“AS MULHERES TÊM DE PARAR DE SE SENTIR MAL POR SABEREM O QUE QUEREM, POR SEREM AMBICIOSAS, POR SEREM MAIS INTELIGENTES OU TEREM UM MELHOR SALÁRIO”

Rita Matias
Iniciou o seu trajecto profissional na Portugal Telecom pouco depois de completar a formação académica na área do Marketing e Publicidade (2003), mas não foi até à partida para Angola, em 2010, que se apaixonou verdadeiramente pela sua profissão. Aquela que seria uma experiência originalmente prevista para dois anos acabou por se prolongar por dez, sendo apenas interrompida pelo desejo de Rita Matias iniciar um novo projeto, um projeto seu. Atualmente, é managing partner da Serenity – empresa que reuniu psicólogos e neuropsicólogos, tendo em vista o desenvolvemos programas de apoio emocional e psicológico destinados, por exemplo, aos mais afetados pela pandemia.

 

A descrição que Rita Matias faz do momento em que aterrou em Luanda, numa manhã de Outubro de 2010, poderia facilmente ser usada como guião de um filme: “Lembro-me perfeitamente de, ao sair do avião, sentir uma brisa quente e o cheiro a calor.” Nesse dia, garante, apaixonou-se por Angola. Chegou com o objetivo de vivenciar uma experiência profissional na NetOne, mas aquilo que encontrou foram “oportunidades”, como a possibilidade de interagir diariamente com pessoas de “16 nacionalidades e culturas”, contribuindo para o seu desenvolvimento enquanto pessoa e profissional.

De facto, foi em Angola que Rita também se apaixonou pela primeira vez pelo seu trabalho. Ao aperceber-se do impacto que as suas funções podiam surtir na vida das pessoas em seu redor, como era o caso dos colegas de trabalho, a empresária apercebeu-se de que podia atingir “algo maior” e causar “impacto”. “Só conseguimos atingir esse propósito através da forma como tocamos a vida de outras pessoas”, reflete. Ao não se sentir “apenas mais um número ou mais uma colaboradora” encontrou uma “motivação para fazer mais e melhor.”

A experiência no continente africano, confessa, transformou-a: “O fato de estarmos fora da nossa zona de conforto (país, cultura, família) faz-nos crescer e procurar por novas formas de adaptação a uma realidade que não é a nossa. Somos nós que temos que nos adaptar e encontrar o nosso ‘meio’ e não o contrário.”
A disponibilidade com que encarou a experiência permitiu-lhe aproveitar ao máximo, dando o máximo de si e da sua energia à mudança que estava a atravessar.
Da realidade que encontrou, Rita descreve Luanda como a cidade onde “nada é garantido e onde os sonhos são tantas vezes adiados. Foi um privilégio conhecer e conviver com tais pessoas. Foi especialmente gratificante ver pessoas a crescer pessoal e profissionalmente, com a humildade e ambição necessárias.” O plano original seria ficar dois anos, mas Rita não foi capaz de partir durante dez – regressando apenas quando sentiu uma “imensa vontade” de criar o seu próprio projeto. Na bagagem  trouxe “milhares de memórias, momentos, rostos, vozes e sorrisos, dos quais jamais se irá esquecer. Se eu tive algum impacto na vida destas pessoas, eles tiveram muito mais na minha vida. E por isso sou eternamente grata!”
Antes da aventura internacional, Rita Matias trabalhou na Portugal Telecom desde Junho de 2003, logo após a conclusão dos estudos universitários em Marketing e Publicidade. Na altura, ainda não tinha nenhumas certezas acerca do “percurso que gostaria de seguir”. Na gigante das telecomunicações, Rita começou como estagiária no departamento de Marketing Editorial do SuperEmprego – uma plataforma digital para pesquisa de emprego. Ao fim de 3 meses transitou, desta feita a tempo inteiro, para o departamento de Design/Comunicação Digital do SAPO. Uma experiência que avalia como uma “excelente oportunidade para aprender e crescer profissionalmente”.

