MULHERES UNIDAS OU INDEPENDENTES – UM FALSO DILEMA

Manuela Doutel Haghighi, DIRETORA DE CUSTOMER SUCCESS NA MICROSOFT, CO-CHAIR DO WOMEN NETWORK, E CURADORA DA LUSOFONIA DIGITAL

Entre conquistas e desafios no mundo profissional, a união feminina empodera mais do que atrasa.

As Mulheres em Portugal em 2024

Num ano de eleições, pergunto-me “será que daqui a um ano veremos avanços significativos na igualdade de género, na participação das mulheres nos cargos de liderança, na conciliação entre trabalho e vida pessoal, na valorização das competências femininas? Ou será que as mulheres continuarão a enfrentar os mesmos obstáculos, discriminações e desafios que hoje? Ou, pior, será que teremos de continuar a ter esta paciência infinita para que se produza um milagre…?”

Não há uma resposta definitiva para estas questões, mas há alguns fatores que podem influenciar o futuro próximo. Por um lado, há sinais positivos de que as empresas e a sociedade portuguesa estão cada vez mais conscientes da importância de promover a diversidade e a inclusão, de combater os estereótipos e os pre- conceitos de género, de reconhecer o talento e o potencial das mulheres em todas as áreas.

Há também uma maior mobilização das próprias mulheres, que se organizam em grupos de network, associações, movimentos e iniciativas que visam defender os seus direitos, denunciar as situações de injustiça e violência, e reivindicar mais oportunidades e melhores condições de trabalho.

Por outro lado, há ainda muitos desafios e dificuldades que persistem e que podem atrasar ou impedir o progresso das mulheres no mercado de trabalho. A crise económica e social provocada pela pandemia da Covid-19 teve um impacto negativo e desproporcional nas mulheres, que viram os seus rendimentos reduzidos, os seus empregos ameaçados, as suas responsabilidades familiares aumentadas, e a sua saúde física e mental afetada.

A recuperação económica e a transição digital e ecológica exigem novas competências e qualificações, que nem sempre estão acessíveis às mulheres, especialmente às mais jovens, às mais velhas, às mais pobres, às migrantes e às minorias étnicas.

Em muitos setores e organizações, ainda prevalece uma cultura patriarcal, que aliás bem se manifestou durante as campanhas e em outros contextos, e que submete as mulheres a situações de abuso, desigualdade, marginalização, violência e invisibilidade.

Seguindo as palavras da sábia Simone de Beauvoir, que ainda se aplicam hoje em dia: “Lembrem-se sempre que basta uma crise política, económica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam colocados em dúvida. Esses direitos não são garantidos. Temos que ficar atentos durante toda a vida.”

Portanto, a situação profissional das mulheres nas empresas em Portugal dependerá muito do equilíbrio entre estes fatores positivos e negativos, mas também da vontade e da capacidade das próprias mulheres de serem cidadãs conscientes, de lutarem pelos seus direitos, de se afirmarem como profissionais competentes e de se apoiarem umas às outras. As mulheres não devem resignar-se ao status quo, nem esperar que as mudanças venham de fora. Elas devem ser as protagonistas da sua própria história, e juntas podem fazer a diferença.

As Mulheres num sistema individualista

Em teoria, o sistema económico e organizacional atual baseia-se no sucesso e na recompensa individual que justificam a contribuição para o bem comum. No entanto, em sistemas piramidais e hierárquicos, onde o mérito é mais subjetivo do que objetivo, onde os interesses da organização prevalecem sobre os do indivíduo, e onde há uma complexidade de processos e procedimentos, há também regras informais que favorecem uns em detrimento de outros. Muitas mulheres veem o trabalho e a carreira como partes importantes da sua vida, pois procuram satisfação profissional, independência financeira e reconhecimento social. Mas, nesse percurso, a maioria das mulheres ainda enfrenta dificuldades para alcançar seus objetivos: a desigualdade salarial, o preconceito, a discriminação, a falta de transparência nas oportunidades e nos casos mais graves, assédio e violências, físicas ou morais.

Estando inseridas nesse sistema de responsabilização individual, grande parte das mulheres opta por lidar com esses desafios por conta própria, o que frequentemente resulta em sofrimento, frustração e até mesmo esgotamento.

Mas não tem de ser assim.

As mulheres podem e devem entre ajudar-se, criando redes de ajuda, solidariedade e cooperação, que possam auxiliá-las a vencer as dificuldades e a garantir o seu crescimento.

Mulheres que ajudam

Contrariamente ao que se possa pensar, a união e a independência das mulheres são conceitos que se complementam e se potencializam.

A união refere-se à capacidade das mulheres de se organizarem coletivamente, de se apoiarem mutuamente, de partilharem experiências, conhecimentos e recursos, de se mobilizarem pelos seus direitos e de se protegerem contra as injustiças.

A independência refere-se à capacidade das mulheres de tomarem as suas próprias decisões, de gerirem as suas vidas, de se expressarem livremente, de se valorizarem e de se realizarem pessoal e profissionalmente.

