EXPERIMENTAR DIFERENTES ÁREAS E NOVAS POSSIBILIDADES

Joana Afonso Fernandes é Doutoranda em Engenharia Industrial e de Sistemas. A sua curiosidade intelectual e a urgência em arriscar levaram-na ao mundo da Ciência e da Tecnologia. Apesar do gosto pela escrita, contrariou o estereótipo de género ao enveredar pelo curso de Engenharia Electrotécnica e Computadores e posteriormente pela Criminologia. Com um percurso académico diversificado mostra que o gênero não deve influenciar a ambição de carreira

 

A paixão pela poesia, herdada do avô, acabou por ficar na gaveta. Com 15 anos foi morar sozinha para frequentar o Secundário e, mais tarde, o Ensino Superior, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Conta com uma licenciatura em Criminologia, seguida de um mestrado em Higiene e Segurança nas Organizações. Movida pelo desejo de aliar as formações, não se deixou intimidar quando a tentaram demover da transição entre as diferentes áreas. Logo de seguida, foi mais além e aventurou-se por um estágio na Marinha Portuguesa, focado na área da segurança e outro na Escola de Engenharia Industrial da Universidade de Málaga, em Espanha.

Iniciou a carreira profissional na Pingos Service, uma empresa dedicada à realização de serviços na área da engenharia e infraestruturas de telecomunicações na qual integrou uma equipa jovem composta na sua maioria por homens. A experiência superou todas as suas expectativas e nunca se sentiu descriminada pelo facto de ser mulher. Contudo, a paixão pela investigação e o desejo de aprofundar o conhecimento conduziram-na ao Doutoramento em Engenharia Industrial e de Sistemas na Universidade do Minho, que considera ser o maior desafio de todo o seu percurso. O trabalho de investigação proposto valeu-lhe o financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) no painel de avaliação de Economia e Gestão e a possibilidade de se dedicar à investigação em regime de exclusividade.

Atualmente, está empenhada em desbravar caminho no âmbito da gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) em meio hospitalar, bem como na busca de estratégias que contribuam para a sua otimização. Refere que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho representam um desafio global em matéria de Segurança e Saúde Ocupacional e  evidenciam a necessidade de se desenvolver investigação nesta  área científica multidisciplinar e, simultaneamente, socialmente sensível. A pandemia COVID-19 veio enfatizar ainda mais esta necessidade, nomeadamente ao nível da adoção de medidas rápidas e adequadas para enfrentar contextos imprevistos e mitigar riscos profissionais emergentes.

O aumento da complexidade e interatividade das organizações e dos seus sistemas com a introdução da tecnologia e com a evolução digital requer a  implementação de medidas que contribuam de forma efetiva para a diminuição da sinistralidade laboral e que garantam condições de trabalho adequadas. Para isso, destaca a importância da Ergonomia e Fatores Humanos, uma área que procura compreender as interações entre os humanos e outros elementos de um sistema afim de otimizar o bem-estar humano e o desempenho geral do sistema. A investigação em ambientes ocupacionais mostra-se particularmente relevante, pois o impacto dos acidentes e doenças profissionais causados ​​pela tecnologia e pelos sistemas de trabalho podem afetar as organizações e a continuidade das atividades económicas.

Após o primeiro contacto com a área, durante o estágio em Espanha, começou a delinear o trabalho de investigação que viria a desenvolver em Portugal. O estudo teve como objetivo desenvolver e validar uma ferramenta para avaliar o desempenho resiliente do sistema de gestão de segurança no setor da metalomecânica, baseado nas premissas da Engenharia da Resiliência.

Apresentou o resultado final na Masterclass for Young Scientists na 10th International Conference on the Prevention of Accidents at Work, em Viena, na Áustria.

Apesar de pouco difundida, a Engenharia da Resiliência surge como um novo paradigma de segurança que se concentra em entender como alcançar sucesso nas atividades diárias e analisar como a variabilidade afeta o desempenho dos sistemas. A importância desta nova abordagem já se revelou fundamental em setores como a aviação, os cuidados de saúde e os transportes. Para Joana Afonso Fernandes, há uma clara necessidade de adotar métodos sistémicos para abordar a segurança e as questões relacionadas ao risco em sistemas sociotécnicos complexos.

 A Engenharia da Resiliência fornece um conjunto de novos  métodos que incentivam ao envolvimento dos trabalhadores e valorizando o seu papel dentro da organização. Ao mesmo tempo, aproxima a perspetiva da gestão de topo, como diretores e consultores, de uma visão muito mais realista do desempenho da organização, o que pode ser utilizado como informação valiosa para melhorar a gestão de segurança e saúde e desenvolver procedimentos mais eficazes.