Apesar da experiência feliz, Rita mostra-se satisfeita com as mudanças de perceção quanto ao caminho profissional que cada um deve percorrer, quase de forma imediata: “A vida não pode ser dividida em blocos de tempo. A vida é fluída bem como as experiências e cada pessoa tem o seu tempo. Precisamos de tempo, espaço e oportunidade para encontrar a nossa vocação.”
Aquando da experiência na Portugal Telecom, a área em que Rita desempenhava funções, a comunicação digital, encontrava-se ainda em desenvolvimento. No entanto, a empresa estavam na “vanguarda da inovação tecnológica” e o SAPO (área digital da PT) “era uma área de negócio em franca expansão, com muitos clientes a investirem em publicidade e conteúdos digitais”. Uma área que mereceu a atenção e o investimento profissional de Rita, tendo realizado formações cíclicas, cursos e muita leitura – o que lhe permitiu manter-se atualizada em relação às tendências ditadas pelos consumidores: “É fundamental estar constantemente a estudar comportamentos, fazer experiências e analisar resultados.”

Enquanto profissional, Rita acredita que a sua “imensa vontade de fazer acontecer, contornar obstáculos e nunca desistir – ou, como se chamar-lhe, teimosia –, são algumas das características que a distinguem. Simultaneamente, existe a atenção que dedica ao “detalhe”, o esforço “por preencher os espaços em que ninguém reparou, por unir pontas e criar harmonia.”
Uma capacidade particularmente útil no contexto atual, fortemente marcado pela pandemia. Questionada sobre as consequências da crise sanitária na dinâmica das empresas e na forma como estas se organizam, a managing-partner da Serenity Portugal considera que “ainda é cedo” para avaliar os efeitos. No entanto, não tem dúvidas de que “o impacto da pandemia no bem-estar emocional e psicológico é devastador e a recuperação, para muitas pessoas, será longa. Enquanto as pessoas não se recuperarem a 100% também não poderão contribuir a 100% para a recuperação da economia, através do seu trabalho, seja qual for. Precisamos estar bem, física e psicologicamente, para podermos ser os profissionais que o país precisa para crescer”, reitera.
Já no que concerne à comunicação, Rita Matias refere que a forma como as marcas o fazem “mudou devido à conjuntura e terá que mudar muito mais” devido às alterações que aconteceram no processamento da informação por parte dos indivíduos: “Estamos mais racionais, mais atentos e com menos paciência. A comunicação que antes funcionava de forma unilateral, vai ter de passar a ser trabalhada de forma bilateral, ao nível da experiência do cliente.”
Como tal, as marcas que se destacarão serão aquelas que conseguirem estar mais próximas dos clientes, nomeadamente através de ações de marketing personalizadas e contactos frequentes com os clientes – de forma a responder às suas necessidades de forma rápida e com soluções criativas.
A 8 de Março, o mundo prepara-se para celebrar o Dia Internacional da Mulher, 46 anos depois ter sido instituída pela Organização das Nações Unidas. Quase meio século depois, muitas são as discussões sobre a sua pertinência dada a evolução dos direitos e a diminuição da clivagem nas folhas salariais, no entanto, Rita Matias considera que ainda hoje “uma enorme desigualdade entre géneros”. Di-lo porque já passou “por essa experiência inúmeras vezes”. A empresária considera que “a questão da desigualdade pode levar décadas a ser ultrapassada porque está enraizada na forma de pensar e de agir há muitas gerações.”

A mudança passará, portanto, “pela educação em casa, nas escolas, nas empresas. As mulheres têm de parar de se sentir mal por saberem o que querem, por serem ambiciosas, por terem ideias inovadoras, por serem mais inteligentes, mais cultas ou terem um melhor salário.” Uma mudança de perceção e de discurso será também crucial, por exemplo, acabar com a ideia de que os homens serão ameaçados com a ascensão social e profissional das mulheres: “Mais do que uma luta por igualdade de direitos entre géneros, esta é uma luta por direitos humanos. A ideia de igualdade de direitos deve estar no mesmo lado espectro e não em lados opostos como se fossemos inimigos”, esclarece Rita.
A vontade de deixar um legado está presente de forma notória no discurso de Rita Matias, sendo o desejo igualmente visível na forma como encara a luta pela igualdade de género. Por isso, perceciona o assunto como “algo muito maior que nós. É sobre as gerações futuras, sobre aquilo que queremos para os nossos descendentes e para o mundo em que eles vão coabitar.