Há quem só saiba somar conquistas – Alesandra Vrech é uma dessas pessoas

Tem 46 anos, é casada, vive com os dois filhos, dois enteados e uma netinha de apenas 8 meses. Nunca teve nada de mão beijada, mas já conquistou mais do que alguma vez sonhou que conseguiria. Entre momentos de felicidade e alturas de desespero, Alesandra Vrech deixa bem claro que é possível conjugar o verbo sonhar, e nada é um obstáculo grande o suficiente para desistir: nem mesmo um oceano.

 

A trajetória profissional de Alesandra Vrech teve o seu início do outro lado do globo, no hemisfério sul. O Brasil foi o país que a viu nascer, crescer e, com apenas 13 anos, começar a trabalhar para um cartório. Diz ter sido aí que foi “pegando o gosto pela matemática”.

As passadas de Alessandra Vrech, na altura ainda uma menina, acabaram por a conduzir a um escritório de contabilidade no Paraná. Aos 17 anos, entrou na faculdade, em Ciências Contábeis, na PUC (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). É um período que relembra com alguma angústia, marcado por muitas dificuldades. “Foram cinco anos bem difíceis”, confessa, porque tinha de se desdobrar para poder acompanhar as aulas, trabalhar e ainda ajudar em casa. Mas manteve-se firme até ao fim, contrariando os pensamentos que a incitavam a desistir.

Durante a época da faculdade, Alesandra foi experimentando um pouco de tudo aquilo que esta área lhe tinha a oferecer: exerceu funções em vários escritórios, depois passou por auditoria e, mais tarde, começou a trabalhar em grandes multinacionais ligadas ao automotivo (como a Renault), na área de controladoria. Além dessa vertente, explorou também a da tributária, tendo ainda sido controller de uma indústria de pequenos reparos automotivos, em Santa Catarina.

Pela qualidade do trabalho exercido, Alesandra foi convidada para trabalhar na BMW, coordenando uma equipa de 22 pessoas. Entretanto, acabou por se despedir de Santa Catarina e regressar a Curitiba, para ser controller de uma indústria de reflorestamento. Alesandra passava os seus dias a fazer vários levantamentos de oportunidades tributárias, até um pensamento ter cruzado a sua mente:

“chega de enriquecer os outros, vou abrir a minha própria consultoria”

E foi essa ideia o ponto de partida para a criação da sua atual empresa, a AFVrech. Embora esteja aberta desde 2016, Alesandra admite “que foi apenas a partir de 2019 que encarei realmente eu, sozinha, sem ter nenhum vínculo empregatício em nenhum outro lugar”. Estabeleceu parcerias com advogados e constituiu a AFVrech Consultoria Tributária.

Paralelamente a toda esta jornada profissional, a vida pessoal de Alesandra também enfrentava os seus altos e baixos. “Teve um divórcio, fiquei eu e os meus filhos, tive de começar do zero, vendendo nossa casa, fazendo divisões”, explica a líder. Foi nesta fase que, por questões de segurança, e porque a empresa o permite, optou por morar fora do Brasil. Vendeu um carro, um apartamento, fez as malas e partiu para o desconhecido, em busca de algo melhor. “Chegamos aqui em junho de 2022, sem saber nada”, refere Alesandra, afirmando que “a única coisa que a gente tinha em mente, era que nós tínhamos que encontrar uma casa para alugar no prazo de 15 dias”.

Para que isso acontecesse, Alesandra e a família começaram “a trabalhar na limpeza, de domingo a domingo”. A líder explica que ficou dois meses neste registo (tratando das coisas do escritório da parte da noite), ao passo que o novo esposo e o filho ficaram três meses. Trataram de toda a documentação necessária e, no último dia do prazo estabelecido, conseguiram uma casa na zona dos Carvalhos, onde Alesandra trabalhava a partir da divisão do escritório. Até chegar um dia em que pensou: “Cadê a Alesandra que existia em mim, de salto alto, arrumada?”. Brinca com a situação, dizendo que andava “sempre de pantufa, meus sapatos achavam que eu tinha morrido”. Sentia que precisava de um lugar para chamar de seu e, por isso, achou que estava na hora de alugar um espaço.

Entretanto, arrecadaram dinheiro suficiente para comprar outra casa, na mesma região, pois Alesandra admite que “aqui eu me senti bem acolhida”. Na AFVrech, são atendidas várias pessoas que precisam de carta, documentação, pareceres, bem como certos nichos, como “a contabilidade do pessoal do Uber TVDE”. Além disso, têm em mãos dois projetos que consistem em instalar empresas do Brasil em território português.