 

Assiste-se a uma mudança de “erro humano” para “variabilidade de desempenho humano” na análise de riscos e acidentes em sistemas complexos. Contudo, as ferramentas associadas à abordagem de segurança adotada até então não consideram as possíveis conexões e interdependências entre os diversos elementos do sistema para modelar acidentes e analisar os riscos. Consciente das barreiras que possam surgir à mudança, considera necessário que os responsáveis ​​pela gestão das organizações tomem conhecimento das mais-valias da Engenharia da Resiliência e sejam eles o motor impulsionador que atravessa todos os níveis da organização para chegar aos trabalhadores da linha de frente, aproximando-os de uma visão comum em matéria de segurança e saúde.

 

Desde cedo despertou para o voluntariado e ativismo no que respeita aos Direitos Humanos. Envolveu-se em experiências de voluntariado universitário, com as quais colabora até hoje, nomeadamente o Projeto Nacional de Educação pelos Pares (PNEP), levado a cabo pela Fundação Portuguesa “A comunidade contra a SIDA” (FPCCSIDA), onde dinamiza sessões em escolas públicas do Porto, bem como estabelecimentos prisionais. Os temas centram-se em questões como a violência no namoro, bullying, sexualidade, entre outros. Durante o mestrado esteve ainda envolvida em projetos comunitários, um dos quais foi submetido a financiamento no âmbito do Programa Erasmus+.

 

“A partilha de experiências durante o voluntariado e a oportunidade de escutar relatos na primeira pessoa de situações de violência e descriminação foram muito impactantes e só despoletou ainda mais a minha vontade de ter um papel ativo na sociedade. Para além disso, permitiu-me desenvolver a minha capacidade de comunicação o que hoje em dia se revela muito útil.”

 

Colabora , ainda, com a HumanitAVE – Associação de Emergência Humanitária, que tem como objetivo contribuir para a erradicação de qualquer prática nefasta aos Direitos Humanos, nomeadamente a Mutilação Genital Feminina e os casamentos infantis, precoces e forçados. Agora, prepara-se para a sua primeira missão humanitária à Guiné Bissau.

 

Procura “reconhecer e elogiar o trabalho de outras mulheres” com quem se cruza e defende “o apoio entre as mulheres por um futuro mais justo”. Ao invés de reprimir, acredita que se devem apoiar mutuamente. Considera que existe um longo caminho para a igualdade de oportunidades e “que é absolutamente necessário continuar a investir em iniciativas que apoiem e valorizem a participação das mulheres, tanto na Ciência como na Tecnologia, de forma a acabar com a discriminação e a promover um equilíbrio de género no ensino e nas carreiras”.  

 

Ciência e a Igualdade de Género são dois fatores preponderantes para cumprir a Agenda de 2030 para o Desenvolvimento Sustentável com sucesso. Para Joana, o futuro passa por garantir a igualdade de oportunidades e direitos, sendo para isso necessário reverter  as desvantagens sociais e históricas das mulheres.

 

A maior parte das oportunidades nas áreas científica e tecnológica encontram-se no litoral do país. Natural de Boticas, uma vila no interior do país, em Trás-os-Montes, está familiarizada com as “dificuldades das meninas e mulheres que vivem no interior do pais, a quem o acesso à educação pode ser dificultado devido às despesas que implica”. Viveu na primeira pessoa a necessidade de sair do local onde cresceu para prosseguir estudos e, mais tarde, iniciar a sua carreira profissional. Salienta, por isso, a importância de iniciativas como a do Município de Boticas, que entrega bolsas de estudos aos estudantes universitários do concelho – “um apoio que tem um grande impacto no orçamento das famílias e que permite aos jovens do Município prosseguir, tal como eu, os seus estudos e abrir os horizontes ampliando as suas oportunidades no mercado laboral”.

 

Diz ainda que as meninas e mulheres que muitas vezes sentem dificuldade em escolher o curso que irão frequentar no Ensino Superior é importante que não se deixem influenciar por preconceitos que as impeçam de seguir certas áreas científicas e de tentarem a carreira que pretendem. Muitas vezes ouvem-se alguns comentários em tom de brincadeira ou piada, mas que têm por base um preconceito que eu própria cheguei a acreditar que era verdade e por isso é importante também a mudança do nosso próprio pensamento de forma a que ele não limite as nossas escolhas.