. Costuma dizer que “eu sou como sou”, mas, afinal, quem é Ana Paula Borges, então? É uma mulher que tem uma “necessidade de aprendizagem”, que não se dá por vencida e que gosta de trabalhar “para o bem comum”. Acredita que são tudo características inatas que já a acompanham desde o nascimento, embora se esforce todos os dias para evoluir.