A união e a independência das mulheres trazem vários benefícios, como:

• Aumento da autoestima, da confiança e da motivação

• Melhoria da saúde física, mental e emocional

• Amplificação das oportunidades de trabalho, de educação e de desenvolvimento

• Fortalecimento da autonomia financeira, da segurança e da qualidade de vida

• Contribuição para a transformação social, a igualdade de género e mesmo da democracia

No trabalho, as mulheres podem ensinar umas às outras as dinâmicas das organizações, esclarecer as regras informais que regem as relações, explicar quem tem poder, influência ou autoridade, ou como funcionam as compensações e as promoções.

Isso não impede depois que cada mulher faça o seu percurso individual no dia a dia. Essas são as mulheres que ajudam.

As Mulheres que não ajudam

Nem todas as mulheres encontram o apoio e a solidariedade de que precisam no mundo profissional. Muitas vezes, as mulheres são vistas como rivais, inimigas ou ameaças umas pelas outras, gerando uma competição desleal, hostil e prejudicial.

Essa competição pode ser motivada por fatores internos, como a baixa autoestima, a insegurança, o medo ou a inveja, ou por fatores externos, como a escassez de oportunidades, a desigualdade salarial, a discriminação de género ou a pressão social. A competição entre mulheres no trabalho pode manifestar-se de várias formas, como boatos, sabotagem, humilhação, exclusão ou a violência psicológica.

A competição entre mulheres no mundo profissional em Portugal não é um fenómeno novo, mas tem ganhado maior visibilidade nos últimos anos, devido ao aumento da participação feminina no mercado de trabalho, à diversificação das carreiras e à maior exigência e competitividade do contexto laboral.

A competição entre mulheres no trabalho pode ter consequências graves, tanto para as vítimas como para as agressoras, afetando negativamente a sua saúde física, mental e emocional, a sua motivação, o seu desempenho, a sua satisfação e o seu bem-estar. Além disso, a competição entre mulheres no trabalho pode contribuir para reforçar os estereótipos e os preconceitos de género, perpetuando a desvalorização, a invisibilidade e a subordinação das mulheres no âmbito profissional e social.

Existem ainda as mulheres que acham que chegaram onde chegaram sozinhas, por mérito próprio e sem ajuda de ninguém, muito menos de outras mulheres. A essas mulheres convém lembrar que se tiveram o direito a ir estudar, a ir trabalhar, e a ter até um salário quase igual aos dos homens, foi graças á luta das e dos feministas por esses direitos. Há 50 anos nada dessas conquistas teriam sido possíveis, simplesmente por serem mulheres. Convém não ter a memória curta.

Essas são as mulheres que não ajudam.

Como promover a união e a independência das mulheres.

É portanto urgente e necessário promover uma cultura de cooperação, de respeito, de confiança e de sororidade entre as mulheres no trabalho, reconhecendo que as mulheres não são adversárias, mas sim aliadas na luta por mais igualdade, justiça e liberdade.

Para isso, é preciso que as mulheres tomem consciência, informem-se, eduquem-se e empoderem-se, valorizando as suas potencialidades, os seus talentos e as suas conquistas, sem se compararem ou se inferiorizarem em relação às outras mulheres.

Também é preciso que as mulheres se apoiem, se ajudem, se incentivem e se reconheçam mutuamente, criando redes de solidariedade, de partilha e de aprendizagem, que favoreçam o crescimento pessoal e profissional de todas.

E por fim, é ainda preciso que as mulheres se mobilizem, se organizem, se manifestem e se defendam, denunciando e combatendo as situações de violência, de discriminação e de opressão física, mental ou emocional que afetem outras mulheres no trabalho e na sociedade.

Existem diversas formas de promover a união e a independência profissional das mulheres no tais como:

• Participar ou até criar grupos de networks, associações e movimentos de mulheres, que possam oferecer apoio, orientação, capacitação e representação;

• Procurar mentoria, coaching, consultoria ou parceria com outras mulheres, que possam partilhar os seus percursos, desafios, aprendizagens e conquistas;

• Investir na sua educação, qualificação, atualização e inovação, procurando expandir os seus conhecimentos, habilidades e competências (ás vezes técnicas, mas sobretudo organizacionais e políticas)

• Empreender, criar, inovar, liderar, inspirar, influenciar, negociar, comunicar, colaborar, reconhecer e valorizar o trabalho de outras mulheres

• Denunciar, combater, prevenir e enfrentar as situações de discriminação, assédio, violência e violação de direitos humanos das próprias ou de outras mulheres

• Equilibrar, harmonizar, integrar e conciliar sem perfecionismos as exigências do trabalho e da vida pessoal procurando cuidar de si primeiro (sim, primeiro!) e de- pois da família, da comunidade e do meio ambiente.

As Mulheres que ajudam todos

A participação e a autonomia profissional das mulheres são fundamentais para o empoderamento, a liberdade e a autoestima de todas as mulheres, e também dos homens.

As mulheres podem e devem ser agentes de transformação e de progresso.

Assim, é essencial que as mulheres se considerem sujeitas de direitos, que se estimem, se ajudem, se empoderem, estabelecendo relações de cooperação que proporcionam uma sociedade mais equitativa, harmonizadora e democrática, não apenas para elas mas para todos.

“Mulheres, unidas, jamais serão vencidas”