“Nós nos afiliamos à Câmara Luso-Brasileira, que nos favorecem. Se alguém consultar a Câmara, eles vão indicar a nossa empresa para preparar tudo”

Alesandra é uma mulher apaixonada pela vida e pelo trabalho, mas confessa que aquilo que a move é “a gratificação de ver a oportunidade do cliente em receber aquilo que ele pagou a mais, e ajudar, orientá-los, porque a partir daí eles depois já percebem”. Acrescenta ainda que é prazeroso estar responsável pelo projeto de trazer as indústrias para cá, pois estão “a contribuir para o crescimento económico de Portugal”.

Contudo, nem tudo são flores, e Alesandra revela que o início, principalmente, é difícil. “Todo o mundo vem com essa doce ilusão, ‘ai, vou trabalhar na minha área’. Não, não dá para chegar e ir já para aí. Você tem que ir com humildade, tem que fazer todo o teu processo de novo, porque você aqui tem de começar do zero, não importa a tua experiência de 30 anos”, assegura, acrescentando que “aqui as pessoas têm de conhecer o seu trabalho, você tem de passar segurança para elas, credibilidade do que você faz, então tem que vir com a mente desse jeito”. A par disso, a líder confessa sentir uma grande diferença entre os clientes brasileiros (que representam cerca de 90%) e portugueses, porque “existe muito preconceito ainda”, especialmente “por eles verem que é um brasileiro que está à frente”. Sublinha ainda a divergência cultural:

“vocês mesmo já têm essa cultura, dificilmente trocam aquilo que vocês já estão acostumados a ter, como o contabilista que já frequentam, o advogado, etc. Têm dificuldade em mudar”

É nesse sentido que a AFVrech conta com uma parceira contabilista, que presta apoio em reuniões com clientes. “Ela está presente para vocês terem segurança de que eu não estou sozinha e que eu tenho uma parceira portuguesa no mesmo ramo”, explica.

A experiência de Alesandra leva a profissional a crer que, de um modo geral, há uma lacuna de informação bastante acentuada. “Os clientes que chegam aqui nem percebem bem, não entendem porque é que têm de pagar as coisas. É uma educação matemática diferente do 2+2”, declara. Frisa ainda que “hoje em dia, tudo precisa de um contabilista, portanto ter essa consciência é importante”. Deste modo, Alesandra encara a medida da implementação do projeto piloto nas escolas como algo que “faz super sentido, só que deveria de iniciar bem antes”. No seu entender, não deveria ser no 10º ano, “mas lá no início, para a ter a contabilidade básica da própria vida”. Acredita que seria importante “ir programando a cabeça da criança para ter certos cuidados e programar o seu futuro”, e ilustra com um exemplo: “Se você der cinco euros para uma criança, ela tem que gerir. Ter ciência de que não é fácil ganhar e que custa. Mas que bom que já tomaram uma iniciativa”.

Três décadas depois do início da sua carreira, Alesandra faz uma retrospetiva sobre todo o seu percurso: “Sou filha de mecânico analfabeto e a minha mãe casou com 17 anos, eu fui um presente de 18 anos para ela. Minha mãe só terminou o 2º grau bem mais tarde. É telefonista. Não herdei nada, só o carácter. Nada de mão beijada. Tem gente que tem tudo e não sabe aproveitar. Cada centavo em todo o mês da faculdade era suado e eu dava valor. Nada caiu do céu, nada foi fácil. Foram noites de choro, pensar em desistir. Mas amanhecia e o sol brilhava de novo, e eu também estava lá de novo”. Quem entrar no espaço da AFVrech dá logo de caras com o seu “quadro de metas”, onde a líder vai colocando os seus objetivos “e as coisas vão acontecendo”. Não é à toa que a parede está bem recheada. Neste momento, Alesandra está focada em realizar as quatro cadeiras para concluir a validação do seu diploma na Ordem. Mas em breve deixará de ser uma meta e tornar-se-á em mais uma vitória, que se juntará a todas as outras.

Para Alesandra, é primordial não desistir dos sonhos, e é essa mensagem que pretende transmitir a todas as mulheres:

“Não desistam, porque nós somos capazes de tudo, até atravessar o Atlântico”

É da opinião que, se existe um propósito, temos que fazer por isso. E se há coisa que o percurso trilhado por Alesandra comprova é que ela investiu todo o seu tempo e dedicação para deixar de sonhar e passar a viver os sonhos. Mesmo tendo outras componentes da sua vida que merecem igual atenção: “Não desliguei da minha casa, não desliguei do marido, dos filhos, não desliguei de nada, e consegui tudo.”