A gestão do tempo repartido entre as responsabilidades no âmbito familiar e o empenho de quem assume sem reservas uma carreira profissional vai, a pouco e pouco, deixando de ser um desafio praticamente exclusivo das mulheres, e o caminho tem de ser por aí, ainda que todos os indicadores continuem a inclinar a questão para o “nosso lado”.
Falando por mim, desde que me conheço como mulher adulta que os dois polos de exigência constituem uma dualidade presente e todos os dias desafiante.
Ao pesar os dois lados da balança, sem a menor hesitação perante aquele que tem sido o meu percurso de vida, não deixo de reconhecer que, considerando o tempo dedicado, a família é nitidamente a principal credora. Bem vistas as coisas, esse desequilíbrio não surpreende. É natural que assim aconteça, tantas são as exigências da vida contemporânea, sobretudo no contexto profissional.
Acresce a esta dualidade o facto de ser mulher. Recordo que aos olhos da sociedade em que vivemos ainda recai sobre nós a cobrança maior no que tem a ver com o comportamento, a imagem, o julgamento de terceiros e todas as expectativas que são geradas nos dois planos.
Resulta daí que a gestão da nossa disponibilidade, exercício tantas vezes extenuante, é um imperativo diário que sempre nos acompanha.
Ter de pensar onde é mais importante estar e qual o tempo disponível para dedicar a esses momentos representa um desafio constante. Primeiro que tudo, questionamos qual o tempo e de que forma vamos estar. E para isso, tentamos gerir o nosso calendário pessoal e profissional para ter uma visão conjunta. Essa tarefa, no meu caso, faço-a geralmente ao Domingo, onde reservo um tempo para mim dedicado em regra à leitura, ocupando a outra parte do dia a planear a semana de trabalho que aí vem.
Plenamente consciente de que o trabalho e a família são duas partes indissociáveis de um todo, dois universos que se completam, é preciso ser resiliente face às situações mais difíceis e adversas, procurando estabelecer relações de verdadeira cumplicidade, entre ajuda e confiança.
“Por vezes, e por muito que nos custe, temos de saber dizer “não”
Desde logo porque é impossível estarmos em todo o lado, a toda a hora. Seja qual for o contexto, a capacidade de dizermos “não” é um recurso, um método que nos mantém focados no que está planeado e, assim, centrados na nossa missão e nos nossos objetivos.
Outro aspecto a considerar neste desejado e exigente equilíbrio a dois níveis, o pessoal e profissional, é o saber delegar.
Reconheço que não foi fácil e, devo confessar, que muitas vezes ainda me encontro nesse dilema de concentrar em mim determinada tarefa ou, pelo contrário, se não será mais conveniente e aconselhável abrir mão dessa propensão para o unilateral, eu faço, eu trato.
Sucede que delegar faz parte da nossa constante aprendizagem. E tão importante é para mim como para os que comigo trabalham. Assim, crescemos juntos. É preciso deixar voar!
Ao interrogar-me sobre este equilíbrio ao longo da vida, a resposta nem sempre é clara ou, pelo menos, tenho para mim que o trabalho e a família não se encontram em lados opostos.
Diria que estamos numa corrida com duas faixas e nelas vamos alternando; às vezes, uma supera a outra na nossa dedicação, mas rapidamente tudo se pode inverter – o que importa, o que é mesmo confortante é quando as faixas se unem e estão em sintonia.
Mesmo sabendo, pelas razões indicadas, que o tempo proporcionado à família muito dificilmente será equiparado ao que dedicamos ao trabalho, o que nos move tem de ser uma ética de compromisso. O compromisso de tudo fazer para minimizar a distância que desequilibra os dois polos.
Nesse sentido, temos de trabalhar diariamente para manter o equilíbrio, mostrar que é possível conciliar as duas realidades, os dois desafios permanentes. Importa que tenhamos sempre presentes os valores que nos foram transmitidos pelos nossos pais e que temos o dever de os cultivar ao longo da vida, junto dos nossos filhos e no contexto das nossas relações profissionais. Falo de valores como a integridade, a seriedade, a veracidade, a lealdade, a confiança, a disponibilidade e a partilha.
Numa outra linha de reflexão, à medida que as mulheres se foram afirmando no trabalho e conseguindo um reconhecimento por parte da sociedade, a cultura geracional foi igualmente sofrendo alterações. Existem sinais nos jovens de hoje que mostram uma maior preocupação com o tempo de qualidade e a vivência fora do espaço laboral, quando na minha geração a primazia veio a recair principalmente em fazer carreira e trabalhar cada vez mais para marcar a diferença. Esta é a nova realidade que temos de compreender, pois os mais novos, embora assumindo as suas responsabilidades, não abdicam da sua esfera pessoal (eles próprios, a família e os amigos) em prol do trabalho, ao contrário do que muitos de nós priorizámos ao longo dos anos.
É certo que as novas ferramentas vieram permitir novas formas de trabalho, proporcionando por um lado uma melhor gestão do tempo e, por outro, o descomplicar de certas tarefas e actividades.
Em relação às mulheres, actualmente e nas áreas de comunicação onde me encontro, mais de 60% da força de trabalho é já representada pelo sexo feminino; no entanto, em cargos de liderança a representatividade está à volta dos 40%, o que mostra que ainda há algo a fazer. O mérito no feminino é de certeza muito relevante, mas a abertura ao género por parte de muitas empresas e a igualdade de oportunidades ainda estão aquém do desejável para conseguirmos este equilíbrio também ele desafiante.
“Felizmente, é justo reconhecê-lo e um motivo de orgulho, que na organização onde trabalho muitas são as mulheres em cargos de liderança e em muitas outras funções de destaque”
A terminar, gostaria de referir que todos os momentos de reflexão são importantes para nos ajudarem a equilibrar as nossas vidas pessoais e profissionais. Tudo isto numa lógica de gestão do tempo harmonizada e bem repartida, tanto quanto nos for possível, na certeza de que estamos perante dois polos que não devem rivalizar nem disputar a nossa dedicação, pois ambos se completam.
Se, enquanto estamos profissionalmente activos, é natural que a carreira leve alguma vantagem nessa divisão do nosso tempo, temos o dever de compensar (logo, equilibrar) nos momentos em que estamos em família, dedicando-lhe o máximo que pudermos e soubermos.
Em ambos os cenários, todos ocupamos os nossos lugares e pretendemos que os mesmos venham ao encontro dos nossos objectivos pessoais e profissionais.
Dilema, desafio ou utopia, a relação entre família-carreira é, muito simplesmente, uma questão de equilíbrio que a todos se coloca.